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“Santarém tem estado de costas voltadas para os seus símbolos”

“Santarém tem estado de costas voltadas para os seus símbolos”

Antigo guarda-redes da União de Santarém e hoje treinador de futebol, Rui Gorriz fala sobre os clubes da sua cidade natal, aproveitando para lançar o debate sobre a criação de um novo emblema que representasse toda a capital de distrito ao nível do futebol sénior. O técnico fez ainda críticas ao poder local por ter abandonado a Ribeira de Santarém, onde vive, o Tejo e outros símbolos da cidade.

Faz-lhe confusão uma capital de distrito como Santarém não ter uma equipa nos campeonatos nacionais? Não me faz muita confusão porque estamos a assistir à agonia de Santarém em todos os sectores e o futebol é também o reflexo daquilo que são as cidades. Santarém neste momento não oferece satisfação aos habitantes. A cidade não gera auto-estima e não dá satisfação a um projecto de vida. A minha convicção é que o passado de Santarém, a sua história, as suas gentes, os monumentos, o centro histórico têm sido esquecidos e desvalorizados. Enquanto não houver satisfação por viver em Santarém, não se pode falar numa cidade dinâmica ou que promova dinâmicas. Esta é a realidade, doa a quem doer. Temos aqui símbolos da cidade votados ao abandono, como os monumentos, o Tejo, a zona ribeirinha. O futebol acaba por ser uma consequência de tudo isto.Santarém tem capacidade para ter três clubes de futebol ou não seria melhor haver apenas um, com uma equipa forte? Devia de haver, de facto, um outro clube, que fosse representativo da cidade, o que, na minha opinião, os Empregados do Comércio e a União de Santarém nunca foram e nunca serão. Tem de haver um clube que seja de facto matriz, que seja de facto símbolo da cidade de Santarém.Como vê o estado da União de Santarém e como olha para os Empregados do Comércio e para a Académica de Santarém? Olho para a União de Santarém com muita mágoa porque foi um clube que atingiu uma expressão no panorama nacional mas fundamentalmente regional. Neste momento está em agonia e, com muito pesar meu, julgo que não tem condições de alterar este seu estado anímico. Está mais próximo de voltar a deixar de ter futebol sénior que outra coisa. E quanto aos Empregados do Comércio? Os Empregados do Comércio têm trabalhado bem. Sei que o presidente é uma pessoa dinâmica. O clube ainda está nos seus primórdios de construção mas aquilo que atingiu tem, de facto, alguma expressão em termos da cidade mas julgo que só consegue representar parte da cidade. A Académica tem uma vocação para a formação, cumpre bem esse papel e está destinada a cingir-se a esse papel.O que pensa da degradação em que se encontra a Ribeira de Santarém? A Ribeira, neste momento, acaba por ser o resultado exacto do que as pessoas que têm dirigido Santarém pensam sobre a Ribeira e sobre o Tejo. O poder local tem estado completamente de costas voltadas para esses dois símbolos. É indissociável o Douro do Porto, é indissociável o Tejo de Lisboa, mas Santarém dá-se ao luxo de desprezar completamente o Tejo, que é um elemento fundamental e estrutural em termos turísticos e económicos. A Ribeira faz parte de Santarém mas foi absolutamente votada ao abandono pelo poder local de há décadas até agora.O que é preciso fazer-se para reabilitar a Ribeira? É preciso vontade política e visão. Já nem peço uma visão futurista. Só peço é que sejam conscientes do que se passa e dos ganhos que qualquer uma das cidades banhadas pelos seus rios tem. Santarém tem um potencial extraordinário e a Ribeira podia ser um pólo turístico de excelência. Quem anda pelo país fora tem exemplos felicíssimos de como se pode fazer um aproveitamento de uma cidade. Ainda por cima esta tem o sortilégio de ser banhada pelo Tejo, o que podia potenciar a Ribeira e Santarém para uma oferta turística de excelência.Um treinador à espera de convitesRui Gorriz, 