“Moita Flores era como os eucaliptos, secava tudo à volta”
O presidente da Câmara de Santarém, Ricardo Gonçalves, reconhece, nesta segunda parte da grande entrevista que deu a O MIRANTE, que foi difícil conviver durante seis anos com Moita Flores, revelando que esteve várias vezes para bater com a porta. Assume as divergências actuais com a estrutura local do PSD, dizendo que os seus responsáveis não digeriram bem a sua vitória nas últimas autárquicas.
NOTA PRÉVIA: O MIRANTE optou por dividir a entrevista ao presidente da Câmara Municipal de Santarém em duas partes, publicadas em edições distintas. A primeira parte, publicada na edição de 12 de Março, abordou matérias relacionadas com a gestão autárquica, enquanto esta segunda parte foca-se mais em questões políticas e partidárias.Em Julho de 2014 disse que iria processar o seu antecessor na câmara, Moita Flores, por difamação, na sequência de uma troca de palavras tendo como pano de fundo obras feitas sem concurso no antigo quartel da Cavalaria. Concretizou essa intenção? O anterior presidente da Câmara de Santarém disse uma série de coisas que, no meu entender, não se passaram dessa forma. É público e notório que nunca nos demos muito bem. Tivemos uma convivência muito distante.Isso não transpareceu até determinada altura, até tendo em conta que o senhor foi escolhido para número dois dele no anterior mandato? Fui número dois mas nunca fui vice-presidente do dr. Moita Flores...Mas substituía-o quando estava ausente. Era uma questão institucional, substituía-o por ser o número dois da lista. Chegou a processá-lo por difamação ou não? Ainda não. Mas há uma série de matérias que ainda não têm o tempo de maturação suficiente para que essa atitude possa ou não ser tomada. Surpreenderam-no aquelas insinuações e considerações que Moita Flores fez acerca da sua pessoa? Não me surpreenderam, mas não tenho especial prazer em falar do dr. Moita Flores. Moita Flores foi um erro de casting para Santarém? Penso que de início pode ter tido importância nalgumas matérias. Mas muito do que de bom se fez em Santarém foi responsabilidade de uma equipa e não só do dr. Moita Flores. Claro que ele era o rosto, mas era também um pouco como o eucalipto, que vai secando tudo à volta. O senhor trabalhou com ele cerca de seis anos. Foi difícil o convívio durante esse tempo? Foi. No primeiro mandato falávamos frequentemente, mas no segundo mandato já não falávamos assim tantas vezes. E vim a saber depois que havia reuniões feitas com a presença de todos os vereadores à excepção da minha pessoa.Sentiu-se menosprezado por essa situação? Senti-me sempre do lado da defesa de Santarém. E se muitas vezes o dr. Moita Flores não gostava das posições do Ricardo Gonçalves era porque eu pensava sempre primeiro em Santarém e não na minha imagem. Sempre disse o que pensava sobre uma série de matérias e se calhar isso contribuiu para prejudicar a nossa relação.Nunca pensou em bater com a porta, como fez o seu companheiro de partido Ramiro Matos, então vice-presidente da câmara? Algumas vezes pensei em fazê-lo. E porque não o fez? Se fizesse isso poderia ser prejudicial a prazo. Tinha uma responsabilidade muito grande que era o trabalho com as juntas de freguesia. Senti algumas vezes o impulso de bater com a porta, mas senti o apoio de muita gente que ficaria sem um elo de ligação ao município se eu saísse.“Houve gente no PSD que tentou minimizar a minha vitória” Não incluiu na sua lista nenhum vereador do mandato anterior, mas escolheu para chefe de gabinete Catarina Maia, que era a vereadora das finanças de Moita Flores. Qual foi a razão? Precisava de alguém que conhecesse a gestão municipal e a dra. Catarina Maia tinha dois pelouros importantes, as áreas jurídica e financeira. Meter alguém novo, até que se adaptasse aos dossiês, seria complicado. Tínhamos entrado em saneamento financeiro, estávamos no PAEL, tínhamos uma série de processos jurídicos e a pessoa que tinha acompanhado essas áreas nos últimos quatro anos era a dra. Catarina Maia. Além disso é uma pessoa em quem confio. E porquê essa renovação profunda da lista do PSD? Achei que devia refrescar a lista.E com isso acabou por dividir o partido. O presidente da concelhia e da distrital do PSD. Nuno Serra, sugeriu, em comunicado, que o senhor é presidente de câmara graças a Moita Flores. Como reage a essa opinião? Em 2013, nas sondagens, a taxa de rejeição do dr. Moita Flores junto do eleitorado era enorme. A imagem dele desgastou-se e caiu muito. Veja-se a hecatombe que houve nas últimas eleições autárquicas para o PSD e o presidente da Câmara de Santarém, Ricardo Gonçalves, conseguiu manter uma capital de distrito para o PSD. Mas isso nunca quiseram associar ao presidente Ricardo e à sua equipa.Acha que o seu partido