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“Nunca é tarde para estudar nem para mudar de profissão”

“Nunca é tarde para estudar nem para mudar de profissão”

Délio da Silva Pereira, presidente da Freguesia de Cartaxo e Vale da Pinta

Teve uma infância humilde mas não foi por isso que desistiu de lutar por uma vida melhor. Foi servente, carteiro, montou telefones e foi camionista. Nos tempos livres enquanto os colegas jogavam às cartas estudou direito e concluiu a licenciatura, tornando-se advogado. Politicamente começou pelo Partido Comunista que diz ter abandonado depois de ver as condições de vida a ex-Checoslováquia. Viu muito mundo quando era camionista mas agora, aos 53 anos, confessa que não tem vontade de sair da sua terra e que raramente viaja

Fui filiado no Partido Comunista Português mas afastei-me da política depois de visitar a Ex-Checoslováquia em 1986. Vi com os meus olhos que aquilo que me contavam em Portugal era mentira. O socialismo, assente na fraternidade, solidariedade, igualdade e liberdade, era só na teoria. Estive vinte anos afastado da política. Regressei a convite do anterior presidente da Junta de Freguesia do Cartaxo. Passo algumas horas aqui na junta embora goste mais de andar por fora a ver o que é preciso resolver. Sou uma pessoa de trabalho que não tem medo de sujar as mãos. Seriedade e honestidade são princípios que não são só para a política mas para toda a nossa vida e devem estar sempre patentes. A minha preocupação é regularizar o passivo que herdámos, sanear as contas da freguesia e colocar-nos o mais possível ao dispor da comunidade. Vejo este cargo mais como uma missão do que como projecto político. É fundamental perceber as dificuldades das pessoas e as suas necessidades. Não interessa desenvolver muito uma freguesia se tivermos um concelho pobre. O desenvolvimento tem que ser harmonioso e abranger todo o território. É importante cada presidente de junta trabalhar em prol da sua freguesia mas sempre com os olhos no resto do concelho. Pode parecer estranho mas sinto-me muito bem a trabalhar e retiro daí um grande prazer. Também tenho os meus momentos ligados ao associativismo. Desde 1982 que estou ligado às várias entidades da freguesia. Aos fins-de-semana gosto de ir às iniciativas das colectividades. Sou um apaixonado por fado. Também gosto muito de ler mas só o consigo fazer aos sábados que é quando tenho mais tempo livre. Só oiço música quando vou de carro e oiço de tudo um pouco. Já estive um mês no Japão quando fiz uma digressão com o rancho do Cartaxo, numa comitiva com o Rão Kyao. Já estive na Índia, Tailândia, Ex-Checoslováquia, França e Itália. Hoje em dia não me apetece viajar mais. Sinto que estou a ficar velho, muito enraizado ao Cartaxo, até prejudico a família por causa disso. A minha mulher tem família em Espanha e às vezes até gostava de ir e acabo por não ter grande vontade. E como na vida profissional de camionista fiz dois milhões de quilómetros pelas estradas de Portugal, hoje não me apetece sair daqui. Venho de famílias muito humildes do Reguengo de Valada, a freguesia mais a sul do concelho. A minha mãe é de famílias avieiras, nasceu numa barraca junto ao Tejo e o meu pai era filho de camponeses. A minha terra era uma freguesia com grandes dificuldades porque a maioria dos terrenos eram das grandes casas agrícolas e eram elas que decidiam dar, ou não, emprego a quem ali vivia. Às vezes no inverno, quando as cheias invadiam os campos, havia pessoas sem trabalhar durante três ou quatro meses. Comecei a trabalhar com 17 anos apesar de ser bom aluno na escola primária e secundária. Quando andava no Liceu Sá da Bandeira em Santarém percebi que os meus pais sentiam dificuldades em conseguir pagar-me os estudos. Eles tinham um projecto de vida que era construir uma casa própria e eu achei que eles tinham direito a cumprir esse sonho. Não me senti no direito de lhes roubar esse sonho em troca de continuar a estudar. Nunca é tarde para estudar nem para mudar de profissão. Na sequência de um divórcio reiniciei os estudos com 33 anos e só parei quando acabei a licenciatura em direito. Fiz o estágio na Ordem dos Advogados e é essa a profissão que exerço paralelamente ao meu projecto político. Tirei a licenciatura em direito em regime pós-laboral e sempre ao volante do camião. Entrei na faculdade aos 37 anos. Passava os tempos de espera das cargas e descargas a estudar, enquanto os meus colegas jogavam às cartas e à bola. Eles não acreditavam que eu ia conseguir. Nem mesmo a minha família. Fui servente na construção civil, carteiro, montei telefones na antiga CTT-TLP e ainda trabalhei na agricultura. Depois comprei uma microempresa de transportes. Cheguei a ter dois camiões a transportar materiais de construção e rações.
“Nunca é tarde para estudar nem para mudar de profissão”

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