“A ginástica é uma escola de vida”
O presidente da Associação de Ginástica do Distrito de Santarém, explica o segredo do sucesso dos ginastas ribatejanos na disciplina de trampolins. Estabilidade e valia de técnicos e dirigentes e o empenho, competência e sentido de responsabilidade dos praticantes constituem a receita que já deu três atletas olímpicos à região. E espera-se que os feitos não fiquem por aí. Há 28 anos no cargo, Vítor Varejão foi distinguido recentemente pela Federação Portuguesa de Ginástica com o Prémio Carreira.
Qual é o segredo para o sucesso da ginástica ribatejana, que já teve atletas olímpicos, campeões mundiais e múltiplos campeões nacionais? O segredo é muito simples. Temos a sorte de haver ginastas muito dedicados à modalidade, que requer muitas horas de treino, e temos tido também a felicidade de no distrito de Santarém estarem aqueles que, do meu ponto de vista, são os melhores treinadores do país. As boas capacidades dos nossos ginastas são potenciadas pelos altos conhecimentos dos treinadores.É um feliz acaso ou há aí um trabalho de base? Alguns destes treinadores começaram quando ainda eram ginastas e aproveitaram o facto da Associação de Ginástica do Distrito de Santarém ter um trabalho único no país ao nível de selecções distritais. Tínhamos as selecções distritais masculinas e femininas - principalmente ao nível dos trampolins que eram o nosso forte e continuam a ser - e a partir dessa base começámos a participar em competições a nível internacional, a ver como os outros faziam.Os trampolins são o forte da ginástica na região. As outras disciplinas da ginástica estão esquecidas, não há interesse por elas? Não. À associação cabe-lhe a função de amplificar o mais possível os desejos dos clubes e de corresponder aos mesmos. Nessa circunstância, não nos cabe muito tentar desenvolver novas disciplinas gímnicas quando os clubes não têm apetência para esse desenvolvimento.Mas poderia haver alguma sensibilização da vossa parte nesse sentido. Ou é complicado arranjar espaços e aparelhos? Para algumas disciplinas gímnicas é complicado tanto arranjar espaços como aparelhos, que são caros. Mas recordo que tentámos introduzir a ginástica rítmica desportiva no distrito, com pólos em Samora Correia e Tomar, com uma ginasta que tinha sido olímpica, a Clara Piçarra. Os clubes de início até aderiram, mas a verdade é que dentro dos próprios clubes já havia outras disciplinas, nomeadamente os trampolins e a ginástica acrobática, e foi uma questão de tempo até esmorecer a intenção de praticar novas disciplinas. Aquelas que já estavam mais cimentadas foram as que se mantiveram.Pode dizer-se que o distrito de Santarém é o grande viveiro da disciplina de trampolins a nível nacional? Não só dos trampolins. Na ginástica acrobática, temos pólos muito específicos quer em Tomar quer no concelho de Benavente e provavelmente o melhor ginasta de acrobática do país começou os seus passos em Samora Correia. E ao nível dos trampolins, os melhores ginastas do país ainda hoje são os três oriundos do distrito de Santarém. O Nuno Merino de Tomar, que hoje é treinador nos Estados Unidos, a Ana Rente de Tomar, que está a concluir o curso de medicina, e o Diogo Ganchinho de Santo Estêvão. São os únicos ginastas portugueses que participaram em Jogos Olímpicos.E há uma nova geração a despontar… Há aí mais alguns, como a Ana Gomes, campeã do mundo de trampolim sincronizado, a Rita Baptista, que ficou em quinto lugar no campeonato do mundo de trampolim individual, que é modalidade olímpica, as gémeas Robalo, o Bruno Nobre e mais alguns. Esta é que é a grande vantagem: há muitos ginastas que vão passando, mas o facto de o corpo técnico e as direcções se manterem nos clubes dá garantias que a evolução é feita de forma consolidada.Há condições para voltarmos a ter ginastas da região nos Jogos Olímpicos? O Diogo Ganchinho está no programa. Continua a treinar e temos esperanças que no campeonato do mundo que antecede os Jogos Olímpicos - onde se faz a selecção por ordem de classificação - ele a consiga. A Ana Rente teve uma lesão complicada na época passada mas já está a saltar novamente e irá tentar também o apuramento. Mas devo dizer que, na minha opinião, se o Diogo Ganchinho irá ter menos concorrência, a Ana Rente irá ter seguramente a concorrência nessa altura quer da Ana Gomes quer da Rita Baptista. No campeonato do mundo tudo pode acontecer.Tem sido fácil para os clubes captar atletas para a modalidade ou a concorrência de outros desportos, como o futebol, dificultam as coisas? Felizmente ainda há na sociedade portuguesa a ideia de que as crianças e jovens devem passar pela ginástica. E é uma tradição correcta. Porque a ginástica, a partir dos três anos, é uma disciplina sem qualquer teor competitivo e que visa apenas proporcionar competências motoras. Não há uma demasiada futebolização do desporto ao nível da juventude? Há. Mas na ginástica da região até temos este mérito, e penso que é único no país, de termos um clube, o Clube de Futebol Estevense, em que foi a ginástica que acabou com o futebol.Os clubes conseguem viver sem os apoios das autarquias? É praticamente impossível, embora haja excepções. Há