quis retirar-lhe esse mérito? Sinceramente, acho que sim. Todas as outras foram grandes vitórias e parece que só a de Santarém é que não foi, porque era fácil e qualquer um ganhava. Então por que é que o PS apostou tanto cá? Voltando atrás. Como reage quando o líder local e distrital do seu partido diz que o senhor é presidente da câmara graças ao dr. Moita Flores? Como já disse, fui eleito para cuidar de Santarém, não fui eleito para cuidar da minha carreira política. Se calhar sou de um PSD mais terra a terra, que esteve na génese do partido. Sá Carneiro dizia que o PSD não era um partido de elites mas sim um partido de homens bons. E essa é a grande diferença entre mim e algumas pessoas que estão hoje à frente do PSD. Tentaram minimizar a vitória da minha equipa, mas espero com a ajuda dos escalabitanos reerguer Santarém, que já hoje é o maior concelho do Ribatejo e Alentejo. Esta é uma afirmação que temos que fazer.Qual é a oposição mais complicada para si neste momento, a que tem dentro do seu partido ou a que existe na câmara e na assembleia municipal? Sempre ouvi dizer que os mares calmos não fazem bons marinheiros. O mar mais turbulento faz-nos estar sempre alerta e mais desperto para resolver os problemas. E isso obriga-me a trabalhar muito mais e a não me desviar do objectivo, que é Santarém. Tenho a confiança dos escalabitanos e de muita gente do PSD. O presidente da Câmara de Santarém é uma voz no distrito e será sempre uma voz audível. Se isso incomoda algumas pessoas, se calhar é porque não estão seguras com o trabalho que estão a fazer, mas isso já não é problema meu.Revê-se na actual concelhia do PSD? Tem confiança política no seu líder? Estive para ser candidato à comissão política concelhia, mas houve pessoas que me aconselharam a não concorrer para não causar fracturas no partido. Se calhar hoje arrependo-me de não ter ido a votos, porque afinal as fracturas apareceram na mesma.Tem confiança política na concelhia do PSD? Eu respondo de outra maneira. Acho que a concelhia de Santarém do PSD não devia ser confundida com a comissão política distrital do PSD. A responsabilidade das concelhias é estarem próximas dos problemas dos cidadãos do seu concelho.Tem condições para continuar a trabalhar com o presidente da concelhia do seu partido, Nuno Serra, depois da troca de “mimos” que dirigiram um ao outro nos últimos tempos? O presidente da Câmara de Santarém põe sempre os interesses do concelho em primeiro lugar e nesse sentido está sempre disponível para ultrapassar as divergências que possam existir. Estou habituado a que me critiquem, o que não aceito é que muitas vezes isso não seja feito em prol dos interesses do concelho e das suas pessoas.Então que interesses estarão por detrás dessas posições? Estamos a entrar numa altura complicada, com a proximidade de eleições legislativas que trazem uma série de escolhas que por vezes tornam as pessoas mais sensíveis. Espero que isso seja ultrapassado.A propósito disso, por que razão disse que não aceitava que a ministra Assunção Cristas fosse cabeça de lista por Santarém numa eventual coligação entre PSD e CDS nas próximas legislativas? Por que é que defendemos partidos livres e depois não podemos dizer o que pensamos e somos criticados? Não foi uma posição extemporânea porque a negociação de nomes já está a ser feita no país inteiro. As eleições são daqui a 7 meses. Isto não tem nada a ver com a ministra Assunção Cristas, que é das pessoas mais competentes do Governo. Mas em Santarém, pelos resultados eleitorais dos últimos anos, não me parece razoável ter um cabeça de lista do CDS. Esta não é uma decisão minha, mas acho que devia ser um candidato do PSD. Ainda a medalha a José SócratesA história da atribuição da Medalha de Ouro da Cidade, em 2009, ao então primeiro-ministro José Sócrates ficou com algumas pontas soltas. O senhor não participou nessa reunião de câmara alegando razões de saúde. Essa não foi uma forma de evitar participar numa decisão com a qual não concordava? Eu estava doente, como disse na altura e mantenho.Que doença tinha? Estava com uma indisposição, com uma virose que não me permitiu estar presente nessa reunião.Foi uma virose oportuna... Já tinha dito aos colegas de vereação e ao presidente que se estivesse presente iria votar contra. E acha que o actual primeiro-ministro, Passos Coelho, merecia também uma medalha pelo que tem feito por Santarém? O actual primeiro-ministro tem trabalhado em condições muito mais difíceis do que trabalhou o engenheiro, salvo seja, José Sócrates. Mas ainda não passou o tempo suficiente para se fazer essa avaliação. Teve um grande incêndio pela frente que combateu com toda a tenacidade e isso todos devemos reconhecer.
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