uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante

“Coração Rebelde” de Nuno Barroso volta a mexer com a música portuguesa

“Farto-me de rir com os pseudo-artistas que andam para aí com bailarinas de mini-saia”

Tem uma forte ligação a Riachos e ao Ribatejo e é talvez desse lado familiar que lhe vem a voz que denuncia a forma como a mediocridade está a empurrar tudo o que tem qualidade pela borda fora, tanto a nível da música como de todas as actividades em geral. Perante isso promete não baixar os braços nem fazer concessões ao mau gosto. No primeiro verso do seu novo disco de canções, “Coração Rebelde - Nuno Barroso”, declara através da sua voz de poeta que quer ser “livre e selvagem e diferente”.

Lançou em 2012 um álbum de piano. Agora regressa às canções. Ao fim de quase vinte anos de carreira ainda anda à procura do seu caminho?O disco de piano, “Musica Mundi”, foi um exercício que fiz de escrever e compor noutro registo e de conhecer outras culturas através da música. Foi o meu caminho naquela altura. Aquilo também sou eu. É um álbum de realização pessoal em que a minha ligação ao piano se torna extremamente íntima. Foi composto solitariamente. Não há voz nem há poemas. Foi extremamente interessante.É conhecido como um cantor e compositor da área da música pop e rock. Assenta-lhe bem essa descrição do que é?Já fiz música pop, rock, heavy, blues, funky....a música pop é talvez aquela através da qual as pessoas mais me identificam mas eu sou um escritor de canções que gosta de variar de estilos. Não tem tiques de artista pop nem os excessos típicos do músico de rock...Não tenho nada a ver com isso. A minha ligação ao mundo pop não tem a ver com postura, comportamentos. Tem a ver com as canções, particularmente com a música, a melodia. Gosto de um bom poema interligado com uma boa harmonia.Gosta de ouvir as suas canções cantadas por outros ou acha que ficam melhor cantadas por si?Gosto de algumas versões de canções. Há cantores que conseguem levar as canções para outro patamar de criatividade. A canção ganha uma espécie de autonomia e consegue voar....A pergunta era sobre as suas canções e não sobre as canções em geral. A Adelaide Ferreira, por exemplo, gravou um tema seu chamado “Cantar para Ti”, que você gravou agora para este CD. De que versão gosta mais?Gosto da dela mas, para ser honesto, gosto mais da minha (risos). Acho que a versão dela caiu nas mãos de um produtor com pouca sensibilidade para aquela canção. Eu, como compositor da canção, gosto mais da minha versão.O José Cid também gravou uma canção sua “Mais um Dia” (Genérico - Novela Meu Amor da TVI)...Fiz essa canção em 2003. Estava a regressar de um espectáculo com os Alémmar e parámos na Quinta dele, em Mogofores, perto da Anadia. Ele tem lá um estúdio à antiga, acho que só ele é que sabe trabalhar com aqueles equipamentos todos. Gravei a canção e deixei-a lá. Em 2009 ele liga-me a perguntar se eu não me importava que ele a gravasse. Eu disse-lhe que sim, até porque já tinha feito uma segunda versão da canção que é o “Poeta Solitário”. E então? Gosta mais da versão dele ou da sua?Também gosto mais da minha (risos)Já percebi...é melhor mudar de assunto...O Rui Veloso deu há pouco tempo uma entrevista em que disse que a música é para todos mas nem todos são para a música. Concordo com ele. Neste momento o mercado da música em Portugal está muito estranho. Não se percebe. Há uma área, ligeira, popular que está carregada de pseudo-artistas. Basta terem duas bailarinas de mini-saia a mostrar as pernas e são logo artistas, independentemente do que cantam. O conteúdo não interessa. Neste momento a mediocridade substituiu a qualidade e isto está a ter um efeito bola de neve. Leva tudo à frente. Se isto não for controlado e não houver algum bom senso nunca mais saímos desta espiral de mau gosto. Como se sente no meio desse turbilhão?Sinto que tenho que manter o meu nível. Que tenho uma responsabilidade a nível de um certo nível de qualidade.