Um toureiro de casa cheia com 80 anos
José Júlio foi homenageado em Vila Franca de Xira no dia em que fez 80 anos. Uma casa cheia a lembrar as praças que se enchiam no tempo em que toureava nas arenas de todo o mundo.
“Uma verdadeira lenda viva” foi como o toureiro José Júlio foi apelidado por Luís Capucha, professor, sociólogo e amante da arte de tourear, durante a sessão de homenagem por ocasião dos seus 80 anos, promovida no dia do seu aniversário, a 31 de Janeiro, pela Junta de Freguesia de Vila Franca de Xira.Nascido há 80 anos, foram muitos os que compareceram e aplaudiram de pé, por diversas vezes, aquele que foi o primeiro matador de toiros português e que brilhou tanto nas praças de Portugal como nas de Espanha. “Tivemos a sorte deste homem ser vilafranquense, uma terra que fica com essa lenda, uma lenda que irá durar para sempre”, enalteceu emocionado Luís Capucha.Após um regresso ao passado tanto em vídeo como em palavras, o sociólogo opinou que “contam-se pelos dedos as pessoas a quem Vila Franca de Xira deva tanto como a José Júlio, porque fez o nome da sua terra ir mais longe. Vila Franca e José Júlio são a mesma coisa”. No entanto, lamentou que para ser reconhecido tivesse que triunfar primeiro em Espanha. “José Júlio não foi apenas um matador de touros, mas um verdadeiro defensor da sua arte, assim como continua a ser, na tentativa de conseguir que em Portugal venha a ser permitido matar o touro na arena”, disse.João Mascarenhas, comentador tauromáquico, vê em José Júlio uma referência na arte de tourear e aproveitou a presença de dois vereadores para deixar a dica que este artista “deveria ver, ainda em vida, uma estátua nas ruas da cidade, como o primeiro matador de toiros português e de Vila Franca de Xira”. Para João Mascarenhas José Júlio sempre foi “um homem com H grande” e frisou que “muitos matadores de toiros nasceram depois de José Júlio mas é ele que continua a vingar como uma referência e uma lenda”.José Júlio, emocionado e agradecido pela homenagem, começou por dizer: “Fui toureiro de casas cheias e continuo a sê-lo”, a ver o auditório da Junta de Freguesia de Vila Franca de Xira tão cheio, com pessoas sentadas pelas escadas e outras tantas de pé. E pediu aos vereadores para intervirem na publicação de um livro, já escrito por si, onde conta as suas memórias. “Gostava de ver esse livro publicado”, confessou.Após partilhar algumas estórias de vida com a plateia, enalteceu o papel importante que os irmãos, presentes na homenagem, tiveram na sua vida e o facto de o sobrinho ter seguido a arte de tourear e os sobrinhos e netos assim o pretenderem.O matador de toiros afirmou que este foi “um mundo louco” em que se meteu, mas muito bem pago, apesar da elevada factura. Demonstrou o prazer que teve em tourear ao lado dos mais ilustres nomes do toureio nacional e internacional e disse que sempre teve muito prazer em voltar a Vila Franca, porque sempre teve uma alma e espírito vila-franquense mesmo nos muitos anos que viveu em Espanha. “Sou mais do que um toureiro que matou e cortou orelhas a touros. Sou sobretudo um grande vila-franquense”, afirmou.À margemOs verdadeiros bairristas A festa dos 80 anos de vida de José Júlio foi pública porque uma das suas amigas e admiradoras, Maria Edite, lhe prometeu que não se ia esquecer de avisar a tempo e horas os poderes políticos da terra. A vida é assim: os políticos, neste caso o executivo da Junta de Freguesia de VFX, têm sempre a ganhar quando os seus munícipes são pessoas boas e solidárias; mais ainda quando alguns deles, como é o caso de José Júlio, merecem o elogio público e o bolo de aniversário pago com o dinheiro dos contribuintes.Aos romanos o que é de RomaJoão Mascarenhas estava incumbido de falar de uma coisa e falou de outra bem diferente. A meio das suas divagações disse que o toureiro José Júlio tinha ido viver para Sevilha para que Vila Franca de Xira pudesse ser reconhecida como a Sevilha portuguesa. A ideia pode ser poética mas fora da literatura é um disparate. José Júlio foi viver para Sevilha porque era lá que podia colher os louros do seu génio de toureiro pisando e comendo o pó de uma das praças de toiros mais importantes do mundo. O resto é cantiga. E continuar a dizer que Vila Franca de Xira é a Sevilha portuguesa só aumenta a nossa imagem de tolos aos olhos dos espanhóis.A tia Inocência RedolJosé Júlio aproveitou o ambiente de festa para recordar quem o levou para a Golegã para a escola de toureio Patrício Cecílio e contribuiu para que ele chegasse onde chegou (Alves Redol e o Senhor seu pai). Entre essas pessoas importantes estava também a tia Inocência que era muito religiosa mas frequentadora da igreja evangélica (o culto de Deus não incluiu o culto das imagens).Quando o toureiro foi para Saragoça, onde ganhou o direito a entrar nas grandes arenas do mundo, todas as manhãs sentia necessidade de procurar lugares de culto para rezar. “Aquilo não era para rapazes. Eram toiros de verdade. Sempre que entrava numa igreja lembrava-me da tia Inocência que me levava para a igreja evangélica e fez de mim um evangélico. Será que estou a pecar”, perguntava-me.Com esta confissão o toureiro provocou o riso na plateia mas o caso não era para rir. “Às vezes ando aí nas ruas da cidade vivendo a minha solidão e, para ser sincero, acho que agora as homenagens já não têm sentido. Mas sei que tenho que ficar agradecido a quem se lembra de mim. E não podemos deixar que a história se apague, que esta terra não mereça os seus melhores toureiros. Eu sempre fui toureiro de casa cheia e continuo a sê-lo”.“João Palha, outro dos homens importantes na minha vida, encomendou-me à virgem da Amargura e obrigou-me a sair fardado na procissão pelas ruas de Sevilha. Para se ser toureiro é preciso ser Nazareno. Saber viver a Semana Santa”, disse, depois de fazer votos para que o seu livro de memórias possa ser editado com ele ainda vivo.
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