Um sapateiro à moda antiga às portas de Lisboa
Há quase 30 anos que João Fernandes conserta sapatos na Póvoa de Santa Iria. Com pouco mais de meio século de idade, diz que chegou ao ofício por acaso mas já não se vê a fazer outra coisa na vida, porque trabalha exactamente no que gosta e à moda antiga.
João Fernandes, 51 anos, é o mais tradicional sapateiro da Póvoa de Santa Iria. Enveredou por aquela que se viria a tornar na profissão de uma vida com apenas 22 anos, mas diz que foi por um acaso do destino e já lá vão 29 anos. “Quando fui para a tropa decidi tirar a carta de ligeiros e pesados a pensar dedicar-me à profissão de camionista caso não conseguisse arranjar outro emprego. No entanto, um familiar deu-me a opção de vir para estas instalações, na Rua 5 de Outubro, exercer a profissão de sapateiro e aqui me mantenho até hoje”, explicou a O MIRANTE.Afirma que o negócio já teve melhores dias, mas até ao momento não se arrepende, nem por um minuto, de ter mantido sempre a porta aberta. “Sempre tentei fazer preços justos, ao contrário de outros profissionais do ramo, mas é a minha maneira de ser, porque nunca quis ir ao bolso dos clientes injustamente”, enalteceu o sapateiro. Por exemplo, arranjar umas solas pode ficar entre 10 e 18 euros, dependendo sempre do tipo de calçado em questão.Antigamente o que mais fazia era colocar meias solas, ou até solas completas, mas agora refere que esse tipo de trabalho quase não aparece porque as pessoas têm mais sapatos, mesmo que de qualidade inferior, e apenas querem é trocar as capas, que se desgastam com maior rapidez. O trabalho que sempre menos gostou de fazer foi colocar contrafortes, mas garante que agora isso quase não se faz. “Há 20 anos apareciam muitos trabalhos desses e chegava a cá tê-los mais de 15 dias porque era uma coisa que fazia por frete”, mencionou perante alguns sorrisos. Clientes cada vez mais exigentesActualmente nem sempre é fácil corresponder aos pedidos dos clientes porque a maioria dos sapatos “não presta” e o seu conserto, muitas das vezes, não compensa. “Há pessoas que aparecem com sapatos do chinês e acham que o sapateiro consegue fazer milagres mas não é assim, porque certos arranjos não compensam quando falamos de sapatos que foram baratos”, referiu. As pessoas nem sempre lidam bem com isso, mas garante que são as necessidades que levam a que se tente arranjar um par de sapatos até ao limite. “Está a aparecer frequentemente calçado que já estava arrumado há anos no armário e devido à difícil situação económica em que vivemos as pessoas têm necessidade de recorrer novamente a esses sapatos, mesmo estando ou não fora de moda. Esses é que são dos bons, porque eram quase sempre feitos em pele verdadeira”, afirma.João Fernandes sempre tentou acompanhar a evolução da sua profissão, embora ainda faça praticamente tudo à mão, à excepção do coser, porque fazê-lo à mão “já não se usa”. Actualmente oferece mais no seu estabelecimento do que o arranjo de sapatos. Faz chaves, muda fechaduras e, sempre que necessário, procede à abertura de portas. “Desloco-me a casa das pessoas para efectuar esses serviços, mas tento que seja sobretudo aos sábados à tarde para não ter a porta fechada durante a semana”, esclareceu.A continuação do negócio não está garantida por parte da descendência, mas afirma que a filha Patrícia, de 17 anos, que estuda na área das artes, já fez dois pares de ténis para si, com a ajuda do pai. “Ela já chegou a ter a ideia de podermos fazer sapatos. Eu executava e ela desenhava-os, mas depressa lhe passou, porque disse-lhe que para isso é preciso ter máquinas apropriadas, que não tenho condições para ter. E, muito francamente, mesmo que tivesse não queria. Enquanto tiver trabalho para reparar não me quero dedicar à confecção”, garantiu João Fernandes.O sapateiro espera continuar a manter o seu trabalho à maneira tradicional até à idade da reforma, mas acredita que mesmo depois dela não deixará de arranjar sapatos. Para terminar, garante que o sapateiro é quase como o farmacêutico: um conselheiro e bom ouvinte.
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