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O pescador da Póvoa de Santa Iria que já perdeu a conta aos muitos que salvou do Tejo

O pescador da Póvoa de Santa Iria que já perdeu a conta aos muitos que salvou do Tejo

António José Silva é um apaixonado pela incerteza da pesca e tem no rio uma paixão

Pele queimada pelo sol, voz grossa e sorriso largo, António Silva é um rosto conhecido das comunidades avieiras de Vila Franca de Xira e Póvoa de Santa Iria.

António José Silva passa a vida dentro de água a ganhar o seu sustento com a pesca e a salvar gente que se deixa trair pelo Tejo. Já perdeu a conta ao número de pessoas que salvou. O avieiro, dos mais conhecidos da Póvoa de Santa Iria, onde vive, e Vila Franca de Xira, tem uma paixão que é o rio. É ele que lhe dá paz e liberdade. É a ele que se confessa. O pescador lembra o dia em que um homem em Alhandra levou a mulher a dar uma volta pelo rio, meteu-a no barco e empurrou-o um pouco para longe do cais. A corrente levou a embarcação para longe e o homem ficou dentro de água sem forças para alcançar a embarcação. “Ia a passar quando o vi, estava já a dar a última braçada porque quando o agarrei já ele estava debaixo de água”, conta.A vida dura da pesca e a experiência ensinou-o a lidar com as águas do Tejo. São muitas as histórias de salvamento e António José Silva conta outras. Uma vez andou toda a noite a procurar um homem que se perdera no meio do rio. Há pouco tempo foi um dos que acudiu ao homem que ficou com o carro à beira de cair ao rio, na Póvoa de Santa Iria. Atirar-se ao rio para salvar as pessoas não o leva a sentir-se herói. António tem-lhe imenso respeito. Sabe que o mínimo descuido pode ser fatal. Quando tinha pouco mais de nove anos viu a morte perto quando os irmãos caíram do barco em que viajava com o pai. Salvaram-se por milagre.António José Silva, 51 anos, começou a pescar pouco depois dos 18 anos e nunca mais se viu a fazer outra coisa. “Enquanto estamos no rio somos donos de tudo. Isto é viciante e é uma adrenalina. O trabalho é monótono, o meu tipo de vida não é”, conta a O MIRANTE. Filho de avieiros, nasceu em Vila Franca de Xira, no antigo esteiro do Nogueira. Nasceu tão roxo que a parteira pensou que estava morto. “Mastigou folhas de louro e alho antes de me fazer respiração boca a boca e foi assim que me acordou”, recorda. O avieiro sabe se a maré está a encher ou a vazar a qualquer hora do dia olhando para a direcção em que apontam as proas dos barcos que estão ancorados no rio. Se a proa estiver voltada para norte, então a maré está a vazar. A partir da Póvoa de Santa Iria a água do rio já começa a ser salgada o suficiente para permitir a pesca de robalo e corvina. António levanta-se todos os dias por volta das 5h00 para pescar. Prefere fazê-lo ao nascer do Sol. Não tem nenhum ritual antes de embarcar porque diz que tem fé “à sua maneira”. Lamenta que a tradição se esteja a perder. “Há 60 anos os casamentos faziam-se apenas entre avieiros. Hoje em dia isso vai-se diluindo. Deixou de ser uma obrigação social. Muitos dos nossos filhos optaram por outras carreiras”, diz. A agravar a situação está a própria condição do rio, que está a ganhar bastante lodo. “Daqui a uns anos o mouchão da Póvoa estará unido à margem, hoje em dia tenho marés que não consigo passar ali”, nota. Há pouco tempo foi surpreendido e partiu uma hélice junto a Lisboa quando reparou que já não dava para navegar. “Está a ficar tudo seco, é um fenómeno que não sei explicar”, lamenta. Diz que por cada robalo que apanha e vende na lota um quarto do seu valor vai para o Estado em impostos. Critica o facto de pagar gasolina ao mesmo preço que os turistas. Elogia a requalificação da zona ribeirinha da cidade mas lamenta que as gerações mais velhas da Póvoa ainda vejam a comunidade avieira como invasora daquele território. António José Silva é também presidente da assembleia-geral da Associação Cultural dos Avieiros da Póvoa de Santa Iria. Não gosta de políticos mas vota sempre. Diz que um dia que lhe faltem as forças para pescar morrerá. Mas morrerá feliz.
O pescador da Póvoa de Santa Iria que já perdeu a conta aos muitos que salvou do Tejo

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