Os desafios do emparcelamento exigem uma Caixa Agrícola da Chamusca renovada
Agricultores querem tratar do seu financiamento junto de profissionais que os conhecem
O projecto de emparcelamento de Azinhaga, Golegã e Riachos vai avançar e pode seguir-se o do Pinheiro Grande e Carregueira. São milhões de euros de investimento em novas estradas, furos, rede eléctrica e aquisição de terrenos. O presidente da Agromais, Luís Vasconcellos e Souza, deseja que tudo corra bem para benefício dos produtores e da região e não hesita em exigir outra postura da Caixa Agrícola da Chamusca que, em processos anteriores de renovação da agricultura já teve um papel fundamental.
Ao fim de oito anos tudo indica que o Projecto de Emparcelamento Rural Integrado de Azinhaga, Golegã e Riachos vai finalmente ser concretizado. O do Pinheiro Grande e da Carregueira ainda fica a aguardar. O que determinou esta opção? Os montantes de investimento eram mais ou menos os mesmos mas na margem norte (Azinhaga, Golegã e Riachos) emparcelava-se mais do dobro da área que na margem sul (Pinheiro Grande e Carregueira). Daí a opção do Estado em termos de prioridade. É um processo que envolve cerca de 800 agricultores e uma área na ordem dos 4.500 hectares. Como é que começou um processo destes e porque parou? Primeiro o Estado começou por declarar as zonas como sujeitas a um processo de emparcelamento. Isso tem para os agricultores uma vantagem imediata que é a isenção do IMT. Depois houve que definir os agricultores que queriam continuar e as zonas onde queriam ficar, normalmente onde já têm parcelas. É um processo complexo. Demora muito tempo porque exige muita negociação. As parcelas são classificadas em função da qualidade da terra, depois fazem-se aglomerados de terras. Têm que se deixar áreas para infra-estruturas comuns... Quando o processo estava pronto tivemos a infelicidade de ter um Ministro da Agricultura, Jaime Silva (2005-2009) que, com o argumento de não acreditar no emparcelamento, o pôs na gaveta, de onde só saiu em 2014.A actual paisagem daquela zona vai ser profundamente alterada. Vão ser feitas novas estradas, algumas das actuais, como é natural, vão desaparecer, vão ter que ser abertos novos furos de captação de água, vão ser construídas novas redes eléctricas.Já não há dúvidas que vai avançar? Nós do nosso lado não temos dúvidas. Da parte do ministério também penso que não existem, desde que haja apoio comunitário uma vez que se trata de um processo na ordem dos vários milhões de euros. Já houve reuniões e vão realizar-se mais a partir do início do ano. É de esperar que isto se faça. Há pessoas que continuam a achar que o projecto faz todo o sentido apesar de ter havido muitos cépticos ao longo do processo. Isto foi um acto de Fé. Este projecto já tem, no mínimo, doze anos. Quanto tempo é que pode demorar a concretização? Eu gostaria de fazer tudo num ano mas não sei se vamos ser capazes.Provavelmente há muitas pessoas que ainda não perceberam o alcance de um projecto assim. Este projecto é sobretudo importante para os produtores na medida em que aumenta a eficiência e baixa em muito os custos de exploração. As pessoas ficam com parcelas maiores em número significativamente mais reduzido. O número de prédios passa para menos de metade e a área de cada prédio passa a ser mais do dobro. As pessoas vão ter menos necessidade de transporte, gestão física deslocada, tomadas de água, baixadas eléctricas. Para o agricultor vai ser bom e vai abrir grandes oportunidades de negócio ou de aquisição de terras para quem queira crescer uma vez que esta reformulação física das parcelas vai permitir novos enquadramentos do proprietários.Nos últimos dois ou três anos criou-se a ideia que a agricultura é o futuro e que devemos ir todos para o sector agrícola. Que é fácil ir para agricultor e ter sucesso. É assim? Não. Não é assim tão fácil. Esse entusiasmo é cíclico e há uma coisa que já percebemos. Os jovens que vão para a agricultura sem ter um património terra, têm muito menos probabilidades de sucesso do que os que já têm esse património, seja próprio ou através de família. Quem