“Presidente da Câmara de Tomar deixou-se enredar pelo poder do chefe de gabinete”
Vereador Pedro Marques diz que o PS de Tomar está em processo de auto-destruição
Cumpre o seu terceiro mandato consecutivo como vereador independente, após ter sido presidente do município nabantino nos anos 90 do século XX. Crítico da actual gestão PS/CDU, considera que a imagem da presidente da câmara Anabela Freitas (PS) tem sido prejudicada pelo excessivo poder que delegou ao seu chefe de gabinete, que Pedro Marques diz actuar a seu bel-prazer na autarquia. Incisivo, diz mesmo que Luís Ferreira nunca fez nada de positivo por Tomar.
O que mudou mais do anterior mandato para o actual, no que à gestão municipal diz respeito? Mudaram situações meramente formais, mas essencialmente nada mudou. E se mudança houve nalgumas coisas, foi para pior. Como por exemplo? Começou logo com a falta de dignidade com que foram tratados dirigentes da autarquia dispensados das suas funções e substituídos por outros. Essas substituições provisórias deviam já ter sido devidamente legalizadas e ainda não o foram.Acha que houve motivações político-partidárias nesse processo? Não tenho dúvidas nenhumas. São pessoas que já passaram por muitos executivos camarários, com qualidade em termos profissionais, capazes, competentes, com boa relação de trabalho com os seus subordinados durante mais de 20 anos e portanto não vejo outra razão.A tese de que Luís Ferreira, o chefe de gabinete da presidente da câmara Anabela Freitas, é quem realmente manda no município faz sentido? Na prática faz sentido e eu já o disse à sra. presidente. O sr. Luís Ferreira tem a legitimidade que ela lhe concede. Ele faz o que entende. Se é a mando dela ou não, não sei. Mas, na prática, pelo conhecimento que temos, o sr. Luís Ferreira actua a seu bel-prazer na câmara municipal. Com a legitimidade, volto a referir, que a sra. presidente lhe concedeu. Há vinte anos ele começou esta batalha de mandar no PS e de ter poder. Quando as pessoas chegam ao poder é tudo mais visível.Para o bem e para o mal… Sim e eu nunca vi que esse senhor fizesse algo de positivo por Tomar. Em relação ao PS, se há 18 anos levou a que o partido perdesse a visibilidade que tinha em Tomar, agora vai voltar a fazê-lo outra vez. Toda a gente sabe que ele muitas vezes faz o que quer e muita gente vai lidando com ele com algum receio.Luís Ferreira tem um poder que não lhe é conferido pela legitimidade do voto? Sim. Ele foi eleito para a assembleia municipal. Pura e simplesmente isso. Portanto, ele exerce funções executivas com a legitimidade que a sra. presidente lhe confere. Ele só não participa nas reuniões de câmara porque não pode, como é óbvio. Mas quando intervém na assembleia municipal fá-lo como membro desse órgão e também como membro do executivo.Essa é uma situação eticamente reprovável? Sim, claramente reprovável. A assembleia municipal é um órgão fiscalizador do executivo camarário. Se fosse eleito da assembleia municipal, tenho muitas dúvidas se ficaria na sala quando ele interviesse. Ficaria tentado a sair porque não devemos aceitar que o órgão fiscalizador tenha elementos com o poder executivo que esse senhor tem.A legislação não está mal feita nesse capítulo? Penso que não se trata disso. A lei não pode prever todas as situações. Trata-se mais de uma questão de ética e de bom senso e das pessoas não ultrapassarem determinados limites. E, neste caso, os limites foram há muito ultrapassados. Ainda não perdoou a Luís Ferreira o facto de há 18 anos ter contribuído para que o senhor não fosse recandidato pelo PS ao cargo de presidente da Câmara de Tomar? Não tenho que perdoar ou deixar de perdoar. Acho que Tomar perdeu com isso e não ganhou nada com esse senhor. Agora o que me preocupa é Tomar. Quem tem o poder legitimado pelo povo exerce-o como entender, agora dentro de princípios basilares de democracia. O que não é o caso.Considera que a prática democrática não é totalmente observada em Tomar? Considero, sem problema nenhum. Há muita coisa em que não há transparência. No princípio do mandato anterior propus que houvesse auditorias, financeiras e não só, a