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Solução para o crescimento da economia é continuarmos a aumentar as exportações

Solução para o crescimento da economia é continuarmos a aumentar as exportações

Presidente da AIP defende um programa de capitalização de empresas e deduções em IRC dos aumentos de capital

José Eduardo Carvalho foi reeleito presidente da Associação Industrial Portuguesa. É o segundo mandato após ter deixado a Nersant. Diz que apesar de tantos anos de dirigente associativo continua a gostar mais do seu trabalho de gestor e administrador de empresas. Sobre a situação do país diz que estamos melhor graças ao esforço dos empresários e alerta para o risco de voltarmos a acreditar que podemos crescer à custa do consumo interno. Explica porque é que a variante ferroviária a Santarém não foi incluída no plano de investimentos estratégicos e refere-se aos 25 mil milhões de fundos comunitários para as empresas como um autêntico “Plano Marshall”.

Que avaliação faz da actual situação económica? Não é justo fazer uma apreciação da situação actual do país sem recuar à altura em que se iniciou o processo de ajustamento. Estávamos com défices orçamentais excessivos e sem capacidade de contrair financiamentos para pagar pensões, salários, medicamentos, etc. Houve que criar condições para começar a obter financiamento externo e isso obrigava a haver um controle de despesa pública e um controle orçamental. Não se podem avaliar algumas decisões implementadas como se estivéssemos numa fase de crescimento económico. Nós estávamos praticamente numa situação de insolvência.O que melhorou? O PIB está a crescer, os saldos da balança de bens e serviços começam a ser superavitários desde 2012. Há um equilíbrio dos saldos das contas externas. Este é o processo mais positivo do processo de ajustamento. Também se poderá dizer que isto foi obra de empresários porque é verdade. Há muitas empresas a virarem-se novamente para o mercado interno e a banca está a dar mais crédito para consumo. Para mim, um modelo de crescimento baseado na procura interna, em défices orçamentais e salários não suportados na produtividade não é viável. A dúvida que eu tenho é se a retoma do crescimento que vamos ter e que estamos a ter, é suportada por défices orçamentais e pelo consumo das famílias ou se é suportada pelas exportações? Se for suportado nas exportações o modelo é sustentável. Se voltamos a ter crescimento económico baseado no consumo interno acredito que daqui por uns anos vamos estar na mesma. Vamos ter que aumentar as exportações. Houve uma coisa assinalável. Em seis anos o peso das exportações no PIB, que era de 30 por cento, passou para 40 por cento. Mas não é suficiente. Há países europeus com a nossa dimensão onde o peso do PIB das exportações atinge 80 e 90 por cento. Concentrar a retoma da economia no consumo interno e na procura das famílias seria dar um passo atrás.As nossas exportações e a internacionalização das empresas tremeram com a baixa do preço do petróleo. Angola é o quarto mercado de destino das exportações portuguesas. Exportamos 4 mil milhões de euros para Angola e a queda do preço do petróleo veio provocar alguns reajustamentos orçamentais, uma diminuição drástica de algum investimento público e isso criou-nos problemas mas não terá as consequências drásticas e dramáticas que estávamos à espera. O que haverá é uma maior diversificação das exportações para os países da América Latina e outros mercados fora da União Europeia.Aparentemente o nosso maior problema é conter a despesa pública. Infelizmente em Portugal há uma grande dificuldade de fazer a redução da despesa pública. Se a despesa pública está centrada basicamente em salários e pensões, não mexendo nestas duas variáveis há uma dificuldade em reduzi-la. Para equilibrar foi-se à arrecadação de impostos e chegou-se ao ponto de não haver o mínimo de possibilidade de aumentar mais impostos quer sobre o trabalho quer sobre o capital.Dedução no IRC dos aumentos de capital das empresasTem falado muito na capitalização das empresas. Qual é a situação? As pessoas falam muito em financiamento e falam pouco em capitalização