Um dos últimos pioneiros da Feira do Ribatejo
José Júlio Eloy é expositor desde a primeira edição e pertenceu durante muitos anos à comissão organizadora. Empresário envolvido desde a sua juventude no movimento associativo escalabitano, José Júlio Eloy é um histórico da Feira do Ribatejo/Feira Nacional de Agricultura, a cuja organização pertenceu desde a segunda edição até à transferência do certame para o CNEMA, parque de exposições de que também é accionista. Diz que gostava de ver a feira no meio da cidade, mas considera que a mudança para a periferia era inevitável pois já não havia para onde crescer.
A sua empresa participa, como expositora, na Feira do Ribatejo desde a primeira edição. Continua a ser uma boa aposta? Foi sempre uma boa aposta. No princípio era melhor, vinham muitos clientes novos porque nas suas localidades não havia feiras como a nossa, com máquinas modernas. Foi uma boa época comercial da Agro-Ribatejo na feira. Hoje há outras feiras no país, embora não tão importantes, e são sobretudo os velhos clientes que nos visitam. É uma sala de visitas para os nossos clientes. Convive-se e faz-se negócio.
A Agro-Ribatejo é accionista do CNEMA (Centro Nacional de Exposições e Mercados Agrícolas) e o senhor integra os órgãos sociais como vice-presidente da assembleia-geral. Está satisfeito com a gestão que tem sido feita ao longo dos tempos no parque de exposições? O CNEMA é uma empresa muito complexa. Geralmente meço os outros pelas dificuldades que passam pela minha empresa. É uma empresa onde se tem que ter uma mão muito grande para abranger tudo. Tem que se ter cabeça e apesar de algumas críticas vamos tendo bons resultados. Já tivemos desaires, mas a feira continua a ter bons resultados e a projectar o nome de Santarém, que é o que interessa.
Como accionista, tem voz activa na tomada de decisões da administração do CNEMA? Tal como os outros accionistas, temos voz nas assembleias gerais. De resto é à administração que compete gerir e depois ser avaliada pelos resultados obtidos.
De vez em quando surgem vozes a defender um maior peso da Câmara de Santarém na estrutura accionista do CNEMA, de forma a contrabalançar o poder, por alguns considerado excessivo, que a CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal), accionista maioritário, tem na sociedade. O que pensa disso? Acha que o município devia ter mais intervenção na gestão do CNEMA? Os administradores têm que ter tempo e estar ligados às organizações que comandam. Gosto muito da Câmara de Santarém, até porque fui lá vereador, mas acho que a autarquia deve olhar sobretudo para as muitas áreas que lhe compete gerir embora, logicamente, acompanhando também a gestão do CNEMA. Aliás, o presidente da câmara tem assento no conselho de administração do CNEMA e tem a palavra nas reuniões.
Acha então que devem ser os privados a liderar e gerir este tipo de infraestruturas? Acho que sim. Não vejo necessidade alguma de a câmara pôr lá mais capital.
O papel secundário que a câmara tem tido na gestão do CNEMA tentou ser contrariado pelo anterior presidente da câmara Moita Flores, o que resultou numa guerra aberta entre as duas entidades por alturas da Feira da Agricultura, com uma feira no CNEMA e outra no Campo Infante da Câmara em simultâneo. Como viu esses tempos de conflito entre as duas entidades? Foi um desperdício de recursos? O resultado todos nós vimos! Quiseram retirar recursos que o CNEMA tinha, organizando uma amostra de feira, e no fim não houve resultados palpáveis. E a Feira da Agricultura continuou e continua. Houve choques mas foi sobretudo entre pessoas, pois o CNEMA continuou com a sua orientação.
