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“O medo existe e é a maior barreira para um forcado”

“O medo existe e é a maior barreira para um forcado”

Cabo dos Forcados Amadores de Santarém em entrevista a O MIRANTE por altura do centenário do grupo mais antigo do país

Diogo Sepúlveda fala sobre o colectivo que lidera, sobre as suas experiências pessoais como forcado e sobre o estado e o futuro da tauromaquia em Santarém e no país, não esquecendo os movimentos anti­taurinos, a quem faz algumas acusações.

Como é ser cabo num ano como o do centenário do grupo? O nosso trabalho é sempre seguido com atenção e avaliado mas este ano é especial. Temos as luzes todas apontadas para nós. Sentimos essa responsabilidade e trabalhamos para estar à altura. Somos o grupo mais antigo de Portugal e procuramos ser exemplares para elevarmos cada vez mais a figura do forcado e a arte genuinamente portuguesa de pegar toiros. Este momento é histórico e eu tenho a felicidade de estar onde estou nesta altura. Mas estou rodeado de um grupo de jovens muito bem formados e isso faz-me acreditar que esta data é acima de tudo o ponto de partida para mais cem anos de glória. O que lhe passa pela cabeça quando está em frente a um toiro? Passa muita coisa pela cabeça de qualquer forcado. A família, as responsabilidades,,,e acima de tudo a vontade de vencer. Eu penso principalmente em dominar um toiro que está diante de mim. O medo existe e é a maior barreira de um forcado mas dentro de praça tem de haver domínio. Naquela altura, o que eu quero é estar à altura, Dar o exemplo. As pessoas que estão na bancada percebem o que se está ali a passar. É um homem a dominar um toiro. É preciso estar-­se muito concentrado no que se está a fazer mas é claro que se pensa em muita coisa. Tem consciência que está a arriscar a vida? Sem dúvida. Os forcados não são irracionais, são pessoas normais. Andam na faculdade, em cursos como direito, gestão, engenharia agrónoma, medicina veterinária. Alguns já trabalham, têm filhos. São enfermeiros, médicos, advogados, designers, gestores, economistas. Temos tudo isso no grupo. Os forcados têm as suas vidas, as suas responsabilidades, as suas mulheres, as suas namoradas, os seus filhos. Sentem as suas responsabilidades mas sabem que há muita gente a pensar em si e a torcer por si. Ainda se lembra do primeiro toiro que pegou? Lembro-me. Foi em Cantanhede, salvo erro em 1998. Foi um toiro lidado por Emídio Pinto. Foi tudo muito rápido, foi meter o barrete à cabeça e gritar toiro, toiro, toiro. O toiro arrancou e encontrámo-nos a meio caminho. Nessas alturas não se pensa muito. É tudo muito emocional. Na altura eu era jovem e pouco experiente. Recordo-me que fiquei muito contente.Quando um colega seu é gravemente colhido não pensa em retirar-se? É o mais difícil, sem dúvida, vermos um amigo nosso magoado, por vezes de forma grave. Por vezes são as nossas próprias lesões que nos fazem pensar no que andamos aqui a fazer. Infelizmente já tive algumas mas nunca pensei em sair. Como cabo do grupo de Santarém, custa-me muito mandar um miúdo pegar um toiro e esse miúdo magoar-se. A responsabilidade é repartida, porque ninguém está lá obrigado, mas quem manda sou eu. Como reage o colectivo a essas contrariedades? Acho que é nessas alturas que um grupo se levanta. Quando está um forcado no chão é quando aparecem quatro ou cinco para ajudar. Muitas vezes é nos sacrifícios e na dor que o grupo cresce e ganha alma. Isso é muito bom, muito saudável. Graças a Deus as lesões, mesmo as mais graves, têm sido todas recuperáveis. Mas é o mais difícil de tudo isto.Os forcados têm fama de serem brigões. Essa imagem corresponde à realidade? Não. Vou falar pelo meu grupo, se bem que posso falar de uma maneira geral porque estou no meio. Os forcados normalmente andam em grupo. Na sua maioria é tudo gente nova, que gosta de viver, que gosta de beber, que gosta de sair com as namoradas, com as amigas. Não me revejo nessa ideia porque isso não se verifica no grupo de Santarém e dou graças a Deus por isso. Há determinados valores que transmitimos e que vêm dos nosso pais e das nossas famílias e, portanto, eu não me revejo e não concordo com isso. De onde vem então essa imagem distorcida? Basta estarem alguns forcados no meio de um grupo para, se acontecer algum problema, serem apontados como culpados. É uma tentativa de denegrir a imagem do forcado. Não faz sentido.