vários sectores da câmara. Foi chumbada pelo PS e pelo PSD. Mais tarde ou mais cedo irei fazer nova proposta nesse sentido. E veremos qual a posição que nessa altura assumirão. Era bom, até para evitar especulações e para que as coisas ficassem claras em áreas como a financeira ou a da protecção civil. Quem tem receio disto é porque tem alguma coisa a esconder.Beirão de nascimento, tomarense do coraçãoPedro Marques nasceu a 9 de Agosto de 1955, em Santa Marinha, concelho de Seia, distrito da Guarda. Foi viver para Tomar com três anos. É casado, tem três filhos, dois biológicos e uma menina adoptada, e três netos. Licenciou-se em Direito na Universidade de Coimbra como trabalhador-estudante. Em 1975, emigrou algum tempo para França com a intenção de trabalhar num banco. Como não conseguiu a documentação necessária e a esposa estava grávida do filho mais velho acabou por regressar a Portugal.Durante a viagem de regresso, estava na estação do Entroncamento à espera para apanhar o comboio para Tomar quando, através do jornal, verificou que tinha feito um 13 no Totobola. Ganhou 17 contos. O suficiente para investir parte desse dinheiro num curso de programação de computadores Cobalt, que fez em Lisboa. Entretanto, surgiu a oportunidade de ir para o grupo Mendes Godinho onde trabalhou na área de informática, como escriturário e na direcção de pessoal e, após terminar o curso de Direito, no contencioso.Foi no grupo Mendes Godinho que trabalhou até à manhã do dia em que tomou posse como presidente da Câmara de Tomar, a 5 Janeiro de 1990. Fez dois mandatos como líder do município, eleito pelo PS. Foi também professor e jogador dos juniores do União de Tomar. Quando concorreu à Câmara de Tomar, em 1989, era presidente do União de Tomar.“Com Luís Ferreira como candidato o PS dificilmente elegeria um vereador”Mais uma vez ficou de fora de um entendimento com a maioria, à semelhança do anterior mandato. Prefere não se comprometer com o poder ou não foi convidado? Sempre disse que não queríamos lugar nenhum mas que estávamos disponíveis para colaborar de forma activa em tudo o que seja de interesse para Tomar. E atenção: não temos receio nenhum de qualquer entendimento. Mas tem que ser transparente, sério e com objectivos bem definidos. Não pode ser por interesses pessoais como foi no anterior mandato, com o PSD e o PS, em que não havia uma política comum e cada um fazia o que queria nos seus pelouros. Para interesses político-partidários do momento não contem connosco. O que conta para nós é o interesse de Tomar.Foi o PSD que perdeu as últimas eleições autárquicas em Tomar ou foi Anabela Freitas que as ganhou? Foi claramente o PSD que perdeu. O PSD, em Tomar, vem definhando há anos. As pessoas estavam tão desgostosas que os penalizaram.Fazendo um exercício especulativo: acha que se Luís Ferreira fosse o candidato do PS à Câmara de Tomar em vez de Anabela Freitas o partido teria ganho na mesma as eleições? Acho que dificilmente o PS elegeria sequer um vereador. Esconderam-no claramente. Ele nem apareceu na campanha. A imagem que ele tem não é nada abonatória em termos de prática política. Se ele é tão importante porque não foi nos primeiros lugares da lista?Já tinha ido, nas eleições autárquicas de 2009, e foi vereador nesse mandato. Pois, mas numas eleições que o PS perdeu. E nós, movimentos independentes, estamos sempre em desvantagem em relação aos partidos, porque há muita gente que vota nas siglas e nos símbolos partidários, independentemente de quem sejam os candidatos. Nós não temos nada por trás e quando começamos a campanha eleitoral já vamos com 2 ou 3 mil votos a menos, porque não temos essa almofada que eles têm.Ainda tem a ambição de voltar a ser presidente da Câmara de Tomar? É muito cedo para falar nisso. A minha ambição é que Tomar retome o caminho. Estamos a preparar-nos para que nas próximas eleições tenhamos um papel decisivo. Quando nos candidatamos é para vencer e que as nossas propostas tenham seguimento. Estamos a trabalhar e vamos ser muito objectivos nas propostas. Vamos apresentar-nos com pessoas que estão ali por Tomar e não porque têm ambição de irem para o Governo, de serem deputados ou outras coisas quaisquer.