das empresas. Nenhum banco mete dinheiro em empresas sem capitais próprios. A poupança interna passou de 8 para 14 por cento do PIB nestes últimos anos. Diminuiu o rendimento disponível e as pessoas pouparam mais. Mas essa poupança interna está a ser canalizada para financiar o sector público e financiar o Estado e não financia a economia, por causa do risco.Quais as suas propostas para resolver este problema? Porque é que não há um programa de capitalização de empresas como houve com a capitalização da banca? Porque é difícil admitir que as empresas que sobreviveram, graças a uma grande capacidade empresarial, quer aquelas que exportam e quer aquelas que ainda estão no mercado interno, estão neste momento descapitalizadas?Como se capitalizam as empresas? É impossível pedir aos bancos para o fazerem. Terá de haver fundos de capitalização para isso. Há necessidade de implementar um conjunto de políticas como as obrigações participantes agregadas. Nós andamos preocupados com a taxa de carbono. Temos valores cabimentados nestes fundos estruturais, neste QCA para resolver esse problema ambiental mas não estamos preocupados em resolver este problema de capitalização das empresas. Há também uma medida que este governo nunca implementou e que o estudo que foi feito por economistas para o programa eleitoral do PS também não contempla, que é a remuneração convencionada dos capitais próprios.O que é isso? Enquanto que aquelas medidas de que estamos a falar são fundos de capitalização que, quando muito, poderão apanhar aí entre duas a três mil empresas, se houvesse uma dedução em sede de IRC dos aumentos de capital feitos nas empresas, tínhamos uma forma de capitalização transversal que apanhava todo o sector. Reestruturação da AIP em marcha Embora pertença à administração de algumas empresas é conhecido pela sua actividade como dirigente associativo. Primeiro na Nersant e nos últimos anos na AIP. Calculo que nesta altura se sinta mais dirigente associativo do que empresário ou gestor/administrador de empresas. É assim? Dedico ao trabalho associativo dois dias e meio por semana. Metade da semana dedico-me à minha vida profissional. Gosto mais de ser gestor, administrador do que ser dirigente associativo. Estive muitos anos à frente da Nersant e acho que fiz um mandato a mais. Quando estou metido em algum projecto preciso de me levantar e ir fazer o meu trabalho com paixão. Quando nos falta essa paixão é melhor mudarmos de caminho. Quando não temos paixão até perdemos criatividade. Desligou-se por completo da Nersant? Durante o tempo que fui dirigente da Nersant criamos uma cultura de trabalho, valores, procedimentos, normas. Tudo isso ficou consolidado. Foi uma decisão certíssima não ter ficado em órgão social nenhum. Há pessoas que quando estão muito tempo à frente de uma instituição acham que as instituições são elas e nem querem sair. Querem continuar em determinados órgãos com estatuto para tutelar. Não é o meu caso.Quando sair da AIP vai seguir o mesmo princípio. Espero bem que sim.Qual é a situação da AIP? A AIP tem características próprias. Tem 178 anos. É uma das instituições mais antigas da sociedade portuguesa. Foi liderada pela mesma pessoa durante três décadas e tem uma situação interna complexa. A nível de recursos humanos a média de idades quando eu entrei era de 51 anos. Tinha um modelo de gestão e uma cultura de trabalho que não estavam adequados à realidade da crise. As pessoas que estão na AIP há trinta anos fizeram um trabalho notável mas tudo muda.O que está a ser feito? Nos próximos quatro anos vamos estar muito vocacionados para o trabalho interno. Reestruturação, captação de novos proveitos, internacionalização da AIP em Angola que já se iniciou, aumento da base associativa. Temos um problema de exploração muito complicado. Com a criação da Fundação na reestruturação iniciada em 2004 os activos da AIP passaram para uma Fundação. A própria solvabilidade da AIP depende da solubilidade desta Fundação. É uma situação complexa. Como se ultrapassa? O grande desafio é conciliar a execução de um plano de sustentabilidade financeira e de reestruturação que está a ser feito com o reforço