É supersticioso? Cumpre algum ritual antes das corridas? Não sou supersticioso, sou muito católico. Cumpro um ritual por tradição, que é não ter o barrete de forcado em cima da cama. É uma tradição que eu respeito e a que acho uma certa piada em mantê-la, porque às vezes são essas pequenas coisas que criam história e alguma dinâmica no grupo. Rezo. benzo-me. Sou muito católico e não acredito que algo me vai correr mal por uma qualquer superstição. Os forcados são quem mais arrisca e menos recebe nas corridas de toiros. Essa é uma situação pacífica entre vocês? Os forcados são amadores. A única coisa que recebem é ajudas para jantar ou para despesas de hotel. Há um cachet mas é completamente residual porque é para um grupo de 40 pessoas. Mas não há qualquer tipo de problema. Não estamos ali por causa do dinheiro. Todos nós temos as nossas vidas profissionais e, portanto, não há qualquer problema..Um engenheiro agrónomo há sete anos a liderar o grupoDiogo Sepúlveda tem 32 anos e nasceu em Santarém. É casado e tem uma filha. Licenciado em Engenharia Agrónoma pelo Instituto Superior de Agronomia, exerce a profissão de enólogo desde 2005. Acompanha as corridas de toiros desde pequeno, visto que o seu pai, Gonçalo Sepúlveda, também foi forcado do grupo de Santarém. Além do pai, também primos e tios têm ligação ao grupo, num total de 15 pessoas. No mundo dos forcados tem como referência Nuno Megre, “o forcado que mais pegou no grupo de Santarém, que chegou a pegar com os filhos e que é um ícone a nível nacional”.A primeira vez que Diogo se fardou foi em 1997, numa corrida em Idanha-a-Nova e a primeira vez que pegou um toiro foi em 1998, em Cantanhede, depois de uma lide de Emídio Pinto. A oportunidade de ser cabo surgiu 10 anos depois, em 2008, quando Pedro Graciosa se retirou. “Ele decidiu que era altura de sair porque já tinha muitos anos de grupo, já era de outra geração e achava que o grupo precisava de sangue novo. O grupo, de forma unânime, achou que eu era a pessoa indicada. Estarem todos de acordo deixou-me orgulhoso. Nestas transições é bom que as coisas sejam bem feitas para não haver qualquer tipo de problemas. Comecei em 2008, na altura com um leque grande de forcados, muitos até mais velhos do que eu”, recorda Diogo, que também explicou que características deve ter um cabo de um grupo de forcados.“Tem de ser um líder, alguém que dê o exemplo. Tem de ser o espelho do grupo. Tem de ter alguma sensibilidade humana porque lida com muita gente, de idades diferentes, de meios diferentes, pessoas completamente distintas. E obviamente tem de conhecer os valores do grupo e a sua história. Tem de ser uma pessoa consensual, que tenha capacidade de unir gerações, de juntar à mesma mesa os mais velhos e os mais novos”, explica, acrescentando que desempenhar o cargo é muito difícil devido às grandes responsabilidades.O grupo de forcados de Santarém funciona como uma família. O ambiente, segundo nos conta Diogo, é “único” e as amizades são vividas de forma “muito intensa”. Mas serão os forcados capazes de, como se diz, dar a vida uns pelos outros? “Sem dúvida”, esclarece o cabo sem hesitar.Além de uma boa relação no seu interior, o grupo de Santarém também tem uma boa relação com os restantes grupos, apesar das rivalidades. “Vivemos num país pequeno, somos todos amigos. É óbvio que o grupo de Santarém tem mais afinidade com os grupos com quem pega há mais tempo. Acaba por haver uma competição saudável. Todos nos conhecemos, somos todos do mesmo meio e, no meio disto tudo, somos todos amadores”.A