“Já tenho registadas mais de trezentas canções”Quantas canções já compôs?Mais de trezentas registadas mas não tenho noção exacta. Abandono muitas...passado uma semana ou duas abandono-as...já não têm piada. Mas há algumas que me surpreendem. Quando o artista começa a olhar para as contas para pagar vai a todas ou opta por manter-se na sua e morrer de fome se for preciso?Tem que haver um equilíbrio. Temos que saber dizer que não a certas coisas. Temos que trabalhar mas temos a nossa dignidade. Essa é a minha postura. Com quanto tempo de antecedência faz o alinhamento de um espectáculo?Sinceramente, não tenho alinhamentos para espectáculos. Chego, vejo, sinto e a partir daí construo uma realidade momentânea. Por isso os meus espectáculos são sempre diferentes. Gosto de sentir a energia das pessoas que estão à minha frente e de a fazer desenvolver-se de uma forma positiva. A internet lixou a vida dos artistas? Pergunta complicada. O principal benefício é a promoção ser global mas que interesse posso ter eu em saber que tenho ouvintes na China se não tenho distribuição na China? E a música na internet é uma coisa não material, favorece a pirataria. Um CD é algo material, palpável. Na internet é imaterial.Não vende na internet?Vendi álbuns para uma plataforma digital. É uma forma de pirataria. Nunca me dão informação actualizada e verdadeira.O que é um CD para si? Grava um CD para vender cópias ou para vender espectáculos?Sempre ganhei mais através de direitos autorais e não de espectáculos. A produtora compra-me os direitos para editar e é assim que funciona. É evidente que também promovo o meu trabalho para vender espectáculos mas o principal são os direitos autorais. Para o ano estou a pensar editar um “Best-of”. Um best-of? Isso não é para artistas com longos anos de carreira e já sem pinga de inspiração? (Risos) Eu não tenho uma carreira muito longa mas a brincar a brincar já lá vão mais de vinte anos. Tenho imensas canções para guardar. É evidente que quero compor e fazer coisas novas.Percebo. Um Best-of dá jeito a quem vive da venda de direitos autorais. Além disso cada CD tem duas ou três músicas fortes e se estiverem todas juntas...calculo que daqui a cem anos, se ainda conseguir subir a um palco, lhe vão pedir para cantar o “Deixa-me olhar”, por exemplo, que foi um grande sucesso no tempo dos Alémmar.Depois dessa houve muitas outras. Neste momento estamos a trabalhar o “Coração Rebelde” e o “Tal Como Tu”. Antes tinha sido o “Poeta Solitário” que também teve bastante destaque.Salta da cama a meio da noite para ir desenvolver uma ideia mesmo quando está acompanhado?Já tive esse problema. É complicado. Pode estragar uma relação (risos). Mas como as regras sou eu que as faço... Não tenho horários pré-definidos. Trabalho à noite. Às duas ou às três da manhã é quando consigo compor melhor... poesia, principalmente. Não é fácil para ninguém viver comigo. Também é rebelde ao nível das paixões?Sou rebelde mas procuro o amor. Tenho esperança de encontrar aquele amor ...mas estou constantemente à procura. É essa ilusão de querer encontrar que me move. Sou romântico. A mulher é uma das minhas fontes de inspiração, tal como o mar, a portugalidade e a nostalgia do Império. Tudo o que Portugal foi. Não canta poemas de outros poetas porque os seus são melhores?