“A Barquinha precisa de sangue novo na liderança autárquica”
Luís Valente é um homem multifacetado com responsabilidades repartidas por vários sectores de actividade
Advogado de profissão, Luís Valente é o único vereador da oposição na Câmara de Vila Nova da Barquinha, vice-provedor da Misericórdia de Santarém e membro dos órgãos sociais de algumas outras entidades. Entre tantos afazeres, ainda tem tempo para ser pescador desportivo na 1ª divisão nacional e para voltar a estudar. Nesta entrevista declara-se a favor da agregação de municípios, diz que a Barquinha precisa de sangue novo na liderança e não esconde a sua mágoa por ver o Tejo cada vez mais assoreado e com menos água.
É o único vereador da oposição na Câmara da Barquinha. Representa uma responsabilidade acrescida para si? Sim, porque represento todos aqueles munícipes que não se revêem no actual poder político na câmara. Procuro exercer essa responsabilidade com isenção do ponto de vista partidário e tomo as decisões que julgo serem mais assertivas em consciência.É difícil esse trabalho solitário, já que é o único vereador da oposição à maioria? É difícil, mas nunca me senti marginalizado pelo restante executivo.Dão-lhe acesso a toda a informação e documentação? Aquela que tenho solicitado, com mais ou menos resistência, tenho tido acesso. E há um conjunto de processos a decorrer para os quais já tenho autorização para consulta. Concebo o executivo como um bloco. Sou um vereador eleito por outro partido mas vejo o executivo como um bloco. O concelho da Barquinha tem sido bem gerido? Venho a dizer isto desde a campanha eleitoral: acho que há muitas lacunas e que sangue novo era muito importante. Porque tem menos vícios. O que me parece é que, com pouco, pode-se fazer mais. O dinheiro que vem para o concelho é escasso, é verdade. Mas temos de nos comparar com municípios de igual valia, como Constância, Chamusca ou Golegã, que têm dimensão semelhante. Por exemplo, em Vila Nova da Barquinha temos uma zona industrial com uma localização fantástica que devia ser mais incentivada. Defendi que a derrama para as empresas do concelho devia ser zero. Era um incentivo ao investimento. E a câmara aceitou e este ano voltou a isentar. São pequenos mas importantes contributos para o desenvolvimento global do concelho. O turismo náutico, num concelho banhado por dois rios, está bem aproveitado? Esse é outro exemplo. Não posso olhar para uma empresa que faz turismo náutico, que, entre aspas, usa todo o território do Tejo que banha Vila Nova da Barquinha e que não fique nenhuma fatia de riqueza no concelho em relação a essa exploração comercial.O que defende nesse capítulo? Se fosse presidente de câmara procurava identificar quem eram os donos dessas empresas e dar-lhes condições para que pudessem sediar-se no concelho de Vila Nova da Barquinha, criando postos de trabalho. Temos outras áreas, os ditos clusters, como o da madeira, que poderiam ser exploradas e incentivadas. O turismo náutico não está condicionado pelo facto de em boa parte do ano o Tejo não ter um caudal minimamente aceitável? Acho que nunca ninguém deixou de descer o rio por falta de água. Mas dá-me muita pena ver a ilha do castelo de Almourol progressivamente a deixar de ser ilha e a ter acesso pedonal. Não consigo conceber essa ideia e aceitá-la de braços cruzados. A água é um problema que o município não consegue gerir sozinho. A questão tem também a ver com a gestão das albufeiras, com a gestão do açude no Tejo em Abrantes… Há questões que se deviam ter colocado há alguns anos.Como por exemplo? O açude que está em Abrantes não poderia ter sido feito a jusante do castelo de Almourol? Alguém colocou essa questão? Alguém reflectiu sobre isso? Faltou uma visão mais abrangente nesse como em outros investimentos? Falta às vezes discutir obras que podem ser estruturantes. O açude é uma obra que, se calhar, feita mais abaixo poderia ter outro efeito e teríamos hoje o castelo dentro de uma pequena albufeira. A minha questão não é dizer que o açude está mal em Abrantes, mas se