O ribatejano que comanda o Exército com espírito positivo
General Carlos Jerónimo que nasceu numa aldeia de Tomar e vive no Entroncamento é o novo Chefe de Estado-Maior do Exército
O Chefe de Estado-Maior do Exército, natural de Delongo, Tomar, não conseguiu fazer grandes amizades na infância porque o seu pai, militar da Força Aérea, andava sempre de terra em terra. A passagem por muitas localidades de Portugal e Angola ajudou-o a abrir horizontes e a encarar a vida militar de uma forma muito própria. O general Carlos Jerónimo, que vive no Entroncamento, não gosta de estar à secretária e de papéis mas agora teve de se render. Apesar disso não se deixou enclausurar pelas quatro paredes do gabinete e tenta manter um contacto directo com os militares. Quando alguém sai das fileiras telefona-lhe para lhe dar uma palavra de agradecimento pelo tempo que dedicou ao Exército. Um general que não segue a máxima de que na tropa não se pede desculpa nem se agradece.
Nasceu numa aldeia do concelho de Tomar. Ainda mantém ligação à terra?O meu pai era militar da Força Aérea. Deixei Delongo muito novo e fui viver para Tomar. Em 1961 fomos para Angola na primeira comissão do meu pai. Só estive dois anos consecutivos no mesmo estabelecimento de ensino por duas vezes. Uma no antigo externato Mouzinho de Albuquerque no Entroncamento e num colégio em Angola. Andei sempre de terra em terra. Optou por uma carreira militar por influência do pai?Um pouco mas também porque vivia num ambiente de militares. O meu tio pela parte do meu pai era capelão militar. As minhas duas tias pela parte da minha mãe eram casadas com militares. Tinha outros familiares militares. No meu prédio moravam militares. Quer dizer que começou a sonhar em ser militar em criança.Em minha casa queriam muito que houvesse um engenheiro, que acabou por ser o meu irmão mais novo. Que me lembre nunca tive nenhuma fixação por alguma profissão, embora gostasse de profissões ao ar livre e que lidassem com pessoas. Nunca gostei de papéis e escritórios. Mas agora tem de ser. Ainda tem alguns amigos de infância?Costumo dizer que não tenho muitos amigos de infância porque passei por Angola, Castanheira do Ribatejo, Oeiras, Águeda… Fui mudando. Tenho alguns amigos no Entroncamento onde os meus pais tinham residência mas muito poucos, quatro ou cinco pessoas. Não fiquei com muitas ligações porque andava sempre a rodar.Não devia ser fácil andar sempre a mudar de terra, de escola, de colegas. Por um lado não é bom porque não se criam raízes verdadeiramente. Não se tem um grupo de amigos nem se consolidam amizades. Mas tem a vantagem de nos dar uma visão do mundo incrível. Todos os anos mudar de professores e de colegas deu-me alguma vivência que também me enriqueceu. Foi viver para Angola ainda muito novo. Foi um choque?O meu pai fez duas comissões em Angola. Vim de Angola a última vez em 1972 e entrei na Academia Militar em 1973. Havia uma grande diferença. O espírito em Angola era muito mais aberto. Vivíamos em ditadura mas em Angola já havia coisas que não existiam em Portugal como a Coca-Cola. Notava uma grande diferença até na maneira de vestir. Em Portugal a mentalidade era muito mais fechada. O facto de em Angola as mentalidades serem mais abertas contribuiu para moldar a sua consciência cívica e política?Vim de Angola com 15 anos e não estava desperto para determinadas realidades. Mas havia algumas coisas de que me apercebia, como o distanciamento entre classes sociais, embora muito ao de leve. Em termos de consciência política, para mim na altura Angola era Portugal. Nunca ligou à política?O homem é um animal político. Mas a política e as funções profissionais são dois caminhos paralelos que procuro que não se entrecruzem. É importante continuar a ter uma ligação à região mantendo residência no Entroncamento, apesar de trabalhar em Lisboa?A minha mulher trabalha em Lisboa há 40 anos. Houve uma altura em que pensámos ficar em Lisboa. Mas como tínhamos os pais a residir no Entroncamento ficámos por aqui. Até porque é uma região tranquila e temos boas ligações rodoviárias e