Das pistas onde bateu recordes a director técnico do atletismo do Sporting
Mário Aníbal reside no concelho de Vila Franca de Xira há 17 anos e abraçou recentemente um novo desafio
O ainda detentor dos recordes nacionais de decatlo e heptatlo, Mário Aníbal, é o novo director técnico do atletismo do Sporting Clube de Portugal. Diz que a maioria das pessoas não imagina o trabalho que dá preparar um atleta olímpico e lamenta que Alverca não tenha uma pista de atletismo. Começou a sua carreira na Chamusca, vila onde viveu 18 anos e que visita com frequência.
O atletismo é a única modalidade portuguesa com campeões olímpicos mas isso “sabe a pouco” e continua a fazer falta uma estrutura e uma política desportiva nacional que seja favorável à formação de atletas olímpicos. A opinião é do ex-atleta olímpico Mário Aníbal, 42 anos, que nasceu para o desporto na Chamusca e que é, ainda hoje, o detentor dos recordes nacionais de decatlo e heptatlo. Actualmente vive em São João dos Montes, concelho de Vila Franca de Xira, e em Fevereiro foi anunciado como novo director técnico do atletismo do Sporting Clube de Portugal.“Todos desejávamos ter mais campeões olímpicos, a questão é que as pessoas não imaginam o que é necessário para construir um campeão olímpico. Não quer dizer que o trabalho feito não tenha sido bom, cada vez temos melhorado mais nas políticas aplicadas para o desporto, mas é preciso perceber se isso é suficiente para termos mais campeões olímpicos. Acho que é preciso fazer mais qualquer coisa”, refere.Mário Aníbal regista que o atletismo “nunca saiu de moda” mas avisa que é “fundamental” explorar de forma mais inteligente a escola e, sobretudo, o desporto escolar. “Se quisermos campeões olímpicos não podemos esperar por eles aos 17 ou 18 anos. Isso é um disparate, são poucos os casos do mundo em que alguém se tornou campeão olímpico a aparecer no desporto aos 19 anos. Temos de atacar o mais cedo possível, a partir dos 8 ou 9 anos e começar a formar atletas. Enquanto não tivermos um programa desportivo bem elaborado não vamos conseguir”, defende.O profissionalismo é fundamental na sua vida e o ex-atleta do Benfica diz que não é por estar hoje no Sporting que o seu nível de empenho é maior ou menor que noutra instituição. “O nível de profissionalismo deve ser sempre elevadíssimo, quer seja no Sporting ou num clube de bairro. Ou fazemos as coisas bem ou não fazemos. A responsabilidade é que é naturalmente maior”, explica a O MIRANTE. Para Mário Aníbal, trabalhar com Carlos Lopes no Sporting é “uma honra”, por ter sido alguém que, através de muito trabalho e empenho, conseguiu trazer grandes glórias para o desporto nacional. “O Carlos tem uma experiência desportiva enorme, é uma pessoa com quem só a falar já vamos aprendendo. Foi um atleta olímpico com um currículo enorme. O Carlos teve de desbravar muito caminho, lutar contra muita gente, para chegar ao nível a que chegou. E é essa experiência que é bom partilhar com ele”, regista.Mário Aníbal é agora responsável técnico por uma modalidade com 300 atletas no clube, alguns deles olímpicos, como Sara Moreira e Rui Silva. O facto de já ter sido atleta facilita a relação e a compreensão do que os atletas estão a passar. “Não puxo as orelhas a ninguém. Também não gostava que me provocassem ou dessem reprimendas. Muito mais que puxar as orelhas tenho de os aconselhar, explicar e fazer ver as coisas. Ter uma atitude pedagógica é fundamental”, nota. Mário está a preparar a próxima época, juntamente com os responsáveis pelo atletismo do Sporting. Tem a responsabilidade de coordenar a modalidade, analisar o calendário desportivo, decidir que atletas ficam e quais são dispensados, bem como a responsabilidade de contratar novos atletas.Tumor pôs-lhe fim à carreira nas pistasMário Aníbal nasceu em Angola e veio aos 8 anos viver para a Chamusca, onde esteve até aos 26 anos, altura em que foi para Lisboa vestir as cores do Benfica. Uma das disciplinas em que competia - o decatlo - é considerada a modalidade máxima dos jogos, composta por 10 provas disputadas em dois dias: 100 metros, salto em comprimento, lançamento do peso, salto em altura, 400 metros, 110 metros barreiras, lançamento do disco, salto à vara, lançamento do dardo e 1500 metros. Terminou a carreira de forma abrupta, depois dos jogos olímpicos de Sydney em 2000, por causa de um tumor benigno no colo do fémur. Ficou curado e ainda pode correr em lazer mas não numa vertente competitiva. Os dois anos a seguir ao abandono da competição, recorda, foram os mais difíceis de aguentar.