56 anos, é viúvo e tem duas filhas, com 20 e 27 anos. A nível académico frequentou os cursos de Direito e Gestão de Recursos Humanos, mas não concluiu nenhum. Como jogador formou-se na Académica de Santarém e na União de Santarém, onde também começou a carreira sénior. Também jogou no Rio Maior, Águeda, Beira-Mar, Olhanense, Portimonense, Benfica de Castelo Branco, União de Montemor e Torres Novas, onde terminou a carreira de jogador e começou a de treinador, em 1998. Dos seus tempos como jogador para os de hoje nota uma degradação das condições dos atletas: “Eu da União de Santarém saí para o Rio Maior, onde na altura ganhava 40 contos (200 euros). Depois fui para o Águeda ganhar 100 contos (500 euros) e depois para o Beira-Mar ganhar 240 contos (1200 euros). Quem optasse por ser jogador profissional de futebol e tivesse sucesso, podia ao fim da sua carreira ter um pecúlio que lhe permitisse ter algum conforto. Hoje é absolutamente impossível. Hoje paga-se 10 vezes menos do que se pagava há 20 anos”, diz. Como treinador, além do Torres Novas, também orientou a União de Santarém, Fátima, Barreirense, Lusitânia dos Açores, Imortal, Olhanense, Alakhdhar (Líbia), Monsanto, Alcanenense e Rio Maior. Para a época 2015/2016 ainda não tem nada garantido mas diz que existem perspectivas de trabalho tanto em Portugal como no estrangeiro.Da experiência na Líbia aos atribulados meses em Rio MaiorNa época 2008/2009 Rui Gorriz teve a sua única experiência como treinador de futebol no estrangeiro até ao momento, e logo na Líbia, ao serviço do Alakhdhar. Na sua memória ficou uma experiência “riquíssima”, em estádios com 60 mil pessoas, num país “apaixonado pelo futebol”. “Eles devoram futebol, sabem tudo, principalmente de Itália, Portugal, Espanha, Inglaterra e Alemanha. Sabem tanto de um Porto, Benfica ou Sporting, como de um Real Madrid ou Barcelona”, explica, garantindo que nunca se sentiu inseguro naquele país, mesmo quando teve metralhadoras apontadas por estar a fotografar uma mesquita.Mais tarde, em 2014, Rui Gorriz esteve perto de ir para a Colômbia, ao receber um convite para coordenar todo o futebol do Real Cartagena. Apesar da proposta que considerou “aliciante”, acabou por não ir. “Era preciso a realização de algumas infra-estruturas e o clube não conseguiu garantir a construção das mesmas. Em termos de salário também haviam algumas situações que me suscitaram dúvidas”, justifica.Em Dezembro de 2014 aceitou suceder a Eduardo Teixeira no comando técnico do União de Rio Maior, motivado por um projecto aliciante que lhe foi proposto pelo presidente do clube Sérgio Garcia. “Apresentou-me a possibilidade da constituição e formação de uma SAD, com a participação de grupos franceses, interessados em servir-se do Rio Maior como base de formação e de construção de jogadores. A proposta foi aliciante e acreditei nesse projecto mas depois de ter chegado a Rio Maior, em pouco tempo percebi que o projecto tinha uma base de sustentação pouco crível”.Rui Gorriz percebeu então que o seu papel, num contexto de muitas dificuldades, era apenas o de garantir que o clube se mantivesse na 1.a divisão distrital da Associação de Futebol de Santarém. Algo que foi conseguido recorrendo a jogadores que já tinham abandonado o futebol ou a guarda-redes para alinharem como jogadores de campo. Afastada está já a possibilidade de continuar como treinador do Rio Maior. “A perspectiva é de um clube que vai procurar continuar a sobreviver neste escalão e isso não me interessa”. Uma das boas memórias que leva do clube são as “extraordinárias infra-estruturas de que dispõe”, que diz serem diferentes para melhor de tudo aquilo que existe. “Veja-se o caso de Santarém, que, comparativamente a Rio Maior, tem condições absolutamente deficitárias, próprias de um país do terceiro mundo”, observa.
“Santarém tem estado de costas voltadas para os seus símbolos”

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