ferroviárias a Lisboa. Depois porque também comprámos casa no Entroncamento e ficou essa amarra. A ligação resume-se só à residência?Desde novo que tenho estado ligado a várias associações. Estive alguns anos na Associação de Natação do Distrito de Santarém, 14 anos no CLAC - Clube Lazer Aventura e Competição, agora sou presidente do Pára-Clube Boinas Verdes com sede na Barquinha, já vai para 14 anos. Estar nas associações é uma forma de se aproximar da sociedade civil?Sim! Na perspectiva que sempre me acompanhou ao longo da vida de sair um pouco do meio militar e ter contacto com outras profissões e pessoas de outras idades.Para além dos cargos directivos chegou a ser atleta nas colectividades?Fiz atletismo. Fui corredor dos 100 metros e 200 metros, fazia salto em cumprimento. Era um razoável velocista. Mas só competia em campeonatos das forças armadas. Consegue passar despercebido no Entroncamento?Agora tenho vindo praticamente só ao fim-de-semana para dar apoio à minha sogra e à minha mãe, fazer natação e umas caminhadas, estar com a família e um ou outro amigo. Sou uma pessoa algo reservada, não sou muito mediático. Um adepto da lampreia e do sávelO que é que gosta nesta região?É uma zona interessante em termos gastronómicos e patrimoniais. É uma região com história. Nunca perco os festivais da lampreia ou do sável. Mas no que toca a comida gosto de tudo um pouco. De uma sopa de cação, da sopa de pedra de Almeirim. Aliás a minha mulher faz uma boa sopa de pedra e nem preciso sair de casa. É um frequentador do Festival Nacional de Gastronomia?Nunca fui ao festival. Por acaso nunca calhou mas também prefiro ir a locais mais tranquilos. Não gosto muito de grandes aglomerados de pessoas. Não frequenta as festas no distrito?Costumava ir à Feira do Cavalo na Golegã mas desisti porque era preciso quase deixar o carro no Entroncamento. À Festa dos Tabuleiros em Tomar não vou há anos. Não sou muito de festas, de grandes ajuntamentos. Prefiro ir a um bar tranquilo. Um general que não gosta de dar nas vistasO General Carlos António Corbal Hernandez Jerónimo nasceu em Delongo, Paialvo, Concelho de Tomar, e é desde o início do ano o Chefe de Estado-Maior do Exército. Tem 58 anos de idade e 41 anos de serviço. Foi pára-quedista e instrutor de pára-quedismo. Prestou serviço em várias unidades militares, como na Escola de Tropas Pára-quedistas. Foi professor de táctica no Instituto de Altos Estudos Militares entre 1992 a 1993, comandante do Batalhão de Apoio Aeroterrestre, da Escola de Tropas Aerotransportadas, de 1994 a 1995 e Adido de Defesa em Rabat, Marrocos, de 1995 a Outubro de 1998. Com uma vasta carreira destaca-se ainda as funções de Chefe do Estado-Maior da Brigada Aerotransportada Independente de Novembro de 1998 a 1999 e de segundo comandante e comandante da Escola de Tropas Aerotransportadas. Comandou a Força Nacional Destacada na UNMISET em Timor. Exerceu outros cargos operacionais e foi também inspector-adjunto na Inspecção Geral do Exército, chefiou o Centro de Informações e Segurança Militar. Tem 13 louvores e várias condecorações entre as quais a Ordem do Mérito com o Grau de Comendador.Considera-se uma pessoa que não gosta de dar nas vistas. No 25 de Abril de 1974 estava na Academia Militar e não teve qualquer envolvimento na revolução. Nunca conheceu pessoalmente o capitão de Abril, Salgueiro Maia. O 25 de Abril marcou-o pela perspectiva de as pessoas poderem viver em liberdade, de terem acesso a uma vida de qualidade. “Infelizmente as coisas hoje já não são bem assim e há muita gente a viver com dificuldades. Este mundo gira a uma velocidade incrível e perderam-se algumas coisas. Houve caminhos trilhados que não terão sido os mais correctos. Em termos genéricos o ideal de Abril era bastante positivo, depois muitas coisas não chegaram a concretizar-se e outras estão em decadência”, comenta.Estratégia de defesa de Lisboa passava pela concentração de unidades na região de SantarémSantarém deve ser o distrito com mais unidades militares. Há alguma razão para isso?Tirando Lisboa o distrito de Santarém é que tem maior