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Desafiar o perigo nas ruas para não esquecermos que a natureza não é apenas flores e borboletas

Desafiar o perigo nas ruas para não esquecermos que a natureza não é apenas flores e borboletas

Uma festa taurina serve para recordarmos de onde viemos e o caminho que fizemos até ao conforto do mundo moderno
Um toiro, é um toiro, é um toiro. Uma festa com toiros na rua não é macia. É rija e brava como tudo o que é rijo e bravo. A natureza consegue ser impiedosa. Brutal. Mata, destrói, assusta. Há quem diga que o homem construiu as cidades para se proteger da natureza, que muitas pessoas confundem com flores aromáticas, passarinhos a cantar e borboletas multicolores. Em Samora Correia as festas são à medida de gentes que, apesar dos mil e um confortos da vida moderna, não esquece as suas origens. Lúcio Perinhas Batista, campino de Samora Correia, dizia o ano passado que nunca se queixou de trabalhar de sol a sol porque uma paixão não tem horários. Entrou aos 14 anos para a Casa Prudêncio. Era de uma família de nove irmãos. Aos trinta anos foi colhido por um toiro que fugiu dos curros. Saiu do Hospital de Vila Franca após ter sido tratado e não foi para casa descansar. Foi ajudar os companheiros a enjaular o animal. Confessa que não tem medo da morte. Diz que, para ele, morrer é deixar de ser campino. O discurso de Lúcio Batista, e de todos ao apaixonados pelo mundo dos toiros, não é compreendido num mundo em que as crianças para verem uma galinha têm que andar quilómetros numa excursão até um qualquer parque temático. Porque é que as gentes do Ribatejo desafiam toiros na rua? Porque viajam pessoas de todo o Mundo para correrem à frente de toiros em pontas nas Festas de S. Firmin em Espanha? Porque é que um grupo de forcados salta à arena para agarrar um toiro com mais de quatrocentos quilos apenas com as mãos?Todos se espantam com as notícias das colhidas durante as Festas de Samora Correia. Festas em homenagem a Nossa Senhora de Guadalupe e Nossa Senhora da Oliveira, santas a quem muitas rezam, sabendo à partida que não há milagres que cheguem para nos livrar dos males do mundo. Os aficionados feridos abandonam os hospitais e voltam para as largadas ainda a sangrar. Dentada de cão cura-se com o pelo do mesmo cão, diz a sabedoria popular. Quando a criança cai no escorrega há pais que a forçam a tentar nova descida. A vida não é fácil. Colocarmo-nos numa redoma não nos livra dos perigos. Vem um Tsunami, um tornado, um incêndio, um vírus, uma seca extrema, uma enxurrada, uma guerra, uma onda gigante, um camião fora de mão, um míssil perdido num céu perigosamente azul bebé e adeus...Um toureiro ou um adepto de touradas e de largadas de toiros chega a casa e faz mil festas ao cão que o recebe com saltos de alegria. Depois beija apaixonadamente a mulher e brinca com os filhos ou ajuda-os a fazer os trabalhos da escola. Emociona-se a ver um filme de amor na televisão. Antes de dormir ainda passa pelos estábulos para ver se os seus cavalos estão bem. Há pessoas que ele não conhece que o insultam sem compaixão. E ele entra na arena ou salta a vedação do cercado onde o toiro o espera e enfrenta todos os seus medos com a certeza que está a ser apenas um homem. Um homem descendente de homens que tiveram que enfrentar todos os medos, privações e terríveis feras para que ele chegasse onde chegou. E por isso se levanta a cada queda ou infortúnio, sentindo um secreto orgulho de ser quem é e de poder honrar os seus antepassados mais remotos.Rui Ricardo
Desafiar o perigo nas ruas para não esquecermos que a natureza não é apenas flores e borboletas

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