Cruzeiro cultural e religioso mostra um Tejo a pedir ajuda
Durante 15 dias, a imagem de Nossa Senhora dos Avieiros e do Tejo navegou de Vila Velha de Ródão a Oeiras
Os participantes na descida do rio constatam que este está mal de saúde, a precisar de intervenções. Seca, assoreamento e poluição são as maiores queixas, mas todos reconhecem que já há mais peixe.
Um rio Tejo a precisar de intervenções recebeu, ao longo de 15 dias, o 3º Cruzeiro Cultural e Religioso que trouxe, em peregrinação, a imagem de Nossa Senhora dos Avieiros e do Tejo desde Vila Velha de Ródão até Oeiras. Com várias paragens ao longo do percurso para gáudio das várias comunidades avieiras, o sentimento de união entre quem faz do rio a sua forma de sustento sobressaiu a cada paragem.Entre as manifestações de contentamento por verem a imagem da padroeira parar em cada uma das escalas, muitas são também as queixas dos avieiros. Joaquim Ponceano, 56 anos, fez o trajecto desde Vila Velha de Ródão até Oeiras e lamenta o Tejo que viu. “Sou pescador de lampreia, sável e saboga na Chamusca. Há um mês, largava as redes e de manhã tinha de as lavar porque vinham cheias de lixo. É por causa das descargas das fábricas em Vila Velha de Ródão. A água é negra. Em Constância, na confluência com o Zêzere, vê-se que uma é clarinha e a outra negra”, descreveu.Filho de avieiros, fez-se homem a adorar o Tejo e a profissão. Juntou-se à terceira edição do cruzeiro para, além do aspecto religioso, chamar a atenção para o que há a fazer no rio. “As margens estão péssimas. Antes, os proprietários eram obrigados a fazer o alargamento das marachas, que serviam para proteger as margens e para refúgio dos peixes. Hoje está tudo ao abandono”.Enquanto assiste à celebração de uma das missas do percurso, na Póvoa de Santa Iria, Joaquim relembra com saudade os tempos de um rio saudável. “Quando era garoto ia com o meu pai para a pesca e bebíamos a água do Tejo. Hoje é impensável. Já vai havendo uns sáveis, sabogas e lampreias, mas estiveram quase extintos. Está a melhorar aos poucos, é pena as descargas de poluição”, afirma.A viagem de Vila Velha a Oeiras custou-lhe um barco afundado por causa do estado do rio, mas diz que “tudo vale a pena pela profissão e pela devoção”.Opinião ligeiramente diferente tem João Letra, avieiro de 68 anos, da Póvoa de Santa Iria. Apesar de concordar que o rio já foi muito melhor nos tempos em que “cada avieiro andava num barco a remos”, apresenta uma visão um pouco menos pessimista. “Houve uma altura em que a lampreia, o sável e a saboga não entravam no rio. Este ano já houve e já se conseguiu apanhar para, em mês, mês e meio, resolver as despesas. Mas não há para todos, o peixe não abunda para toda a gente. Aqui para baixo, desde que a ponte Vasco da Gama foi feita, a poluição tem vindo a diminuir e penso que fica melhor daqui a meia dúzia de anos”, afiança João Letra.Cruzeiro religioso uniu comunidade avieiraJoão Letra partilha com a mulher a profissão e a paixão pelo rio. Por isso, custa-lhe ver as condições a que chegou o Tejo e deixa sugestões. “Nota-se a seca. Há um mês a água estava castanha e o peixe não gosta disso. É pena o rio estar tão assoreado. De Muge para cima, desde que proibiram a extracção de areias, o Tejo está seco. As câmaras deviam juntar-se para dragar e abrir o canal principal”, atirou.Um dos mais antigos avieiros da Póvoa recorda os tempos em que “se dormia nos barcos”. Hoje já não há disso, mas a união entre os avieiros está cada vez mais reforçada, em parte por causa da iniciativa deste cruzeiro e da presença da santa padroeira. “Isto representa uma união entre a classe avieira que não havia há anos. Este cruzeiro já fez unir muitas famílias que nem se conheciam. É fantástico solidificar esta união. Queremos fazer uma grande família”, concluiu.
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