“Sempre tive muito orgulho em servir a minha freguesia”
Vítor Guia, 58 anos, presidente de Junta de Freguesia da Azinhaga, Golegã
Os problemas não tiram o sono a Vítor Guia, presidente da Junta de Freguesia da Azinhaga, Golegã, um dos rostos mais carismáticos da política ribatejana. Nascido numa família humilde, morava numa barraca à beira do Rio Almonda e com 11 anos já guardava animais. Cresceu a pulso, emigrou para arranjar dinheiro para construir a sua casa. Casado e com uma filha, ao autarca basta ter a consciência tranquila e sentir que dá sempre o seu melhor.
Nasci numa das famílias mais pobres da Azinhaga. Éramos três irmãos e fomos criados por uma mãe solteira. Morreu quando eu tinha 22 anos e, passados três anos, faleceu o meu irmão mais novo. Eu sou o do meio. Comemos o pão que o Diabo amassou. Muitas vezes, eu e os meus irmãos esperávamos pela vinda da minha avó que ia fazer peditórios as casas agrícolas para comer um bocado de pão duro e era assim que íamos sobrevivendo.Andei na escola até aos dez anos e meio. Fiz a quarta classe e as professoras achavam que era uma pena eu não continuar a estudar. Trataram de tudo para que prosseguisse os estudos mas a minha mãe não me deixou. Precisava que eu fosse trabalhar porque era a forma de para mais algum dinheiro entrar em casa. Fiz de tudo, desde guardar porcos, guardar ovelhas, bois, toiros, éguas e cavalos. Com 14 anos, como não havia o chamado trabalho infantil, comecei a trabalhar como servente nas obras. Estive emigrado duas vezes, onze meses na Líbia e seis meses na Argélia. Toda a minha vida vivi na Azinhaga com excepção desses meses. Comecei a namorar a minha mulher com 24 anos e dois anos depois casámos. Emigrei já depois de casado, para trabalhar na construção e arranjar dinheiro para comprar o terreno para fazer a minha casa. Ainda recebi outro convite para emigrar para a Guiné mas a minha filha tinha nascido e pensei que se fosse não iria acompanhar o seu crescimento. Fui pai com 30 anos.Montei a minha própria empresa de construção. Comecei a dar passos pequenos, à medida da perna, e o negócio foi crescendo sustentadamente. Em criança nunca tive oportunidade de sonhar ser isto ou aquilo. Nunca tive grandes sonhos porque as dificuldades eram tantas que nunca me permiti sonhar muito alto. Quando a minha mãe morreu já era pedreiro. Com 15 anos comecei a aprender e com 17 anos já estava a tomar conta de obras.Entrei na política aos 17 anos, quando se deu o 25 de Abril. Em finais de 74 quando se discutia a existência de sindicatos únicos comecei a interessar-me mesmo pela política. Pensei: se não gostávamos de um regime único vamos ter um sindicato único? Não podia não concordar com aquilo e participei em manifestações. Com 18 anos filiei-me no Partido Socialista. Fui militante durante 31 anos. Em 2005, pedi suspensão por tempo indeterminado. Duvido que volte. Estou a exercer cargos autárquicos desde 1992. Em 1985 fiz parte de uma lista à assembleia de freguesia e, em 1992 assumi ser cabeça de lista pelo Partido Socialista à junta de freguesia da Azinhaga numas eleições intercalares. Depois de sair, irei continuar a apoiar quem cá ficar a defender os interesses da freguesia que me viu nascer e que me deu tudo o que sou e tenho hoje. Ao fim de 17 anos, pela primeira vez, o PS ganhou a junta da Azinhaga. Depois, em 2003, fui eleito vice-presidente da Câmara da Golegã. Em 2005 voltei a recandidatar-me, como independente, a presidente de junta porque em política sempre pensei em sair como entrei. Voltei a ganhar com maioria absoluta em 2009 e agora estou no último mandato. Nunca pensei que viria a ser presidente de junta da minha terra. Na política, mesmo o mau que me aconteceu foi bom. Conseguirmos aprender com as coisas más são lições que tiramos. Tudo o que me aconteceu aconteceu por acaso. Não é fácil escolher um momento marcante mas se tivesse que escolher foi a eleição para a junta em 1992 numa freguesia em que 70 por cento da população costumava votar CDU e ganhámos com maioria absoluta. Em 2005 estabelecemos trazer Saramago de volta à terra. Sentia que existia um enorme falhanço de todos os autarcas até ali porque, afinal, era o prémio Nobel do país e não tínhamos tirado proveito disso. Lembro-me que entrámos em contacto com ele para, no dia em que celebrou 84 anos, vir à Azinhaga lançar o seu livro “As pequenas memórias”. Foi a primeira vez que houve um lançamento de um livro seu fora de um grande centro urbano. Foi um dia memorável nesta freguesia. O próprio Saramago disse que só não chorava por vergonha. Tudo o que fiz foi a pensar no bem e não no mal. Se tiver que entrar em qualquer sítio não ligo se é de luxo ou uma tasca, tenho é que estar bem com a minha consciência. Se tiver que pôr uma gravata também a ponho mas não é por aí que o respeito se impõe. Na Azinhaga digo adeus a toda a gente. Sou uma pessoa terra a terra. Sempre tive muito orgulho em servir a minha freguesia. Posso ter um problema hoje mas durmo bem porque, no outro dia, sei que vou resolvê-lo. Quando não estou a trabalhar dou uma espreitadela a algumas coisas na internet mas gosto de jogar uma boa sueca, de assistir a um espectáculo de circo e a um bom jogo de futebol. Talvez seja um dos espectáculos a que mais assisto, como bom benfiquista que sou.
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