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“Tenho saudades da vida de campino”

“Tenho saudades da vida de campino”

Carlos Custódio vai ser homenageado este domingo na Feira de Maio, em Azambuja, por uma vida inteira de dedicação à profissão de campino. Aos 81 anos, as saudades de trabalhar no campo e lidar com os toiros são atenuadas com histórias sem fim que conta com prazer.

Carlos Alves da Silva, conhecido como Carlos Custódio, nasceu em Vila Franca de Xira a 23 de Dezembro de 1933 mas, curiosamente, foi registado com data de nascimento de 20 de Janeiro, porque quando nasceu o seu pai estava em Espanha. Cedo saiu de Vila Franca e foi para Samora Correia onde foi criado, porque o pai trabalhava lá, na Casa Palha.Ainda hoje se diz campino por genética, é modesto e de poucas falas, mas quem lhe tira um passeio pelas memórias do tempo de campino tira-lhe grande parte da vida. Aos 81 anos, encara a homenagem de que será alvo no domingo, em Azambuja, na Feira de Maio, quase com indiferença. “Não sinto nada, não sou vaidoso. Mas sinto-me satisfeito por ser reconhecido na minha actividade”, assume.Os momentos mais felizes que teve na vida foram aqueles que começaram com a curiosidade de se meter no meio das pernas do pai e tentar sair com ele, de madrugada, para perceber o que era isso de ser campino. A primeira vez que o fez, teve de a mãe e o pai andarem à procura dele. “O resultado da brincadeira foi uma tareia”, relembra entre risos. “Tenho saudades da minha vida de campino. Foram os momentos mais felizes da minha vida”, afirma, mostrando orgulho em pegar na jaqueta e envergar o colete encarnado. Algo que vem desde os tempos em que não queria ir à escola para ser campino, não se importando com saber ler ou escrever.Entre as muitas frentes em que representou o campino, Carlos Custódio foi o “encarregado” da festa do Colete Encarnado por 17 anos e presença constante na mesma por mais de 40. Saiu um pouco magoado pela forma como foi afastado pela presidente da Câmara de Vila Franca na altura, Maria da Luz Rosinha, mas a sua paixão mantém-se inalterada, apesar de já não montar há alguns anos. Reformado desde os 65 anos, ocasionalmente vai ao Monte de Santo Isidro, onde trabalhou anos a fio, matar saudades.“Fiz muita coisa mas lidar com toiros é o melhor e não é nada fácil. Estudar os animais e descobrir a maneira de lidar com eles é um prazer. Comecei a lidar com toiros em miúdo pequeno. Fui ajuda, tinha uns 12 anos, na Casa Palha. Levantava-me muito cedo, às 3 da manhã, para ver como os maiorais lidavam com os bois. Eles sabiam o nome dos bois. Na casa Palha fiz de tudo, mas nunca fui maioral. Depois na Casa Conde Cabral, onde gostei muito de servir e onde se dava valor aos empregados, já lidava mais com os bois”, explica.Foram alguns os sustos que apanhou pela vida fora, mas até misturam situações de que ainda hoje se consegue rir. “Uma vez, em Vila Franca, cheguei a um local onde tínhamos de ter os toiros e qual não foi a minha surpresa quando vi que um estava metido dentro de uma casa! Fui lá, recuei a égua até à porta e dei com a vara num determinado sítio. Deu um salto e caiu logo cá em baixo. Mas apanhei sustos valentes. Na Golegã, saiu um toiro doido, comecei a cortar o terreno em frente dele e quando ia a passar num porto, espetou-me com o cavalo no chão e acabei por ficar montado no toiro. Caí para o chão e o toiro fugiu”, lembra.A campinagem deu-lhe a conhecer a sua mulher, já falecida, com quem esteve casado 60 anos e com quem teve uma filha e um filho. Hoje mostra-se crítico com o futuro da profissão. “Hoje os campinos não querem trabalhar tanto e não prestam para nada. Trabalhei com alguns bem mais novos e que tinham a mania de que já sabiam mais do que eu. Não ligam a nada. Eu passava dias a ver homens trabalhar para aprender. Agora não há nada disso”, refere.
“Tenho saudades da vida de campino”

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