presença militar. Aqui temos o comando de duas brigadas, a Brigada Mecanizada em Santa Margarida e a Brigada de Reacção Rápida em Tancos. A defesa última de Lisboa passava por um triângulo estratégico da região centro e houve sempre propensão para concentrar aqui mais unidades.Ainda faz sentido esta estratégia?As unidades já cá estão. Mas por exemplo, o Campo Militar de Santa Margarida é uma realidade incontornável. Porque é onde há condições para fazer exercícios de tiro com diferentes tipologias de armas não só para o Exército mas também para a Força Aérea.Mas o distrito tem vindo a perder importância com a saída de unidades como as escolas de Cavalaria e Engenharia.A lógica tem sido tentar concentrar nos grandes centros para criar sinergias, poupar nos recursos gastando menos em infra-estruturas. Mas procuramos continuar a ter presença em todo o país para manter a ligação do Exército às populações. Qual era a necessidade de mudar as escolas para Mafra?Não temos necessidade actualmente de formar tanta gente. Optámos por concentrar as escolas de infantaria, cavalaria, artilharia, engenharia e transmissões em Mafra numa lógica de optimizar os recursos. Até porque algumas matérias são transversais às várias armas, como o tiro e a educação física. O que vai acontecer à antiga Escola Prática de Engenharia em Tancos?A escola saiu mas fica lá uma unidade que é o Regimento de Engenharia 1 que irá agregar alguns meios que vêm da Pontinha, Lisboa. Para Abrantes, de onde saiu a escola de Cavalaria, está prevista a instalação de um Regimento de Apoio Militar de Emergência. Quando é que este estará operacional? O caminho faz-se caminhando. A unidade está lá e tem uma guarnição. Há uma série de legislação que está a sair. A reforma da defesa tem um horizonte até 2020 e pretendemos conseguir consolidar esta transformação sem chegar a esse ano mas isso depende também dos recursos alocados. Para que vai servir este regimento?Este regimento tem valências no âmbito da engenharia, da parte sanitária, da parte da manutenção. É uma unidade multidisciplinar que funcionará sempre numa perspectiva de duplo uso. Os meios tanto podem servir para a componente militar como também para apoio à protecção civil. Colocar esta unidade em Abrantes é uma forma de manter as instalações militares ocupadas?Abrantes foi escolhido por estar numa zona central do país. Mas também numa lógica de preservar o património. As instalações têm a sua história. É sempre com alguma tristeza que abrimos mão de determinadas instalações. Mas a realidade é dura e crua e por vezes com os recursos humanos que existem e os meios financeiros que estão à disposição não é possível manter tudo.Ficou triste que as instalações da antiga Escola Prática de Cavalaria de Santarém tenham sido vendidas?Já passei por situações mais difíceis em termos pessoais e profissionais. Quem esteve ligado à EPC se calhar sentiu isso muito mais. Por exemplo, fardei de azul até tenente-coronel pára-quedista da Força Aérea. Os pára-quedistas por decisão política passaram para o Exército. As coisas têm a ver com as ligações das pessoas. Mas preferia que as instalações continuassem a ter uso militar?Esta unidade teve ligações ao 25 de Abril e nela estiveram pessoas, como Salgueiro Maia, que tiveram um papel importante na história de Portugal. Há sempre alguma tristeza sobretudo quando passamos pelas instalações e as vemos em estado de degradação. Mas também temos que ter consciência que as instituições, tal como nós, nascem, vivem e morrem. Há que encarar a realidade porque a vida tem de continuar.O que acha do aspecto em que estão os edifícios?Estacionei o carro em frente ao antigo quartel de Santarém e por fora não noto grande diferença mas sei que houve uma altura em que as instalações foram vandalizadas, mas nem sei se alguma parte está a ser utilizada. Posso dizer que há algumas infra-estruturas que foram bem aproveitadas, como em Bragança em que a câmara está num antigo regimento. O que custa às vezes é ver o património, que tem uma história para contar, entrar em colapso.O Regimento de Manutenção é para manter no Entroncamento?Sim, porque está numa zona de grande concentração de unidades militares e numa zona central.Faz sentido o Castelo de Almourol manter-se na posse do Exército?