da ligação com os associados que também tem vindo a ser conseguido. Vamos apostar na abertura de novos negócios e nas alienações patrimoniais de bens imóveis e da participação em empresas. E vamos fazer contenções salariais. No primeiro mandato conseguimos uma redução de 700 mil euros a nível salarial mas as novas medidas são mais duras. Apesar disso verifico que há pessoas com alguma idade que têm agarrado as oportunidades e querem ser úteis à AIP.Há vinte e cinco mil milhões de euros para as empresasComo é o novo Quadro Comunitário de Apoio, 2020, para as empresas? O que vem melhorar em relação aos anteriores? O que podia ter ido mais longe? O que vem aí é um autêntico Plano Marshall (Programa lançado pelos Estados Unidos a seguir à II Guerra para a reconstrução dos países aliados) para as empresas. São no total vinte e cinco mil milhões de euros. É uma oportunidade única que temos que aproveitar.O que correu bem e mal durante os últimos anos? O que correu bem foi a internacionalização, nomeadamente através dos incentivos financeiros das Sociedades de Garantia Mútua. Se não fosse a garantia mútua, durante três anos as empresas não tinham tido acesso a financiamento bancário. Correu mal a cooperação empresarial e a recapitalização das empresas. Como resolver esses problemas? A cooperação empresarial é, basicamente, obrigar as empresas a redimensionarem-se e ganharem escala. Temos que continuar a internacionalização e reforçar apoios para a cooperação empresarial e para a recapitalização. Eu acho que alguns projectos de inovação só deveriam estar acessíveis às empresas que se juntassem para fazer candidaturas. Está visto que se não for o Estado a forçar e a ter este apoio supletivo as empresas não se unem porque isso não faz parte da nossa cultura empresarial. Há boas experiências mas são poucas. Da mesma forma só deveria haver dinheiro para projectos de investigação e inovação para universidades se estivessem envolvidas empresas. Como vê a saída de jovens com formação superior para outros países? Talvez esteja contra a corrente mas tenho uma grande esperança nos jovens que saem. Esta geração volta a Portugal com Mundo; com novas ideias; com conhecimento de outras culturas de trabalho; de novas exigências. É neles que recai a esperança de mudar isto. Do ponto de vista cultural, do ponto de vista de trabalho, do ponto de vista empresarial e do ponto de vista da economia. Acho importantíssimo que qualquer jovem tenha uma experiência internacional, nomeadamente em alguns países europeus ou nos Estados Unidos. É fundamental.Vai continuar a insistir na Revisão da Constituição. O tema parece arredado da pré-campanha eleitoral que está a decorrer. Nos últimos anos houve mudanças profundas em Portugal e no Mundo e não houve qualquer adaptação ao texto fundamental. Acredito que algumas alterações constitucionais nos ajudariam a enfrentar melhor a situação actual. Como diz um amigo meu com alguma ironia, a Constituição impede despedimentos mas não impede falências. Como analisa a situação dos trabalhadores do Estado e dos trabalhadores das empresas privadas? Não vale a pena voltar trabalhadores do sector privado contra trabalhadores do público mas ninguém pode negar que existe uma desigualdade gritante em determinadas áreas, nomeadamente em termos de pensões, em termos de segurança do trabalho, em termos de acesso à saúde... mas há outras desigualdades, nomeadamente geracionais, relativamente ao trabalho. Contratos individuais de trabalho celebrados há seis ou sete anos, dez anos, têm um conjunto de prerrogativas e direitos que já não beneficiam todo um outro sector muito mais flexível e que se ajusta a realidade, que é dos jovens. Sendo dirigente de uma associação empresarial que opinião tem dos sindicatos? Cada caso é um caso. Em empresas grandes, nomeadamente multinacionais, cujos capitais têm origem em países que historicamente têm alguma experiência em questões de gestão dos trabalhadores e co-gestão, verifica-se que as organizações de trabalhadores que estão integradas nessas empresas não têm uma visão radical e ideológica e colocam a ênfase numa visão distributiva. Há uma preocupação com a