isso foi discutido o suficiente de forma aberta e pública com os agentes intervenientes.O parque ribeirinho de Vila Nova da Barquinha, onde se inclui o Parque de Escultura Contemporânea, foi uma boa aposta? Hoje está feito e não vale a pena estarmos a discutir isso. Eu defendia outra localização, porque são terrenos férteis, mas com um modelo semelhante. O investimento foi feito sob o ponto de vista da rentabilidade, ou seja, do pouco fazer muito. Com os protocolos celebrados pelo município com alguns parceiros, do pouco conseguiu fazer-se muito. O resultado final é claramente superior ao investimento inicial realizado. Isto é muito importante, porque hoje ninguém consegue sobreviver sem parcerias.“Se mexessem nos concelhos era uma revolução no país”Faz a sua vida em Santarém e é vereador da oposição na Câmara de Vila Nova da Barquinha, de maioria PS. Parece uma incongruência, não é? Mas hoje a distância é relativa. E podia dar exemplos até de presidentes eleitos em municípios com os quais não têm qualquer afinidade…Como é que se faz política de proximidade vivendo a 50 km de distância? A questão é que tenho os meus pais a viverem em Vila Nova da Barquinha, onde também tenho a minha residência, e sinto os problemas locais. Hoje 50 km não é uma distância assim tão grande com as vias de comunicação existentes.Faz sentido existirem municípios tão pequenos como o de Barquinha nos tempos actuais, em que as vias de comunicação e os meios de transporte públicos e particulares encurtaram distâncias acentuadamente? Na minha opinião não. Os municípios, sem perderem a sua identidade, deveriam agrupar-se para aquilo que são as grandes opções. Há muitas freguesias que são cidades e não vem daí nenhum mal ao mundo.A continuidade urbana entre o Entroncamento e a Barquinha facilitaria uma agregação desse tipo. Acho que devia ser alargada a outros concelhos. Claro que isto tem a ver com outras implicações. Porque depois dos problemas com a agregação de freguesias, se fossem mexer nos concelhos era uma revolução no país.Ou seja, as freguesias é que acabaram por pagar a factura da reforma administrativa feita pelo anterior Governo. Que infelizmente ficou incompleta…A região está cada vez mais dividida entre duas associações de municípios - Médio Tejo e Lezíria. O que pensa disso? Essa pluralidade parece-me que pode fazer sentido.Mas os municípios não ganhariam escala e peso reivindicativo se estivessem todos unidos numa só associação? Se juntamos situações muito diferentes acabamos também por diluir e descaracterizar. Tudo deve ser feito por etapas. Acho que nesta fase deve continuar como está. Sente-se mais um homem do Médio Tejo ou da Lezíria do Tejo? Sinto-me um homem de Vila Nova da Barquinha (risos). Cada um dos blocos é importante do ponto de vista dos fundos comunitários. Se há municípios que têm identidades muito próximas então é importante que funcionem como um bloco. Quando passou pela Câmara de Santarém, Moita Flores disse que queria reforçar a capitalidade de Santarém na região. Acha que o conseguiu? Santarém é hoje uma capital incontestada e incontestável no Ribatejo? Santarém é a capital do Ribatejo, administrativamente é. Com a última reforma judicial, por exemplo, o tribunal mais importante ficou em Santarém. A criação de condições para a instalação de novos tribunais em Santarém foi uma boa aposta do município? Sim, sem dúvida. Traz riqueza e é isso que os municípios devem defender, tal como o projecto da Fonte Boa. É importantíssimo para esta região ter projectos que tragam saber e saber fazer. Traz para cá pessoas, cria assuntos de conversa, motiva.Até onde vão as suas ambições políticas? Neste momento só tenho ambições profissionais. Em relação à política, a minha ambição é desempenhar com dignidade as minhas funções como vereador eleito.