clubes que têm 100 anos, que sobreviveram às maiores crises e que continuarão sempre a sobreviver. Mas os clubes de uma maneira geral não têm instalações desportivas. E quando se fala de subsídios de uma autarquia não se pode falar só de dinheiro, mas também das condições que são dadas, como a utilização de um espaço, a água e electricidade que se gastam, a limpeza e a manutenção dos recintos. Isso é muito importante para os clubes que trabalham em instalações municipais.Que panorâmica é que traça das condições de treino dos ginastas nesta região? Com a introdução das melhorias no pavilhão onde treinam os trampolins de Salvaterra penso que, de uma maneira geral, as condições são boas. De que forma se reflectiu a crise na prática da modalidade? A crise fez com que alguns ginastas nos clubes deixassem de ter possibilidade de pagar a sua mensalidade. O que não é sinónimo de que deixassem de praticar, porque os clubes assumiram esse ónus. Há esse espírito solidário na ginástica do distrito.Ao fim de quase 28 anos à frente da Associação de Ginástica do Distrito de Santarém o que é que ainda o faz correr? Eu adoro a ginástica. Muitas vezes digo que estou cansado e que talvez fosse tempo de dar o lugar a alguém mais novo. Mas o que me faz correr é chegar aos treinos e aos campeonatos e ver os miúdos a fazer coisas novas. Ver a evolução deles de um ano para o outro, ver a alegria contagiante quando conseguem concluir um exercício com sucesso. E o facto de toda a família estar ligada à ginástica também ajuda muito.O que é que a ginástica mudou na sua vida? A ginástica deu-me várias coisas. Aumentou a minha auto-estima, ajudou-me a ser um indivíduo mais ponderado, a antecipar o stress, a olhar para os problemas com calma. E acima de tudo moldou o meu carácter e a minha personalidade para muito melhor. A ginástica é amizade, é solidariedade, é verdade. Tive também a sorte de ter tido como primeiro treinador o professor Luís Arrais, que era um técnico muito exigente e que me ajudou muito nessa matéria.Há 28 anos à frente da ginástica no distrito de SantarémEm Janeiro de 2015 cumprem-se 28 anos desde que Vítor Varejão, 51 anos, assumiu a presidência da Associação de Ginástica do Distrito de Santarém, uma entidade com 13 clubes filiados e 816 inscritos que ajudou a fundar em 1983 e que já deu atletas olímpicos ao país. O objectivo é atingir os mil praticantes no final do próximo ano. A sua dedicação à causa foi alvo de reconhecimento recente pela Federação Portuguesa de Ginástica, que o distinguiu com o Prémio Carreira.A ligação de Vítor Varejão à ginástica começou como atleta, mas já tardiamente, na Académica de Santarém, emblema pelo qual competiu apenas como sénior. Diz com humor que embora não fosse um craque ficava sempre no pódio devido à escassez de concorrência. Numa prova foi mesmo o único competidor nesse escalão. Obviamente ganhou. Posteriormente tirou os cursos de treinador e de juiz, tendo obtido nesta última actividade o estatuto de internacional. Como treinador passou pela Académica de Santarém, Casa do Benfica de Santarém, União de Santarém, GimnoClube de Santarém (clube que ajudou a fundar), União da Chamusca, Futebol Clube Goleganense e Centro Social Interparoquial da Golegã.Vítor Varejão nasceu na Praia do Ribatejo, concelho de Vila Nova da Barquinha, em 26 de Fevereiro de 1963, mas reside em Santarém desde os dois anos de idade. No desporto começou pelo ténis de mesa e pelo andebol antes de chegar à ginástica. Benfiquista “ferrenho” - “lá em casa é tudo do Benfica” - diz que gosta de ver qualquer desporto desde que seja bem praticado.Na família a ginástica é transversal a todos os elementos com excepção do filho mais novo, José Pedro, que ainda não experimentou a sério o saltitante mundo dos trampolins. A esposa Ana é juiz internacional, treinadora e directora técnica da associação; a filha mais velha, Joana, foi praticante até entrar para a faculdade; e a filha do meio, Maria, andou nos trampolins e actualmente pratica basquetebol.Vítor Varejão diz que o facto de a mulher estar ligada a esse mundo facilita as coisas. Também destaca o relacionamento cordial que existe entre todos os clubes. Quando lhe perguntamos se pensa ser presidente vitalício da Associação de Ginástica do Distrito de Santarém, responde que tem mandato até 2017 e que depois logo se vê.Actualmente Victor Varejão encontra-se desempregado, sendo um dos atingidos pela vaga de despedimentos registada aquando da reestruturação da empresa municipal Viver Santarém, em meados deste ano. Reconhece que não foi uma situação fácil mas refere que essa circunstância está a ser aproveitada para terminar a licenciatura em Gestão de Recursos Humanos e para dar mais tempo à associação.Militante do PSD há muitos anos, integrou durante cinco anos a equipa de apoio a Francisco Moita Flores quando este desempenhou o cargo de presidente da Câmara Municipal de Santarém. Foi assessor, secretário e adjunto, desempenhando também as funções de chefe de gabinete quando esse cargo ficou vazio. Antes disso foi administrador não executivo da empresa municipal Scalabisport (que deu lugar à Viver Santarém) durante cinco anos e meio.
Mais Notícias
A carregar...