É pouco habitual um presidente de câmara, ao fim de um primeiro mandato, não ser reeleito. Acredita que isso pode acontecer em Tomar nas próximas autárquicas? O estado de graça aqui já acabou há muito tempo e foi o PS que se foi auto-destruindo. Há muita gente do PS que eu tenho ouvido a dizer que se soubesse que este senhor [Luís Ferreira] lá estava não teria votado no partido. Com as coisas como estão, os tomarenses, se querem sair da cepa torta, devem escolher outro caminho e olhar para as pessoas. Não há nenhum partido que, em termos de gestão autárquica, vá alterar seja o que for. São as pessoas.Qual é a sua opinião em relação à presidente da câmara? Tenho uma boa relação com a Anabela Freitas. Enquanto autarca, acho que ela se deixou enredar pelo poder do chefe de gabinete e acho que isso tem afectado a gestão de toda a equipa. Se aquilo não funcionar coeso e se não houver compromissos fundamentais para o concelho entre os sete membros do executivo não há nada a fazer.Acha que a imagem de Anabela Freitas enquanto líder está afectada pelo poder delegado no chefe de gabinete? Claramente. A maior parte das pessoas até acaba por a pôr em causa como presidente. Meio a brincar meio a sério ouve-se constantemente perguntar: “A presidente ou o presidente?”. Acho que isto é negativo. Esta má imagem acaba por distorcer tudo. Gostaria que isto não acontecesse.Dá a ideia que Luís Ferreira é uma espécie de mau da fita na política de Tomar. Não, nada disso. Não diria que é o mau da fita. Acho é que a legitimidade que ele tem e o poder que acaba por exercer que acaba por ser negativo. E isso leva a que haja logo alguma resistência a tudo o que vem dali. Não tenho dúvidas que cada pessoa tem as suas capacidades, mas elas devem ser exercidas para servir os interesses do concelho e não interesses partidários ou outros que não sei quais são. A verdade é que os resultados obtidos ao fim de dois anos de gestão da câmara não são aqueles que gostaríamos.Tem saudades dos tempos em que foi presidente da Câmara de Tomar? Não. Não sou saudosista. As coisas têm o seu tempo. Orgulho-me é do que fiz. E recusei sempre ir para outro lado qualquer.E nunca pensou filiar-se num partido? Isso está fora de questão. Porquê essa alergia? Deve-se à forma como foi tratado por um partido? Não é alergia, é o modo como funcionam. Nunca vou violentar-me por causa de ideias ou outras coisas com que não concordo.O que sentiu quando, em 1997, o PS lhe tirou o tapete a uma recandidatura a presidente da câmara pelo partido? O meu acordo era mandato a mandato. Aceitei perfeitamente isso, sem problema nenhum. “Vereador da CDU tem engolido muitos sapos”Há quatro anos dizia que a coligação PSD/PS que governava a câmara era contranatura. Como classifica a actual aliança PS/CDU? Que a anterior era contranatura veio a confirmar-se. Porque obviamente nunca houve uma coligação verdadeira. Cada um tinha os seus pelouros e fazia o que queria. E neste caso passa-se o mesmo.Acredita que esta coligação não dura até final do mandato? Conheço o vereador da CDU, Bruno Graça, desde miúdo. Éramos vizinhos. E surpreende-me, sinceramente, que o Bruno engula tantos sapos. Ele tem engolido muitos? Acho que sim e o do mercado é o maior. Olhe-se para o programa eleitoral do PS e veja-se o que está cumprido. São promessas e mais promessas. Há questões estruturais, como a do acampamento do Flecheiro, que continuam por resolver. E este é o momento para se resolver.Quais são as prioridades para Tomar, na sua óptica? O Flecheiro seria claramente uma delas e o mercado outra. Cheguei a dizer ao presidente Corvêlo de Sousa, quando se adivinhava que o problema do Flecheiro não se resolvia a partir dos fundos comunitários, para apostar no mercado. Assim como o Polis, em vez de começar pela destruição do estádio municipal e pela construção de um pavilhão que não resolve o problema de Tomar, deveria ter começado pelo Flecheiro e pelo mercado. Resolver ou não resolver a questão do Flecheiro faz toda a diferença no balanço deste mandato.
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