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Relações entre Moita Flores e Ricardo Gonçalves bateram no fundo

As divergências entre o anterior e o actual presidente da Câmara de Santarém já eram públicas e notórias, mas a carta que Moita Flores escreveu aos órgãos locais do PSD arruinou as relações entre os dois. Ricardo Gonçalves diz que está a ser alvo de difamação e que vai recorrer aos tribunais. Como pano de fundo estão obras feitas sem os devidos procedimentos legais no tempo em que Moita era presidente da autarquia.

O presidente da Câmara de Santarém, Ricardo Gonçalves (PSD), pretende processar judicialmente o seu antecessor no cargo, Francisco Moita Flores, devido a uma carta por este remetida aos órgãos concelhios do PSD cujo conteúdo considera difamatório da sua pessoa. Ricardo Gonçalves diz mesmo que nunca foi tão ofendido na vida. “Neste romance, ao estilo do seu autor, são-me feitas acusações e humilhações inadmissíveis. Entre mentiras e deturpações, o escritor difama-me ao mais alto nível, como até agora ninguém o fez. Sei que as ofensas ao bom nome, honra e consideração se tratam em tribunal, e assim farei”, escreve o autarca na exposição que enviou para as estruturas locais, distritais e nacionais do partido.A pretexto de dar a sua versão dos factos sobre o caso das obras mandadas fazer pela autarquia em 2009 e 2010 no antigo quartel da Escola Prática de Cavalaria e em outros locais sem os devidos procedimentos legais, Moita Flores alija responsabilidades e parte para a ofensa ao seu sucessor, acusando Ricardo Gonçalves de ser um “fraco líder”, “troca-tintas”, “desleixado nos compromissos” e que “não gostava de trabalhar nem de tomar decisões”. “Foi meu vereador e, sobretudo, na segunda vitória quando o PSD elegeu sete vereadores era de longe o mais fraco de todos eles. Dei conta disto às instâncias do partido e a ele próprio disse que não tinha perfil para ser presidente de câmara”, escreve Moita Flores sobre Ricardo Gonçalves, numa carta onde acusa o agora presidente de ter desencadeado uma campanha de ódio contra a sua pessoa. Alternando o tom intimidatório com o de vitimização, Moita Flores aproveita também para puxar dos galões na tentativa de diminuir o seu sucessor, dizendo que sempre se opôs a que o candidato do PSD nas eleições autárquicas de 2013 fosse Ricardo Gonçalves e que acabou por negociar com o PSD a sua saída do município para abrir caminho ao seu número dois. “Suspendi o mandato para o homem aparecer, mostrar o seu sorriso, a aparente bondade, fazer a sua campanha. Ao suspender o mandato percebi logo que isto iria ser um descalabro. Ele e os seus poucos acólitos, rapidamente deram o dito pelo não dito, traiu todos os compromissos que assumira quer com V.Exas, quer na presença de outros vereadores e começou a campanha contra a minha pessoa e contra o PSD”, queixa-se Moita Flores, que acrescenta logo a seguir: “Não levantei a voz mas escrevi várias cartas para ele e para V.Exas alertando para os disparates, para a obsessão na minha figura em vez de servir o concelho. Não valeu de nada. O processo de destruição da obra realizada pelo PSD em Santarém estava em vias de começar”.“Moita Flores tudo fez para atentar contra mim”Ricardo responde à letra, sublinhando que Moita Flores ilude o essencial na sua extensa carta de 10 páginas e que, “até para defesa da honra que diz ter”, devia “esclarecer porque é que adjudicou obras sem procedimento, ao invés de vir agora tapar o sol com a peneira”. E acrescenta: “Se eu quisesse destilar ódios - e talvez tivesse muitas razões para o fazer, porque o Dr. Moita Flores tudo fez para atentar contra mim, pessoalmente e na qualidade de candidato do PSD à Câmara de Santarém, e que atentou, no seu mandato, contra o interesse público - teria muitos factos para trazer a lume público, e pouco brando”.O presidente da Câmara de Santarém adianta que “a insinuação e insulto gratuito é método reconhecido deste senhor, com efeitos intimidatórios, misturado com factos falsos e deturpados, para causar, nos destinatários, um efeito de versão certa e correcta, de único bom homem à face da terra”. E refere que “as afirmações do Dr. Moita Flores nesta carta