É um símbolo da engenharia militar e temos a responsabilidade de cuidar dele. Há um protocolo com a Câmara da Barquinha. Nós temos a responsabilidade da conservação e a câmara vai fazer a musealização e a exploração. Há uma ruína próxima que é a igreja do Convento do Loreto e a ideia é conseguir fundos comunitários para a recuperar e instalar no local um centro de interpretação. É importante para o exército continuar a manter o património histórico na sua posse?Há uma série de quartéis que chamamos Canifa e que foram construídos nas décadas de 50 e 60, como o de Abrantes e Tomar. Tinham um modelo quase idêntico. E estamos instalados em outros muito mais antigos e nós temos contribuído para a sua preservação. A disciplina deve ser transversal a toda a sociedadeAo longo da carreira tem executado funções mais operacionais. Consegue adaptar-se à formalidade que as funções de Chefe de Estado-Maior exigem?Sou uma pessoa mais informal mas há eventos em que tenho de ser formal. Se puder ando de calças de ganga, t-shirt e sapatilhas. Que valores o seu pai lhe transmitiu?Valores que hoje estão um bocado afastados da sociedade, como a disciplina, o rigor, a honestidade e a lealdade. Mas que deviam ser mais cultivados e transmitidos à juventude. Procuro guiar a minha conduta e transmitir às pessoas com quem trabalho e às minhas filhas estes valores. A disciplina é uma coisa muito própria dos militares.Tem que ser transversal a toda a sociedade. Ninguém consegue viver sem regras. Por exemplo a pontualidade é uma das coisas que procuro cumprir. Irrita-me estar à espera de alguém porque não faço esperar alguém, seja quem for. Ainda está actual o chavão “vai para a tropa para te fazeres homenzinho”? Isso se calhar teve mais impacto no passado. Porque saímos de um sistema de serviço militar obrigatório para um serviço voluntário. Antigamente o país era mais subdesenvolvido e muita gente saía dos sítios mais recônditos para ir para a tropa, o que contribuía para alargarem horizontes. O Exército teve um papel muito importante com as escolas regimentais onde muita gente aprendeu a ler e a escrever, numa altura em que os índices de analfabetismo eram elevados. Os primeiros indivíduos que tive como comandante de pelotão não tinham a instrução primária (primeiro ciclo) completa. Hoje fico satisfeito porque há muita gente no Exército com o 12º ano. O Exército ainda é uma instituição de formação de homens e mulheres para a vida?Os valores continuam a ser transmitidos e por isso é muito útil a passagem pela vida militar. A tropa não é uma casa de correcção mas numa altura crucial da vida serve para ajudar a formar o carácter das pessoas. Um Chefe de Estado-Maior tem tempo para falar com os militares?Antes de entrar para a entrevista liguei a um camarada que passou à reserva. Procuro sempre saber, independentemente do posto, quem passa à reserva para lhe dar uma palavra. Há uma expressão que diz que na tropa não se pede desculpa nem se agradece. Acho que os militares são cidadãos como os outros e os muros dos quartéis não devem ser uma barreira às regras de boa educação. Quem de nós não gosta de receber uma palavra amiga e de reconhecimento? Procuro fazer isso porque está na minha maneira de ser e transmito isso a quem trabalha comigo. Mas não tinha necessidade de fazer isso…A situação que vivemos no país não está fácil. Os cortes também se fazem sentir na família militar. Se as coisas estão más porque havemos de as tornar piores? Não estou sempre a sorrir mas é importante um sorriso no momento certo e devemos ter espírito positivo. Até quando é que vai ser militar?Nunca programei muito o futuro. As coisas foram sucedendo. Procuro concentrar-me no que estou a fazer no momento. Quando for para a reforma não vou ganhar dinheiro mas encontrarei qualquer coisa para fazer. Não será difícil arranjar ocupação.
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