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Um fadista que em vez de revolucionar o fado nos recorda o que o fado sempre foi

António Pelarigo dia 23 de Outubro no Convento de S. Francisco em Santarém

Nasceu à beira Tejo, nas Caneiras, em Santarém, filho de pescadores e toda a vida foi fadista amador. Aos 61 anos, ganha espaço nas televisões, rádios e jornais porque em vez de querer revolucionar o fado gravou um disco para mostrar como o fado sempre foi e sempre será.

Na noite de 23 de Outubro, quinta-feira, sobe ao palco montado no Convento de S. Francisco, em Santarém, um fadista chamado António Pelarigo. Escreve-se fadista para não haver confusões. É que cantores de fado há muitos por aí. Fadistas é que não são tantos como isso. Nasceu nas Caneiras, na borda d’água, filho de um casal de pescadores. As poucas vezes que foi à pesca foi em criança com os pais. Depois cresceu, fez-se homem e fez de tudo um pouco para ganhar a vida, menos pescar que é coisa que não sabe fazer como confessa com um sorriso. Foi caixeiro viajante, trabalhador rural, serralheiro, pequeno empresário da construção civil. Toda a vida cantou fado nos locais onde sempre se cantou o fado. Em tabernas, casas de fado, clubes, convívios de amigos. Aos 61 anos aparece nos jornais, revistas e televisões como fadista, graças a um disco produzido pela Acid Records de José Cid.Há escritores famosos que rejeitam livros que escreveram enquanto jovens. António Pelarigo não rejeita o seu passado de fadista amador, nem o CD que gravou a solo há 19 anos ou outras gravações para colectâneas de fado, mas se há momentos importantes na sua vida, este é um deles. Doze temas inéditos, entre fados e fados musicados ou fados canção, uma produção cuidada, uma promoção “de se lhe tirar o chapéu”. “O José Cid, que eu conheço há mais de trinta anos e com quem me tenho cruzado mais nos últimos dez, desafiou-me e eu agarrei a oportunidade. Sempre fiz do fado uma segunda opção mas sempre mantive a ligação ao fado. Este disco é especial. Eu até já pensava que nunca mais iria gravar”, disse a O MIRANTE.Foram duas semanas de ensaios e de gravações. O disco, que tem o nome do cantor, abre com o fado canção “Quem me Quiser”. Um poema de Rosa Lobato Faria musicado por José Cid, que tem servido de cartão de visita. O cantor, compositor e produtor musicou metade dos temas. Os músicos que participaram nas gravações foram escolhidos entre os melhores. José Manuel Neto, Custódio Castelo, Bruno Mira na guitarra portuguesa, Pedro Pinhal e Carlos Velez na viola de fado, Amadeu Magalhães e Fernando Maia na viola baixo, Chico Cardoso na bateria e o próprio José Cid no acordeão.Há um tema escrito por Paulo de Carvalho chamado “Sou da Noite”. Três poemas de Maria Luísa Baptista, uma poetisa do Cartaxo. A “Mulher Arado” de Vítor Rodrigues, de Santarém e uma pincelada monárquica do mesmo autor chamada “Bandeira Azul e Branca”. De João Ferreira Rosa, um outro amigo de António Pelarigo que vai ser, juntamente com José Cid, convidado do espectáculo de Santarém, ficou gravado “Das Saudades Tenho Medo”. Há também um poema de Maria Manuel Cid (poetisa da Chamusca, já falecida), “Verdes Campos Verde Vida” num fado de Fernando Pinto Coelho e “Senhora da Paz”, um fado composto pelo cantor, já lá vão trinta anos, que nunca tinha sido cantado em público (ver caixa). As fotos do álbum são do fotógrafo Carlos Lima, de Riachos. O disco foi gravado e masterizado em sistema totalmente analógico no estúdio que José Cid tem em Mogofores, que tem feito as delícias de muitos músicos que por lá passam. Quem dá importância às questões do som não pode deixar de ouvir o CD de ouvidos bem abertos.A voz de António Pelarigo tem um timbre fora do vulgar. E tudo o que canta se percebe da primeira à última sílaba de cada palavra. O seu disco não veio revolucionar o fado. Nem tem a pretensão de inovar. Vem mostrar como é o fado cantado por quem é fado da cabeça aos pés. Ele diz que a sua voz está melhor agora que há trinta anos e é fácil perceber porquê mesmo sem ir ouvir gravações antigas. É uma voz madura, tranquila, de quem já viveu muito e muito aprendeu. E é uma voz que tem fado.“É verdade que a minha voz está melhor agora porque já não fumo nem faço noitadas mas acho que não canto melhor que antes. Independentemente da música ser melhor ou pior o fado vem de dentro de nós. Somos nós que pomos mais fado ou menos fado na música e no poema. Isto do cantar bem ou mal nasce com a pessoa. É o povo que o diz e eu acho que tem razão”, afirma.“Sempre fiz tudo para ser o melhor homem do mundo”“Senhora da paz vem longe/E há tanta guerra na terra/Senhora da paz vem longe/E os nossos filhos à espera”António Pelarigo compôs um fado há 30 anos. Letra e música. Diz que nunca o tinha cantado em público para ninguém pensar que ele tinha a mania que era poeta ou compositor. “Cantava-o em casa ao pé da minha mulher e dos meus filhos, Pedro, Sérgio e Nuno, e eles sempre gostaram muito mas nunca o tinha cantado em público porque não queria que alguém dissesse que eu me andava a armar em poeta ou músico”, explica.Há ano e meio, num dos vários convívios que promove na casa que era dos seus pais nas Caneiras, cantou o fado em público a pedido do filho do meio, Sérgio Pelarigo, acompanhado à viola por Carlos Velez. “Aquilo foi gravado com um telemóvel e quando estávamos a preparar o disco a minha mulher mostrou a gravação ao Zé Perdigão. Ele gostou, o Zé Cid também e foi decidido incluí-lo no CD”, conta.Depois acrescenta. “Vou-lhe contar um episódio muito giro. Passados três ou quatro dias, o Zé Cid foi cantar à televisão e levou-me com ele para cantar um fado e disse-me para cantar aquele. E a estreia deste fado foi num programa de televisão e cantei em directo porque nem sequer estava gravado. Tive sorte, correu bem...não me enganei”.Perguntamos-lhe se é um homem de paz. “Normalmente sou uma pessoa calma mas também há alturas que tenho pêlo na venta mas posso dizer-lhe que toda a minha vida fiz tudo para ser o melhor homem do mundo”, afiança.

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