mesma boa relação é mantida com os cavaleiros. Diogo Sepúlveda realça a relação de proximidade com as famílias Ribeiro Telles, Moura, Salgueiro, Lupi e Pinto, sem esquecer as famílias Bastinhas e Caetano. “O grupo sempre teve uma relação muito próxima com as principais figuras. É tudo do mesmo meio, fala tudo a mesma língua, as amizades são as mesmas”. O cabo lembra ainda cavaleiros que fizeram parte do grupo como José Lupi e David Ribeiro Telles.Com mais corridas este ano pelo facto de muitas cidades quererem homenagear o grupo, não sobra muito tempo a Diogo Sepúlveda para pensar no futuro. Cabo dos Forcados Amadores de Santarém há 7 anos, não sabe quando vai deixar de o ser: “O dia em que decidir sair é quando achar que tenho o meu trabalho feito e quando achar que o grupo precisa de sangue novo. Não penso nisso hoje em dia, estou muito concentrado nesta época tão importante”.Os números dizem claramente que a festa brava tem futuroAs corridas de toiros têm futuro num país onde a maior parte das praças já não enche? Então não têm? As corridas têm cada vez mais futuro. O que é facto é que os números falam por si. Sempre que dá uma corrida na televisão são milhões de pessoas a ver. O que é facto é que a corrida é o espectáculo cultural mais visto a seguir ao futebol, o que é facto é que cada vez mais há jovens artistas a aparecer. Miúdos a quererem tourear a pé, a cavalo, a quererem ser forcados. A praça de Santarém já viveu melhores dias. A praça de Santarém não tem as assistências que nós queríamos mas isso não é de agora. Infelizmente temos uma Feira da Agricultura no CNEMA. Uma pessoa paga bilhete para entrar lá em baixo, paga bilhete para entrar cá em cima, depois volta para a feira e tem de pagar outro bilhete. Quando duas coisas estão separadas torna-se complicado. Antigamente, quando as corridas estavam integradas na Feira da Agricultura, a praça estava cheia. Como encara os movimentos anti­taurinos? São meia dúzia deles e são movidos por grupos internacionais, por grupos com muito dinheiro da Suíça, da Alemanha, da Bélgica, da Holanda, que querem acabar com a cultura de países latinos porque as corridas não se praticam nos países deles. Por exemplo, na corrida de abertura do Campo Pequeno estavam sete mil pessoas na praça e estavam 10 pessoas a protestar cá fora. O que me faz confusão é a sociedade dar demasiado tempo de antena a pessoas que não querem acabar com as corridas de toiros. Eles querem acabar com tudo o que seja contacto do homem com o animal.Pode explicitar? Eles querem acabar com a criação do cavalo lusitano, com a criação de retrievers, com a criação de raças puras. Até querem proibir os outros de comer caracóis. As pessoas não sabem disto e têm de saber. Obviamente que as corridas de toiros são mediáticas e, por serem o espectáculo que mete mais gente a seguir ao futebol, torna-se no alvo mais fácil a abater. Infelizmente a nossa televisão é tendenciosa. Dá demasiado tempo de antena a quem não deve dar.As corridas não são um espectáculo barato para os dias que correm. A política de preços baixos que foi implementada há uns anos em Santarém foi uma boa aposta? Foi uma aposta que a praça permite. Não é em todas as praças que se pode implementar uma estratégia de preços baratos. Não sei se estou de acordo consigo sobre não ser barato ir aos toiros. Ir a uma corrida aqui a Santarém e pagar 20 euros por um programa de família, por um espectáculo que dura duas horas e meia, não me parece caro. Tem é de haver um equilíbrio. Não se pode baixar muito os preços porque depois as receitas de bilheteira são baixas e a empresa não consegue pagar a renda da praça e o próprio cartel. Mas em Santarém sim, com uma praça desta dimensão, tem de haver uma gama diversificada de preços de bilhetes.A Câmara de Santarém deixou de comprar grandes quantidades de bilhetes para oferecer e as assistências baixaram. Que opinião tem sobre isso? A praça estava a morrer e a câmara tentou fazer renascer a praça, tentou