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“Perguntei-me muitas vezes o que andávamos a fazer na guerra”

Carlos Libânio diz que foi o primeiro militar de Vila Franca de Xira a ser chamado para a Guerra do Ultramar

Mobilizado para Angola em Abril de 1961, assume que regressou diferente de um conflito que para si não fazia muito sentido. No sábado esteve presente na inauguração do monumento de homenagem aos combatentes em VFX e recordou essa fase difícil da sua vida.

Carlos Libânio, 76 anos, não podia faltar à inauguração do monumento de homenagem aos combatentes em Vila Franca de Xira. A razão é simples: foi ele o primeiro a sair da localidade para a chamada Guerra do Ultramar. Foi, por isso, um dia pleno de simbolismo o do passado sábado. “Sou de Vila Franca e fui o primeiro combatente a sair daqui, a 21 de Abril de 1961. Fui para Angola, para Quimbela, e voltei a 23 de Maio de 1963”, explica, com ar simples e com o pouco à vontade de quem se dá melhor com actos do que com palavras.Manteve-se a observar de longe a escultura da autoria de João Duarte, só depois chegando perto. “É uma homenagem mais do que justa, mas falta ali um soldado a representar o que é o cansaço. Chamava mais à atenção. Mas tenho orgulho neste monumento”, frisou.Carlos ainda hoje se reúne com os companheiros de combate, revive histórias, mas não esquece esses dois anos terríveis. “Fui em defesa do nosso país. Não fui nada convencido do que ia fazer. Nunca tinha posto na ideia que me dariam uma arma para matar. Só no meio do mato é que senti o pesadelo, que estava a defender a minha vida. A partir daí foi medonho. Todos os dias era atacado”, assegura.As marcas são profundas e apesar de ter conseguido encarreirar uma vida normal, com um trabalho fixo, Carlos não esquece o que passou. “Tive muitas vezes a vida em risco, mas tive sorte porque nunca fui ferido. O nosso comandante era um guerreiro mas também não gostava da guerra, porque percebia que o preto estava a defender o que era dele, percebia que nós é que estávamos ali a mais. Eu senti-me sempre a mais. Tive de matar várias vezes e perguntei-me muitas vezes o que é que andávamos ali a fazer”, refere.O regresso, para Alhandra, onde hoje vive, foi complicado. “Vim uma pessoa diferente, muitas vezes ainda não tenho confiança nos outros. Passei a pensar mais por mim. Fui trabalhar na fábrica de cimentos, na Cimentejo, e até assassino me chamavam. Ainda hoje os combatentes não são nem bem nem mal tratados. Nunca nos deram nada, recebo um subsídio que tem vindo a diminuir. Vila Franca teve esta atenção que é mais do que justa”, reforçou.Um dia pode dar a conhecer mais da sua história, mas tem de ser um exercício de memória. “Tive um diário que fiz durante os anos que lá estive. Mas tive de o deitar ao mar. Fui avisado pelos gajos da PIDE. Tenho tudo na cabeça, começo a pensar em escrever, mas não tive ainda coragem”, conclui.Inauguração marcada pela emoçãoA Câmara Municipal de Vila Franca de Xira inaugurou no sábado, 5 de Setembro, o monumento de homenagem aos combatentes, no Largo 5 de Outubro. A cerimónia foi marcada por muita emoção. O presidente da autarquia, Alberto Mesquita, também ex-combatente e visivelmente emocionado, esteve ao lado de várias entidades, entre eles o coronel Faustino Hilário, secretário-geral da Liga dos Combatentes, e destacou a justiça desta homenagem.“O que aqui foi feito é uma homenagem aos que tombaram, principalmente aos que são de Vila Franca. Aproveitámos para chamar a atenção do poder político de que há muito para fazer”, referiu.O autarca revê-se totalmente na escultura da autoria de João Duarte e quer que este gesto ajude a chamar a atenção para um problema que considera ser de honra. “Este monumento, que acho muito feliz, do escultor João Duarte, vai perpetuar o espírito dos ex-combatentes e serve para que os vindouros não se esqueçam. Há uma tendência para esquecer e isso não pode acontecer. Qualquer país que não honre os seus combatentes, não é um país desenvolvido. Há que apelar à trasladação dos restos mortais dos que ainda estão no estrangeiro para as suas terras”, sublinhou.Já João Duarte confessa que se inspirou na sua experiência como ex-combatente para criar um monumento que levou três anos desde o papel até à realidade. “Qualquer monumento que se faça aos combatentes não é completo em relação ao que se sentiu na guerra. Sou ex-combatente, fiz o 25 de Abril e fui dos últimos a ser mobilizado para Angola. Coloquei aqui algo de mim e da união dos portugueses no mundo. É uma das minhas obras mais emotivas. É em aço inox porque não tem brilho e traduz a fortaleza e a parte emocional”, explicou.

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