É vice-provedor da Santa Casa da Misericórdia de Santarém. A crise fez-se sentir de forma muito acentuada na instituição? Sentimos necessidade de fazer algumas adaptações devido às consequências económicas que o país atravessou e que continua a atravessar. Há mais gente a procurar as nossas respostas, como é o caso das cantinas sociais. A chamada pobreza envergonhada existe ou é um mito urbano? Quando se está numa posição de fraqueza ninguém gosta de a publicitar. Percebo o que se quer dizer com o conceito de pobreza envergonhada, mas não devia existir. O que digo é que ninguém hoje tem obrigação de passar fome. As carências são muitas a esse nível mas também há respostas à altura e com reserva. As pessoas não têm de ficar expostas à comunidade.“Um processo de insolvência é estigmatizante”Nestes últimos anos as empresas, tal como os particulares, têm vivido grandes dificuldades. Como advogado, sente que os processos de insolvência são particularmente dolorosos para quem os atravessa? São. Para quem passa por um processo de insolvência é estigmatizante. A pessoa até pode vir um dia mais tarde a abrir outra empresa, mas é estigmatizante. A sociedade é cruel. Ser considerado insolvente é o reconhecimento de que alguém teve um projecto e fracassou.E o lado dos credores? É também dramático porque também têm de prestar contas a alguém. Isto é uma cadeia e se a cadeia se parte há problemas a montante a jusante. E se a exposição for maior então traz problemas gravíssimos até de sobrevivência das próprias empresas que estão a montante e a jusante. A reforma do mapa judiciário feita o ano passado foi uma boa medida? Aí sou suspeito porque tenho o escritório na comarca de Santarém e tendo os tribunais aqui facilita-me. Percebo que seja difícil de explicar à população de determinados concelhos porque é que determinadas competências saíram dos seus tribunais e por que é que passaram a ter de se deslocar a Santarém. Isto é um pouco andar para trás. Mas também há uma coisa que se tem de procurar, que é não haver litigância só pela litigância.Os advogados aí não têm algumas responsabilidades? Os advogados devem de forma intransigente defender os interesses dos seus constituintes, dentro das regras legais e de uma forma isenta. Não há um recurso exagerado aos tribunais? A lei o permite. Já recusou algum caso? Já, em casos que possam violar a minha consciência, como os crimes contra a vida, porque a vida é o bem supremo. Não sou obrigado a aceitar um processo que choque e que viole a minha consciência. Advogado, autarca e pescador Luís Valente nasceu em Torres Novas em 17 de Janeiro de 1969, mas viveu toda a infância e juventude em Vila Nova da Barquinha, onde continua a ter a sua morada oficial apesar de residir em Santarém. É casado e não tem filhos. Advogado de profissão, é vereador do PSD na Câmara Municipal de Vila Nova da Barquinha, vice-provedor da Santa Casa da Misericórdia de Santarém e pertence aos órgãos sociais de diversas outras organizações, nomeadamente: membro do conselho de administração da Fundação Rotária Portuguesa e director do jornal dessa entidade; presidente da Associação dos Prestamistas de Portugal; presidente da assembleia-geral da Federação Nacional das Associações de Feirantes; membro do conselho fiscal do CNEMA - Centro Nacional de Exposições e Mercados Agrícolas; da concelhia do PSD de Vila Nova da Barquinha; membro do Rotary Clube do Entroncamento; e membro do Justiça da Associação de Futebol de Santarém;Para além disso, ainda tem tempo para andar a tirar um mestrado na Escola Superior de Gestão de Santarém e de praticar pesca desportiva federada, competindo na 1ª divisão nacional ao serviço do Clube Amadores de Pesca de Abrantes. Benfiquista militante, gosta de futebol porque considera “importante existir paixão”. Aficionado pela festa brava, assume que gosta de comer bem e que é um apreciador das coisas boas da vida.Na prática reside em Santarém, onde tem o seu escritório, mas a residência oficial e para documentos continua em Vila Nova da Barquinha. Nunca quis abdicar de lá ter a residência porque as verbas que vêm do poder central são distribuídas também em função do número de habitantes de cada concelho. Por isso, é também lá que vota, “pelo menos por ora”.
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