vai para a terra sem estar enquadrado tem taxas de sucesso relativamente baixas.Quem não tem tradição familiar nem ligação à terra é melhor não se meter à aventura? É importante que as pessoas, antes de tomarem a opção de ir para a terra, vejam o que é que isso representa. Há valores óptimos como a liberdade, a disponibilidade de tempo... mas depois há questões bastante problemáticas como intempéries, abaixamento de preços de mercado, recusa de recepção de produtos por parte dos compradores...isto não é um mar de rosas mas também é um sítio onde a vida mostrou que quem trabalha mais, normalmente tem bastante mais sucesso que os outros. Seria bom que todos os que decidem vir tenham muitas qualidades de trabalho. Este é daqueles sectores em que há uma correspondência mais directa entre a capacidade de trabalho e o sucesso. Que oportunidades há aqui na região? A floresta é um sector com grandes possibilidades. Queria chamar a atenção para isso. Estamos numa zona em que temos umas condições de produção muito boas, quer para a parte agrícola, quer para a parte florestal. É uma zona com organizações capazes como a Agrotejo/Agromais, Agromais Plus e a Achar (Associação de Agricultores de Charneca) e temos duas Caixas de Crédito Agrícola. Temos praticamente tudo para ter sucesso. Mas vamos ter que integrar as organizações para ganharmos massa crítica e para conseguirmos ter profissionais a sério a gerir essas organizações. Para isso é preciso que algumas pessoas percebam que os poleiros de microfone não são as coisas mais importantes da vida. As pessoas, a bem das organizações devem facilitar a vida ao desenvolvimento e integração das organizações. O emparcelamento“O emparcelamento é importante para os produtores na medida em que aumenta a eficiência e baixa em muito os custos de exploração. As pessoas ficam com parcelas maiores em número significativamente mais reduzido. O número de prédios passa para menos de metade e a área de cada prédio passa a ser mais do dobro.” A actividade agrícola “Os jovens que vão para a agricultura sem ter um património terra, têm muito menos probabilidades de sucesso do que os que já têm esse património, seja próprio ou através de família. Quem vai para a terra sem estar enquadrado tem taxas de sucesso relativamente baixas.”E a caixa agrícola“Perante esta situação do emparcelamento era muito importante a Caixa da Chamusca mudar de paradigma e aproveitar a capacidade dos quadros, dos trabalhadores que tem, para voltar a ser aquilo que já foi (...) Há uma coisa que vai ter que mudar. A partir deste ano não fará muito sentido que o senhor Vasco Cid continue à frente da Caixa Agrícola da Chamusca”.“Precisamos da Caixa Agrícola da Chamusca com uma direcção que perceba o mercado”A concretização de um projecto de emparcelamento como o de Azinhaga, Golegã e Riachos só pode ter sucesso se os agricultores se puderem financiar. As Caixas agrícolas ainda são os bancos dos agricultores ou isso já não existe? Existe mas em graus diferentes. Há Caixas Agrícolas verdadeiramente agrícolas. Há Caixas Agrícolas menos agrícolas e há caixas agrícolas que passaram a ser caixas imobiliárias...Aqui na zona? Aqui temos dois tipos de Caixas de Crédito Agrícola. A Caixa do Ribatejo Norte, que teve uma base agrícola e que depois fez alguns negócios de outra ordem mas que tem uma forte base agrícola, continua no mercado e continua a alargar o seu leque de clientes e temos uma Caixa de Crédito da Chamusca que optou por ficar de fora do sistema integrado e fazer uma gestão mais apertada o que pode não ter sido errado mas que acabou por ter uma actividade bancária menor e viu a sua carteira de clientes diminuir.Não se pode contar com ela? Há uma coisa que era importante as Caixas Agrícolas não esquecerem. É que no fundo são uma cooperativa. Por isso é que têm um tratamento especial do ponto de vista financeiro junto ao Banco de Portugal e portanto a sua razão de ser é no sentido de ajudarem os seus sócios, essencialmente os seus sócios, a conseguirem prosseguir a sua actividade. Esse é o lema pelo qual todas as Caixas se deviam reger e na prática vê-se que