são por mim vistas como normais para o seu género, porque na sequência do que já havia dito diversas vezes durante a campanha, eu serei sempre preguiçoso, fraco e merecedor de outros epítetos, pelo simples facto de ser livre e não acolitar as suas pretensões, claramente implícitas no seu escrito”. Ricardo Gonçalves termina dirigindo-se ao seu partido: “Estou certo que o PSD, aos mais diferentes níveis, será solidário com esta forma de estar, que pugna pela verdade, seriedade e transparência e não compactuará com tentativas veladas de encobrir a verdade, através de ofensas ao bom nome dos seus eleitos locais”.Que obras foram feitas e quem as mandou fazer?Em causa estão obras realizadas em 2009 e 2010 em instalações da antiga Escola Prática de Cavalaria (EPC) e também demolições de uma casa degradada nas traseiras do Convento de São Francisco e de um antigo pavilhão no Campo Infante da Câmara. Só a obra da criação de um centro de atendimento à gripe A na antiga EPC, que nunca chegou a funcionar e que foi adjudicado por cerca de 330 mil euros mais IVA, foi objecto de procedimento pré-contratual. As restantes adjudicações não passaram pelo executivo camarário e, segundo se lê no processo, terão sido autorizadas verbalmente pelo responsável do Departamento de Urbanismo da autarquia à época, António Duarte, que já não trabalha para a autarquia.“As tais obras a mais de que se fala não passaram da possibilidade de limpar uma parte da EPC para colocar os serviços da Educação e Acção Social e limpar a sala onde seria feita a Assembleia Municipal, como se sabe, ‘expulsa’ do Governo Civil”, explica Moita Flores na sua carta, onde prefere dar enfoque ao facto de a comissão arbitral para dirimir essa questão nunca ter sido constituída, em detrimento da questão básica de toda a polémica: quem foi e porque adjudicou obras sem suporte legal em instalações que estavam sob a tutela directa de Moita Flores.Dívida a construtora destapou obras sem procedimentos legaisA carta que Moita Flores remeteu aos dirigentes concelhios do PSD de Santarém na última semana de Julho pretende fazer a sua defesa e dar a sua versão sobre um processo onde é difícil iludir as suas evidentes responsabilidades políticas. Na altura dos factos era ele o presidente da Câmara Municipal de Santarém e foi nessa altura que foram adjudicadas verbalmente algumas obras à empresa A. Machado & Filhos, sem passarem pelo executivo camarário. É possível que essas irregularidades nunca chegassem a ser conhecidas se a autarquia tivesse pago os trabalhos a tempo e horas. Mas tal não aconteceu porque o município discordou dos valores apresentados, considerados elevados. A empresa pedia quase 2 milhões de euros mas a autarquia, após auditoria interna mandada fazer por Ricardo Gonçalves, apenas reconhece obras no valor de 250 mil euros. A via negocial entretanto prevista não avançou porque a comissão arbitral não chegou a ser constituída - Moita Flores e Ricardo Gonçalves apontam responsabilidades um ao outro nessa situação - e a construtora acabou por meter uma acção no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (TAFL) que, em Maio último, condenou o município a pagar 1,8 milhões de euros à empresa pelas obras e juros.Na sequência desse processo de dívidas foi extraída certidão, enviada para o Ministério Público, para que fosse investigado o caso das obras feitas sem os devidos procedimentos legais. O que levou o Ministério Público, há duas semanas, a pedir ao TAFL a dissolução do executivo da Câmara de Santarém. O tribunal, contudo, não alinhou com essa posição por considerar que o actual executivo, eleito em Setembro de 2013, não poderia ser penalizado por actos praticados durante anteriores mandatos. E por isso extinguiu a acção.No entanto o processo ainda deve estar longe do fim, não só porque a câmara recorreu do pagamento dos 1,8 milhões de euros à empresa como também pelo facto de Ricardo Gonçalves já ter garantido que vai enviar todos os elementos relativos às obras quer para o Tribunal de Contas quer para a Procuradoria Geral da República, para que se apurem responsabilidades até às últimas consequências.

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