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Nené o empresário que também é apoderado numa noite entre barreiras no Campo Pequeno

Nené o empresário que também é apoderado numa noite entre barreiras no Campo Pequeno

A Praça de Toiros do Campo Pequeno encheu na quinta-feira, 3 de Setembro, para ver o duelo entre João Telles Jr. e João Moura Jr. Os dois cavaleiros que têm cerca de 25 anos reataram 30 anos depois uma suposta rivalidade que existiu entre os seus pais também toureiros mas já quase retirados das faenas. João Moura ainda dá cartas, apesar de tudo, e em dia sim ainda se comporta e actua como grande vedeta. O MIRANTE assistiu à corrida do lado de dentro da trincheira mas desta vez com mais atenção no trabalho de António Manuel Cardoso, mais conhecido por Nené, apoderado de João Telles Jr.

O mundo dos toiros não tem muita gente que faça a diferença. É um mundo em decadência e são raros os protagonistas de bom carácter e de grandes relações. Nené é uma dessas excepções. Para além de apoderado é empresário de várias praças, dirigente associativo, em suma, tudo o que mexe no mundo dos toiros Nené domina e dá cartas sem arrogância e sempre disponível para falar ao nível dos seus interlocutores.Quase toda a gente o respeita e cumprimenta como um grande Senhor da Festa. Mas quem circula ao seu lado, repara com facilidade que ele não liga a honrarias nem a cumprimentos especiais e que o sorriso para o marialva que lhe bate nas costas é tão afável como para o mais simples dos aficionados que o cumprimenta junto ao balcão do bar da praça de toiros.O duelo entre dois jovens cavaleiros não retirou Nené do sério, como se diz na gíria. O apoderado de João Telles Jr. chegou dez minutos antes do início da corrida às trincheiras e entre alguns cumprimentos lançou os olhos para as bancadas sem que tenhamos vislumbrado espanto, ou reacção inusitada, sinal de que não havia mouro ou moura na costa.O primeiro toiro da noite foi para João Moura Júnior. Nené observou a abertura da porta dos curros com toda a atenção e de braços cruzados. Está sozinho. A família Ribeiro Telles estava do lado oposto da praça.A lide do primeiro touro de João Telles Jr. foi pacífica para o cavaleiro da Quinta da Torrinha, que não chegou a brilhar. Nené deu a entender que era bruxo. Ao cruzar-se com o ganadero entre tábuas perguntou-lhe só para ter pretexto para uma indirecta: “este toiro é teu?”. Logo que recebeu o sim disparou: “ele que não marre não!!!”, a que se seguiram algumas gargalhadas de cumplicidade mas que não escondiam algum nervosismo. Apesar de ter passado quase toda a lide agarrado às tábuas, procurando sinalizar a sua presença com o intuito de dar confiança ao seu cavaleiro, Nené nunca falou para dentro da arena e apenas cruzou alguns olhares com João Telles Jr. O diálogo durante a lide foi apenas com um dos bandarilheiros a quem gritou alguns “troca, troca” e com as unhas que roía e roía num impulso que só durava durante os primeiros minutos da lide.O primeiro cigarro entre tábuas surgiu durante a volta à arena de cavaleiro e forcado. Nené está com um semblante bem disposto e com vontade de brincar com a situação de estar na trincheira com o público bem por cima da sua cabeça: a uma pergunta provocadora do repórter de O MIRANTE responde com “o que é bonito é para se ver”.Durante a lide de João Moura Jr., Nené manteve-se calmo e só no intervalo da corrida interagiu com algumas das pessoas que se cruzavam com ele. Aproveitou para conversar com o seu jovem cavaleiro e com todo o staff que o acompanha. A conversa incluiu a análise do comportamento dos três toiros que até ali já tinham sido toureados.João Telles Júnior aproveita os últimos segundos do intervalo para montar o cavalo com que vai sair para tourear o quarto toiro da noite. “Cabeção”, alcunha do homem responsável pelos cavalos, vai verificando se está tudo em condições. É ainda tempo de descontrair e António Ribeiro Telles, seu tio, vai dizendo com um sorriso nos lábios que as meninas estavam “a olhar muito para o Cabeção”. A resposta em jeito de brincadeira foi que “elas estavam a olhar era para o Nené”. A gargalhada ouviu-se bem longe.No seu segundo toiro da noite João Telles Jr. teve ainda menos trabalho do que no primeiro. “É isso. Isso mesmo. Vai agora” eram expressões que Nené ia soltando enquanto também ia recebendo palmadas nos ombros dos seguranças para não ficar agarrado às tábuas. No terceiro toiro Nené já está mais comunicativo e parece que a ansiedade desapareceu por completo. João Telles Jr realizou a melhor actuação no seu último toiro e o público soube reconhecer isso pedindo mais ferros ao cavaleiro. Nené deu uma contribuição decisiva para que o cavaleiro, depois de um excelente ferro já na parte final, saísse da praça em estado de graça. “O cavaleiro tem de sair sempre em grande”, diz ao repórter de O MIRANTE que o questiona na hora em que ele se prepara para baixar os braços e dar por concluído o seu trabalho, não deixando de dizer alto e bom som que o neto de Mestre David Ribeiro Telles tinha sido o triunfador da noite.