evolução da empresa, a criação de riqueza e com a sua distribuição. Mas não é isso que acontece normalmente no resto das empresas. A maioria dos Sindicatos são estruturas um pouco esclerosadas que colocam a componente ideológica acima da criação de riqueza. Isso desprestigia esse tipo de sindicalismo. É um sindicalismo cuja preocupação acompanha a par e passo a estratégia política dos partidos que têm maior implantação operária e industrial.Que opinião tem sobre a contratação colectiva? Creio que vai haver uma contínua descentralização das negociações. Vão passar de ser feitas entre os grandes sindicatos e as associações patronais para passarem a ser feitas ao nível das empresas. Essa discussão já está a ser feita, por exemplo em França. Há convenções colectivas de trabalho que algumas empresas são obrigadas a aplicar por força das portarias de extensão, apesar de não terem condições para as cumprir. Pessoalmente sou contra a extensão das convenções colectivas de trabalho.Porque é que não vai haver variante ferroviária a SantarémFoi nomeado pelo Governo para coordenador do Grupo de Trabalho para as Infra-estruturas Estratégicas de Valor Acrescentado (GTIEVAS) criado para avaliar os projectos estratégicos de investimento em infra-estruturas para o Quadro Comunitário de Apoio 2014/2020. Que balanço faz do trabalho realizado? Foi um dos trabalhos mais interessantes que já fiz. Pela primeira vez foi possível termos os utilizadores finais das infra-estruturas a definirem aquilo que para eles era prioritário. Durante seis meses tivemos à mesma mesa cinquenta e quatro representantes da economia e dos sectores que utilizam as infra-estruturas. Muita gente não acreditava que fosse possível chegarmos a acordo.O que permitiu haver resultados? Tínhamos que construir um modelo prioridade de investimentos que potenciassem a economia portuguesa e a sua base exportadora. Na prática era este o mandato. Só tínhamos mil milhões de euros. Só para dar uma ideia basta lembrar que antes se gastaram 13 mil milhões de euros em investimentos rodoviários. Era um grupo com interesses contraditórios. Estavam transportadores de mercadorias e de passageiros rodoviários e ferroviários, representantes das auto-estradas, operadores privados e públicos. Qual o modelo utilizado para atenuar os conflitos? Tínhamos que ter em atenção a política orçamental de forma a que os investimentos fossem suportáveis pelos contribuintes. Devíamos potenciar ligação entre sectores. Um investimento por si, sem ligação com outros, era impensável, por exemplo. Privilegiou-se a carga em detrimento dos passageiros; o investimento ferroviário e marítimo em detrimento do rodoviário. Não sei se sabe mas só 13 por cento da população portuguesa está a mais de 15 minutos de acesso a uma auto-estrada. Era impossível justificar mais investimentos no sector rodoviário. Quando foi a discussão pública houve uma grande pressão dos autarcas por causa disso mas era indefensável num modelo com aqueles objectivos que já referi. Apesar de ter sido privilegiada a ferrovia, a variante ferroviária a Santarém, que tiraria os comboios da Ribeira de Santarém e ajudaria o processo de consolidação das encostas da cidade de Santarém, ficou de fora. O grande problema é que esse investimento não potenciava a economia. Não fazia qualquer ponte com o sistema exportador ou com a actividade económica. Resolvendo o problema da ponte de Constância resolve-se um problema do sector exportador tendo em conta a Celulose do Caima. Havendo investimentos que possam estar ligados à Mitsubishi no Tramagal resolvem-se problemas do sector exportador da economia portuguesa. Com um investimento na ponte da Chamusca potencia-se o desenvolvimento do cluster de resíduos do Eco-Parque do Relvão na Carregueira, Chamusca. A variante resolvia um problema de consolidação das encostas, que tem outras soluções menos dispendiosas. O que se entendeu é que deveria haver outras fontes de financiamento para as encostas de Santarém que não fossem estes mil milhões de euros.
Solução para o crescimento da economia é continuarmos a aumentar as exportações

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