A transferência da Feira Nacional de Agricultura/Feira do Ribatejo do centro da cidade para o Centro Nacional de Exposições não constituiu um processo consensual e ainda hoje motiva discussão. De que lado estava quando se processou essa mudança? Pertenci à comissão da Feira do Ribatejo desde a sua segunda edição (1955) até esta sair do planalto. Era o mais jovem na altura. Houve muita discussão mas penso que o que se passou tinha que se dar. Estávamos a chegar ao limite, não havia mais possibilidades de alargar a feira. A direcção da comissão da antiga Feira do Ribatejo/Feira Nacional de Agricultura já pedia aos expositores para encolherem os seus espaços, para poderem dar entrada a outros. Houve a possibilidade de alargar a feira para o campo de futebol Chã das Padeiras, mas tínhamos que adquirir o campo e mudá-lo para outro sítio. Ficávamos com uma feira maior, é certo, mas hoje as pessoas têm que se convencer que uma feira como a que está montada lá em baixo era impossível de ter aqui em cima.
A cidade não comportava um evento daquela dimensão no seu centro. Era do agrado de todos, e meu também, sair de casa e estar na feira. Eu cheguei a morar em frente à feira. Mas não havia espaço e a feira não tinha dado o pulo que deu. Veja-se a questão do estacionamento. Apesar da dimensão do parque que temos lá em baixo, já começamos a ter problemas a esse nível em certos dias e já há perspectiva de alargar o parque. As condições lá em baixo são melhores, embora a dimensão daqueles edifícios seja um bocadinho exagerada. É um custo permanente em termos de manutenção.
Hoje a feira é visitada por muita gente, sobretudo jovem, que ali vai motivada pelos espectáculos com artistas de renome da música. Como encara essa realidade? A feira não é só música. Este ano, por exemplo, temos 750 expositores que ocupam cerca de 34 mil metros quadrados. É a melhor feira do país na área da agricultura e orgulhamo-nos muito disso. Em relação aos visitantes, em 2015 a feira teve cerca de 180 mil visitantes e destes 40 mil são profissionais. Daqui podemos tirar uma ilação: as pessoas não vão só para ver os espectáculos da noite. Durante o dia há muita gente a visitar a feira.
A aposta da Nersant em realizar a Fersant no CNEMA em paralelo com a Feira de Agricultura foi uma boa aposta? Foi muitíssimo boa e agradável. É importante para a Nersant e para o CNEMA.
Numa entrevista a O MIRANTE em 2007, Hermínio Martinho dizia que “o CNEMA descaracterizou e matou a Feira do Ribatejo”, que tinha características mais tradicionais. É uma avaliação realista ou exagerada? São avaliações do momento. Hoje é capaz de já não pensar da mesma maneira. As coisas evoluem de tal maneira que um pensamento de há meia dúzia de anos já não é o mesmo de hoje. As coisas vão mudando e as tradições não podem ser iguais às de há 40 ou 50 anos. Mas esta feira tem pugnado por ter sempre aqui os campinos, os cavalos e os touros. São menos, mas estão lá a representar o Ribatejo.
Uma das críticas é a de que as feiras que se realizam no CNEMA passam ao lado da cidade. Muitos dos visitantes não chegam a entrar em Santarém e, por outro lado, os escalabitanos por vezes nem dão conta dos eventos que se realizam no parque de exposições. Recordo-me que antes havia alguns comerciantes da cidade que diziam que não lucravam nada com a feira, pois as pessoas ficavam na feira e não iam à cidade. Agora tirem as ilações que quiserem… E a feira estava cá em cima. Gostávamos todos de ter a feira dentro da cidade, mas já não é possível.
“Temos tudo do melhor para atrair empresas”
Continua a gerir a Agro-Ribatejo. Não pensa em reformar-se e passar a pasta? O meu filho Gonçalo já está há alguns anos comigo e é uma pessoa que me pode substituir plenamente. Mas enquanto puder continuarei a querer ser o homem que sabe aquilo que se passa na sua Agro-Ribatejo no dia a dia. Tenho que ouvir, tenho que aconselhar e tenho que, inclusive, ralhar, entre aspas, porque aqui somos todos amigos. Tanto levanto a voz ao meu filho como ao empregado mais novo ou mais antigo.