“Não costumo ir à gaveta das medalhas. Parece que foi ontem que abandonei a competição. A lesão surgiu numa altura em que me estava a aproximar do meu auge e a ver-me a aproximar do pódio. Estava a caminhar para, em Atenas ou Pequim, poder ter um grande resultado e talvez chegar ao pódio”, conta.Em 2000 fez mínimos para os jogos olímpicos e foi 12º em Sydney. Em 2001 fez mínimos para os campeonatos do mundo e foi 12º. Em 2002 no campeonato da europa foi 5º. Numa altura em que um pódio nos jogos olímpicos rondava os 8500 pontos, os recordes pessoais de Mário Aníbal já somavam 8555 pontos. Até hoje ninguém bateu os seus números e são poucos os que apostam no decatlo.“Fiquei um bocado triste quando a lesão apareceu e custou-me. Estive dois anos a fazer o luto, custou-me imenso”, desabafa a O MIRANTE.Uma carreira de vitóriasMário Aníbal Sampaio nasceu a 25 de Março de 1972 em Nova Sintra, Angola, tendo vindo morar para a Chamusca quando tinha oito anos. Começou a praticar atletismo aos 12 anos na vila ribatejana mas só quatro anos depois começou a dar nas vistas, tendo ganho uma prova de salto em altura. Em 1988 foi batendo recordes nacionais do salto em altura em todos os escalões. Como tinha jeito para outras especialidades passou a competir também no decatlo. Em 1990 foi representar o Benfica juntamente com o treinador, José Dias. Foi nessa altura que conheceu a mulher e foi morar para a Bobadela. Mais tarde mudou-se para Alverca e, depois, para São João dos Montes. Sagrou-se em 1990 campeão nacional de decatlo, título que conquistou por mais cinco vezes até se retirar da competição. Actualmente diz que o novo desafio profissional lhe rouba todo o tempo disponível. Gosta de estar com a família e confessa que não tem medo das tarefas domésticas. É também comentador do canal Eurosport nas provas de atletismo.Chamusca continua “a mesma de sempre”Mário Aníbal viveu boa parte da sua infância na Chamusca e é nessa vila ribatejana que ainda tem bastantes familiares e amigos. Diz que continua a mesma terra de sempre, “bonita, simpática e de pessoas simpáticas”, onde a única coisa que falta são os jovens. “A falta de jovens faz com que a terra pare um bocado no tempo. Mas acho que está bem como está. É uma vila em que se entra e as ruas estão limpas, as coisas estão cuidadas. Não me dava tanto prazer ir à Chamusca se sentisse ali a confusão do trânsito que sinto em Lisboa. Ir à Chamusca é parar o carro em qualquer lado e não precisar de o trancar, é conversar com as pessoas à porta. Assim como está continua a ser uma vila extremamente simpática”, refere. Confessa que não gosta de touradas apesar de respeitar os aficionados. Há vários anos que deixou de ir à Ascensão porque a tradição das festas se alterou nos últimos anos. Alverca esqueceu-se de uma pista de atletismoPara Mário Aníbal viver em São João dos Montes é “espectacular” pelo sossego que tem. Vive com a companheira e tem uma filha de 15 anos que é o seu orgulho. Gosta de fazer as compras em Alverca, cidade onde chegou a morar e a ter um ginásio, do qual desistiu. Diz que a cidade tem grandes superfícies em demasia que matam o comércio tradicional. “Prefiro e defendo o comércio tradicional. Gosto imenso de ir a uma frutaria, o atendimento é diferente e a fruta não está empacotada. Gosto de ir à peixaria e ao talho, escolher o pedaço que quero”, nota.O ex-atleta diz que o concelho cresceu muito nas últimas décadas e que se notam melhorias sobretudo ao nível das infra-estruturas, mas há uma que continua a faltar. “Alverca já podia ter uma pista de atletismo. Nem era preciso uma pista de milhares de euros, podia ter 200 metros. Um espaço simples, sintético, onde se pudesse desenvolver a modalidade. Em Alverca vejo muita gente a correr na estrada e não há uma única estrutura de apoio. A pista mais próxima que existe é a do União Povoense”, critica. Diz que algumas iniciativas desportivas que se realizam no concelho - como a Corrida das Lezírias - são úteis para promover a prática desportiva, mas deixa um alerta. “Se apresentarmos o atletismo como forma de corrida para um adulto tudo bem. Para um jovem deve ter-se cuidado porque apresentando o atletismo como forma de corrida é a maneira mais rápida de os afastar, porque há sofrimento e cansaço. É preciso apresentar aos jovens o atletismo como um desporto estimulante, com saltos, lançamentos ou estafetas. Só a correr é o mesmo que estar a afastá-los. Não nos podemos esquecer das disciplinas técnicas”, vinca.
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