há umas que se regem mais que outras. A Caixa Agrícola da Chamusca está em condições de responder às necessidades dos seus clientes/associados, por exemplo, nesta situação que se avizinha de grandes investimentos relacionados com o emparcelamento? O que acho que não faz sentido é, perante uma oportunidade como essa, haver Caixas que estão numa posição em que já não conseguem ser aquilo que os seus sócios gostavam que elas fossem. Se têm menos operações activas o que quer dizer na prática é que os seus clientes/sócios acreditam menos na instituição ou têm piores condições na sua instituição do que têm noutras.Está a advogar uma mudança? A que nível? A Caixa Agrícola da Chamusca foi gerida de uma forma especial que, numa primeira fase, levou à não entrada no sistema integrado. Ficou, de certa maneira, fora do sistema. Foi uma má opção? Do ponto de vista financeiro, numa primeira fase, se calhar foi bom, mesmo para os interesses dos cooperantes. Numa segunda fase o ajustamento à realidade não foi feito da maneira mais adequada. Houve perda de actividade bancária e deixou de prestar um bom serviço aos seus clientes/associados. É isso que vemos. Na prática as pessoas sentiram que, a partir de determinada altura as condições de crédito eram piores que as da banca comercial e migraram.Quem ficou a ganhar com essa migração? A Caixa deu uma grande ajuda às pessoas nos anos 80 e 90. Depois a partir de certa altura, nomeadamente de 2000, a Caixa começou a perder gás. Admito que não podia ter a mesma postura que tinha tido até aí, mas o que não há dúvida é que a fatia de crédito da Caixa da Chamusca acabou por ser comida pelos bancos. As entidades bancárias desta zona cresceram muito à custa do decréscimo da Caixa da Chamusca. Nessa medida parece-me que do ponto de vista profissional, financeiro, a Caixa da Chamusca foi quem perdeu quota de mercado.O que deve ser feito? Perante esta situação do emparcelamento era muito importante a Caixa da Chamusca mudar de paradigma e aproveitar a capacidade dos quadros, dos trabalhadores que tem, para voltar a ser aquilo que já foi. A Caixa tem um conjunto de trabalhadores que, apesar de tudo, se mantiveram motivados e que talvez ainda se possam motivar mais se houver um projecto de futuro, no sentido de desenvolver a actividade da Caixa. Na sua opinião o que tem que mudar? Há uma coisa que vai ter que mudar. O presidente da direcção, atingiu o limite de idade. A partir deste ano não fará muito sentido continuar à frente da Caixa. Fez muita coisa bem feita para a Caixa e é importante reconhecer isso mas a partir do momento em que os ventos de mudança começaram a soprar a Caixa perdeu algumas oportunidades que teria sido importante aproveitar. Atendendo à circunstância da mudança que agora temos pela frente acho que é altura de mudar a direcção.Que tipo de direcção é necessária? Tem que ser uma direcção que perceba melhor o mercado. E que consiga dar melhores condições para que o negócio se desenvolva. Um ajustamento tem que ser feito. E esse ajustamento levará à entrada de novas pessoas e de novas mentalidades. Qual o papel dos funcionários? Para a mudança muito contribuirá a capacidade de mobilização dos empregados da Caixa. Eles sim, serão as pessoas que porventura terão um risco maior nisto tudo. A Caixa da Chamusca acabou por se transformar numa caixa de aforro que vive de diferenças de spread entre aquilo que dá aos depositantes e a massa monetária que coloca em outros bancos. Com as taxas de juro muito baixas, como é o caso actual, é preciso levar muito caro para conseguir pagar os encargos fixos e variáveis que tem. A Caixa da Chamusca não tem margem para continuar a aplicar dinheiro em bancos e a pagar a estrutura que tem. Como faz pouca actividade bancária, o spread da colocação noutros bancos é pequeno, não tem margem bancária suficiente, do meu ponto de vista, para conseguir continuar a ter cerca de 30 empregados. Ou o negócio muda ou vai ser difícil, com uma taxa activa tão baixa, conseguir ter disponibilidade para assegurar o pagamento dos custos que tem.
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