(Risos) Sou um autor de canções. Estou mais à vontade com os meus poemas. Mas posso dizer-lhe que compus catorze canções com textos do Fernando Pessoa. Um dia poderei editá-las. Comercialmente não deve ser interessante mas didacticamente sim. O Fernando Pessoa pediu em vida para aqueles poemas serem musicados. Isso está esclarecido. É muito interessante.Vivemos num país livre?Eu sinto-me livre. Sou uma proposta de liberdade num país onde há muita gente que vive uma liberdade controlada. Graças a Deus, tive uns pais que sempre me educaram para ser livre. Para pensar pela minha cabeça e para perceber que a liberdade custou muito a ganhar. Mas por vezes sinto-me preso na minha liberdade. Sinto-me preso numa sociedade que está condicionada a certos valores e conceitos. Sociedade hipócrita que promove o materialismo e a ambição e vaidade desmedidas e sem valores.“Quero ser livre e selvagem e diferente”A primeira canção do novo CD de Nuno Barroso chama-se “Tal como Tu” e tem tudo para ser um grande sucesso. É irreverente, tem bom gosto e fica no ouvido à primeira. Mas é injusto resumir o trabalho do cantor e autor de canções com forte ligação a Riachos, a um único tema. De “Coração Rebelde”, a segunda canção, até à última, “Nas Asas do Amor” que já tinha sido gravada em 2011 com os Aguarela, há um fio contínuo de qualidade a nível de composição, de conteúdo poético que é justo reconhecer mesmo que umas canções possam ser melhores que outras, como é normal. E os músicos são todos de qualidade e com muitos anos de trabalho, como explica o cantor. “Bruno Soares é um saxofonista do Porto, muito bom. O Luís Sá Pessoa, violoncelista, é professor do Conservatório de Lisboa e tem participado em muitas gravações tanto como músico como fazendo os arranjos. O disco tem também a participação do Tiago Oliveira, fundador dos Pólo Norte que ultimamente tem acompanhado o Mestre da guitarra portuguesa, António Chaínho, Frederico Gato, baixista da Dulce Pontes, Ricardo Parreira, músico de guitarra portuguesa que toca com a Mariza. O Carlos Lopes, acordeonista...enfim, são todos músicos de elite”.Sete, sete, desvendei...1 - EmigrarJá estive a viver em Espanha, Alemanha, Inglaterra. Sou capaz mas sofro muito. Prefiro estar no nosso Portugal que é, tal como as mulheres por quem me apaixono, um porto de abrigo.2 - Língua portuguesaJá escrevi e gravei canções em inglês, castelhano e francês. Ainda agora compus uma em francês mas prefiro o português. 3 - AngústiasTenho muito mais alegrias que angústias.4 - Falsos amigosJá tive alguns mas é andar para a frente. Não sou de rancores.5 - FilhosGosto de crianças mas ainda não senti necessidade de ter um filho e por outro lado ainda não encontrei a tal mulher que procuro.6 - EsperançaQue remédio temos nós se não ter esperança.7 - InstrumentoO meu instrumento é o piano. Toco guitarra, baixo, bateria mas a voz e o piano são os meus instrumentos preferidos. “Quando vou para o Ribatejo...”Sou natural de Oeiras, estudei em Carcavelos, Cascais, Londres. Ao Ribatejo ia muitas vezes aos fins de semana. Adoro Riachos e a casa do meu pai (cantor Pedro Barroso). Gosto dos Cavalos e da Lezíria. Metade de mim é da Linha, por parte da minha mãe. Sou um betinho da Linha de Cascais. A outra metade é do meu pai. Sou meio ribatejano. Os Alémmar nasceram e tinham o seu quartel general em Riachos. Também lá joguei futebol. Até campeão distrital fui pelo Riachense. Joguei no Estoril, no Belenenses, no Riachense e na Ericeira onde agora vivo (Freguesia da Carvoeira). Foram os meus clubes. Era avançado. Fui o melhor marcador dois anos seguidos no nacional e vice-campeão de Lisboa por duas vezes, nas camadas jovens. Joguei até aos 17, depois voltei a jogar aos 24 no Riachense. Fomos campeões e subimos à terceira nacional.

Mais Notícias

    A carregar...