“Quanto maior é a praça maior é o cachê”O MIRANTE tentou desvendar alguns segredos que não é hábito serem revelados nos jornais. Nené, apesar da boa disposição, não deu muita saída. Sobre os cachês dos dois jovens cavaleiros só adiantou que “é um segredo dos deuses” explicando, no entanto, que “quem paga melhor é o Campo Pequeno, o resto é paisagem”. Adiantou ainda que os valores não são tabelados como mercadoria de supermercado mas evidenciou aquilo que parece óbvio: quanto maior é a praça maior é o cachê.Nené foi apoderado de João Telles Júnior enquanto amador e praticante. Também foi apoderado do seu pai, João Telles, “o careca”, como lhe chama. “Temos afinidades porque o João é padrinho da minha filha. Fizemos um interregno e agora estamos novamente juntos. Está tudo a correr bem, o Ginja (alcunha pela qual é tratado pelos mais próximos) tem feito uma temporada belíssima com grandes triunfos. Este ano já fez 30 corridas, 18 em Portugal e 12 em Espanha”.Sobre as funções de um apoderado Nené nem quer falar. “É muito mais fácil ser apoderado de um cavaleiro que é bisneto e neto de grandes mestres, pela escola e pela hierarquia tauromáquica. É um luxo ser apoderado do Ginja”, confessa.Nené queria ser cavaleiro mas o avô disse-lhe que não tinha dinheiro para comprar cavalos e então deu-lhe o barrete de forcado do tio, que já tinha morrido, e disse-lhe: “se quiseres andar nos toiros é como forcado”, conta o empresário a O MIRANTE, já ao fim da noite, no bar do Campo Pequeno. No dia seguinte é dia de corrida em Mérida, Espanha, e quando o repórter pergunta se não é tarde para viajar no dia seguinte o empresário responde sempre com boa disposição, “a hora do deitar não tem nada a ver com a hora do levantar”.Um duelo de jovens cavaleiros encheu a praça do Campo PequenoEram 21h00 de quinta-feira, 3 de Setembro, quando João Moura Júnior entrou na praça de toiros do Campo Pequeno. dez minutos depois juntou-se João Telles Júnior. Os dois estavam ali para protagonizar uma das corridas do ano, um mano a mano histórico devido à rivalidade existente entre ambos. Uma reedição de uma das grandes rivalidades dos últimos 35 anos protagonizada pelos respectivos pais.Das cortesias voltaram sorridentes. A corrida de toiros começou cerca das 22h00, com a primeira lide a pertencer a Moura Júnior. Na trincheira, João Telles estava com “um olho no burro e outro no cigano”: ia vendo a lide do rival e ia observando o público, demorando-se nessa observação. Encostado às tábuas, falou com o bandarilheiro, ultimando os pormenores para a sua primeira lide e, cravado o segundo ferro curto por parte de Moura Júnior, recolheu ao pátio de quadrilhas.A primeira lide de João Telles começou às 22h30. Cansado da primeira actuação, Moura Júnior aproveitou para beber uma Coca-Cola enquanto conversava com o pai. Depois encostou-se às tábuas para ver a lide do colega mas logo chegou Rui Bento Vasques, seu apoderado, e ambos estiveram vários minutos à conversa, num cochicho impossível de perceber. Moura Júnior voltaria à arena às 11h00. Do lado de fora, João Telles ia dizendo “só a trote, só a trote”, queixando-se do comportamento do seu toiro na lide anterior. Foi trocando impressões com o pai, João Ribeiro Telles, e com o tio, António Ribeiro Telles.Seguiu-se um intervalo e ambos os cavaleiros recolheram ao pátio de quadrilhas, ambos despiram as jaquetas e depois, comportamentos distintos: enquanto João Telles, assim que pôde, voltou para cima do cavalo e aproveitou para aquecer mais um pouco, Moura Júnior encostou-se a uma parede do pátio de quadrilhas e passou o tempo à conversa com o pai e restante staff.João Telles lidou o seu segundo toiro, o quarto da noite, e Moura Júnior assistiu, novamente na companhia de Rui Bento Vasques. Às 23h50 os papéis inverteram-se e Moura Júnior lidou o seu último toiro da noite. Na trincheira, João Telles estava exausto. Limpou o suor, numa toalha personalizada com o seu nome e bebeu uma bebida energética . Enquanto descansava e esperava pela última lide, o cavaleiro deu autógrafos, falou ao telemóvel, acenou para a bancada. Foi também advertido, por mais que uma vez, por ter as mãos nas tábuas. Os seguranças da praça, implacáveis, não pouparam nem mesmo os cavaleiros.Autógrafos e mais uma entrevista foi também o que fez Moura Júnior enquanto João Telles lidava o último toiro da noite. No final, tempo para um balanço. “Correu francamente bem. Era uma corrida que exigia muito de nós e acho que fiz coisas bastante boas”, disse João Telles. “A expectativa era muita e acho que correu bem. Faltaram só toiros melhores para haver mais emoção. Da minha parte dei o meu melhor”, comentou por sua vez Moura Júnior. Questionados sobre a rivalidade, João Telles Júnior diz que é “bastante saudável” e garante que se dão bem. João Moura Júnior é da opinião que “quem sai a ganhar é o público”. Quanto à relação entre ambos resume-se assim: “Inimigos lá dentro e amigos cá fora”.
Nené o empresário que também é apoderado numa noite entre barreiras no Campo Pequeno

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