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“A vida é uma passagem e o importante é vivê-la da melhor maneira”

“A vida é uma passagem e o importante é vivê-la da melhor maneira”

João Paulo Nunes, 49 anos, sócio-gerente da funerária Serrano & Nunes do Sobralinho

Cresceu em Vila Franca de Xira num tempo de quase ruralidade. Começou a trabalhar aos 13 anos para ajudar a família. Nos tempos livres gosta de se livrar da gravata e caminhar. Não acredita na vida depois da morte e diz que devemos viver todos os dias com intensidade. Confessa que se irrita facilmente e que gosta de ter tudo organizado e arrumado.

Como estive na Marinha durante 27 anos gosto muito de navios. Gosto de coleccionar revistas sobre esse tema e ver documentários sobre navios e batalhas navais. Faço bricolage nos tempos livres apesar de ter pouco tempo livre. Quando posso gosto de passear o meu animal de estimação, uma cadelinha, à beira do Tejo. Dá-me gozo tirar a gravata, vestir uma roupa simples e ir para um sítio onde possa andar sem destino e à vontade, apreciando o que me rodeia. Quando posso gosto de ver um bom filme de forma sossegada. Os filmes de que gosto mais são dramas, daqueles que fazem chorar. O filme que mais me tocou até hoje e que vi bastantes vezes é “Cidade dos Anjos”, com o Nicolas Cage. Não acredito na vida depois da morte. Não há vida nenhuma depois da morte. Temos é de viver bem e o melhor que podermos cada dia que passamos nesta terra e mentalizarmo-nos de que isto é só uma passagem. Não adianta estar com conflitos e a querer amealhar dinheiro de forma soberba porque vamos embora e fica cá tudo. Estamos nove meses para nascer mas para morrer basta um segundo. Sou natural de Queluz mas vim para o Bom Retiro, em Vila Franca de Xira, quando tinha dois anos. Vim com o meu pai quando ele começou a trabalhar na Previdente do Sobralinho. Crescer em Vila Franca de Xira foi óptimo, sempre com o Tejo ao lado, dei muitos mergulhos no rio. Foi uma boa infância. Antigamente a cidade era só campo e poucas casas tinha. Entrei para a metalúrgica Mevil aos 13 anos como ajudante de serralheiro civil. O meu pai tinha morrido e tive de começar a trabalhar para ajudar a família. Acabei por sair da empresa quando aquilo faliu. Ainda hoje me devem dinheiro de vários ordenados e faço parte do grupo de trabalhadores que espera ainda por uma decisão do tribunal para reaver esses créditos. As pessoas dizem que a vida hoje está complicada mas esteve bem pior nos anos 80. Naquele tempo havia muito desemprego mas as pessoas saiam de uns trabalhos e metiam-se noutros. O que havia era muita precariedade e pouca estabilidade. Foi isso que me levou para a Marinha. Na fábrica ganhava 15 contos (75 euros) - quando os recebia - e na Marinha passei a ganhar logo 27 contos (110 euros). Era uma grande diferença naquele tempo. Dos 27 anos que estive na Marinha metade passei-os embarcado. Estive em muitos locais, incluindo Madeira, Açores, Caminha e Algarve. Era uma vida dura, sempre às voltas de um lado para o outro. Um problema de saúde atirou-me para a reserva. O que mais me agradou em todo aquele tempo foi conduzir um género de cacilheiro, que chamávamos de lança e que levava até 400 pessoas a bordo. Fazia a ligação da doca da Marinha no Terreiro no Paço à base do Alfeite e dali para o Montijo, onde era base da Força Aérea Portuguesa. Hoje em dia esse serviço já não existe. Nunca encalhei nenhum navio mas retirei muitos pescadores do mar e dos rios com as lanchas rápidas. Alguns deles infelizmente já falecidos. Gente que ia agarrada às artes das pescas e morria afogada. No Algarve retirei muitos praticantes de pesca desportiva e submarina. Gente que entrava nas grutas e cavidades das rochas atrás do peixe e que depois ficava presa. Deve ser uma aflição tremenda morrer afogado.Nunca me passou pela cabeça trabalhar numa funerária. Foi o meu sócio que me desafiou. Na altura eu nem entrava em cemitérios. Hoje em dia já lido mais ou menos bem com isto. Sou uma pessoa com sentimentos, como todas as outras, mas já consigo separar as águas e tratar dos assuntos com profissionalismo. Mas quer eu queira, quer não, transporto sempre comigo este trabalho. O mais difícil é fazer o funeral de uma criança. Durmo bem mas enervo-me e chateio-me facilmente no dia a dia. Sou uma pessoa que gosta de ter as coisas certinhas, as contas em dia, as instalações limpas e arrumadas. Ser transparente é fundamental. Precisamos de profissionalismo e proximidade com as pessoas. Quando alguém vem ter connosco vem porque nos conhece, porque antes da pessoa precisar provavelmente já conviveu connosco na rua ou num café. Isto não é um negócio para estar aqui sentado à espera. Todos os dias almoçamos num sítio diferente, compro o peixe na peixeira e a carne no talhante. . Gosto de falar com as pessoas que me rodeiam.Filipe Matias
“A vida é uma passagem e o importante é vivê-la da melhor maneira”

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