que a praça não fosse abaixo em termos de afluência de público. A câmara apoiou e acho muito bem porque a praça de toiros de Santarém é das mais importantes de Portugal e tem de ser um exemplo. Basta recuarmos um bocadinho na história. As corridas da Rádio Renascença eram sempre corridas esgotadas até à bandeira, sempre com 12 mil pessoas lá dentro. Vinha o país inteiro para Santarém. A câmara muitas vezes não faz mais porque não pode. O poder político deve apoiar a tauromaquia como faz por exemplo com o desporto? Com certeza que sim. A corrida de toiros é uma arte, um espectáculo, que, contrariamente ao cinema, ao teatro, que são bem financiadas, não tem os mesmos apoios financeiros. Se tivéssemos esses apoios a música hoje seria outra. Respondendo à pergunta, claro que sim, deve ser apoiada. Faz parte da nossa história, da nossa cultura. É como tudo na vida. Uns (a maioria) acham que deve ser apoiada, outros acham que não. Eu também acho que há dinheiros públicos que estão a ser gastos em coisas que não têm interesse nenhum, mas daí a tentar acabar com isso... A corrida à portuguesa deve ser alimentada e preservada como património imaterial de Portugal.O que dizem os seus colegas de trabalho acerca de ser forcado? Gostam. Na sua maioria são aficionados. Os que não são aficionados vão ver e gostam. Às vezes, por minha causa, há um primeiro contacto com a tauromaquia e depois continuam. Não conheço ninguém que tenha ido a uma corrida de toiros e não queira lá voltar. As pessoas que trabalham comigo acham graça porque há muita coisa que trazemos dos forcados para a nossa vida. A maneira como encaramos os problemas, a maneira como andamos de cabeça levantada, a maneira como não vamos abaixo. Nenhum forcado gosta de ser derrotado e estas pequenas metáforas da vida, no nosso dia­-a-­dia, têm muito que se lhe diga. Eu utilizo isso muito quando tenho problemas.Na sua vida profissional já encontrou algum colega que fosse anti­taurino? Anti-taurino não. Já encontrei foi pessoas que pouco lhes diz. Eu próprio, na família, tenho uma ou outra pessoa que a corrida de toiros não lhes diz nada mas há respeito porque vivemos num país livre. Vou-lhe dar outro exemplo. O presidente da Prótoiro, a associação que defende este património da corrida de toiros à portuguesa, vem de Viseu, do interior do país, de uma família maioritariamente anti-taurina. Veio viver para Lisboa, foi pela primeira vez ao Campo Pequeno, ficou impressionado com o que viu e hoje em dia é o maior defensor da corrida de toiros à portuguesa. As pessoas não conhecem como o toiro é lidado. Acima de tudo as pessoas não sabem o que é um toiro bravo, pensam que é um boi de engorda. Não sabem como ele é cuidado, tratado, em que condições é que vive. Muitas vezes as pessoas, por pura ignorância, manifestam-se contra.Corrida assinala centenário dos Forcados Amadores de SantarémOs Forcados Amadores de Santarém vão pegar em solitário seis toiros da ganadaria Murteira Grave, na corrida do dia 6 de Junho, em Santarém, que assinala os 100 anos do grupo e que é o ponto alto das comemorações. Na praça de toiros Celestino Graça não podiam faltar seis dos mais importantes cavaleiros portugueses, como João Moura, Joaquim Bastinhas, António Ribeiro Telles, Rui Salvador, Luís Rouxinol e Vítor Ribeiro, que completam o cartel.Já esta sexta­-feira, 5 de Junho, arrancam as comemorações oficiais, no Convento de São Francisco, pelas 18h30, com uma sessão solene em honra do grupo, na qual será lançado um livro comemorativo do centenário, da autoria de Maria João Lopo de Carvalho.Os Forcados de Santarém vão também ser homenageados com uma corrida de toiros no Campo Pequeno, em Lisboa, no dia 23 de Julho, pegando também em solitário toiros da ganadaria Ribeiro Telles. Os cavaleiros serão o espanhol Pablo Hermoso de Mendonza e os portugueses João Moura Júnior e João Telles Júnior.
“O medo existe e é a maior barreira para um forcado”

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