Gosta de controlar a informação toda. Gosto. Quem comanda, quem está à frente de qualquer coisa, tem que saber o que se passa. Aliás, em todas as instituições a que pertenci fiz o mesmo e não me dei mal.
Tem receio de, com a reforma, ficar com demasiado tempo livre para gerir e não saber o que lhe fazer? Não é por isso. Mas sinceramente digo que não abro um livro, das centenas que tenho em casa, há já não sei quanto tempo. Não tenho tempo. A empresa leva-me muito tempo e os jornais e revistas do fim-de-semana são a minha leitura habitual.
Como está a vitalidade económica de Santarém? Santarém e o país estão a atravessar uma fase muito má. Já há alguns anos que venho dizendo que isto não está bem. Francamente, é com muita tristeza que digo que não sei onde isto vai parar. A minha idade já não me permitirá ver coisas muito melhores, mas sinto, porque tenho o pulso do que se passa comercialmente e financeiramente, que isto está muito mal. Está tudo parado, não há obras abertas pelo Estado.
Continua a ouvir-se recorrentemente que não há terrenos infraestruturados na cidade para instalar grandes indústrias. Há diversos terrenos. Inclusivamente aqui na chamada zona industrial há disponibilidade de terrenos, os projectos é que não aparecem, apesar do presidente da câmara ter dito há pouco tempo que havia boas expectativas de algumas empresas se instalarem em Santarém.
A boa localização e os bons acessos não chegam para captar investimentos? Temos tudo do melhor para atrair empresas. O que acho é que as coisas morreram. Todos os dias olhamos para o jornal e infelizmente vemos o que se passa nos parques industriais. Aliás, temos alguns parques industriais aqui à volta e vemos o que se passa lá. Têm tudo para atrair empresas e as coisas não acontecem.
Parece uma pessoa desiludida com o estado a que o país chegou. Infelizmente vejo todos os dias as notícias e entristecem-me. Por natureza até sou pessimista, mas neste caso não sei como é que se há-de agarrar nas coisas e levá-las para a frente.
Santarém continua a merecer o título de capital do Ribatejo? Penso que sim. Para mim é uma cidade muito especial e julgo que o seja também para todos os escalabitanos. É uma cidade agradável, onde se está bem. Uma cidade que tem muita coisa de que nos orgulhamos para mostrar.
O património histórico tem sido bem valorizado, potenciado em termos turísticos? Penso que sim. A pouco e pouco tem-se movimentado esse sector. Nós às vezes é que esquecemos determinadas coisas. A Igreja do Santíssimo Milagre recebe todas as semanas centenas de pessoas e nem nos apercebemos. Temos igrejas extraordinárias, como a da Piedade, que tem um interior lindíssimo e que tem vindo a ser recuperado. E ultimamente temos uma coisa importantíssima que é o Museu Diocesano, que ganhou recentemente um prémio europeu. Se poderemos mexer mais? Bem, gostava de ser mais novo e entrar nisso também. Espero que a mocidade se agarre a estas coisas, que se mexa.
A cidade e o concelho têm tido governantes à altura? Cada um à sua maneira, julgo que sim. O actual presidente da câmara, apesar de algumas críticas que se vão ouvindo, penso que tem sido um bom dirigente e uma pessoa que tem sabido estar à altura da nossa câmara.
E o seu antecessor, Moita Flores? Há quem diga mal e há quem diga bem... É certo que foi uma pessoa que apareceu com muitas ideias, que também fez muita coisa e gastou muito dinheiro que a câmara está a pagar. O que pergunto é: se ele não fosse aquele homem de ideias avançadas, nós teríamos algumas coisas que temos hoje e que choramos que temos de pagar? Isso é uma análise que se tem de fazer com alguma ponderação, analisando o custo e o benefício.
Um homem dedicado à comunidade
José Júlio Rosa Eloy nasceu no dia 7 de Janeiro de 1936 em Lisboa, onde a família vivia à época, mas ainda em criança veio para Santarém, onde continua a residir. Casado há 46 anos, pai de três filhos e avô de cinco netos, o empresário, filho e neto de homens de negócios, começou cedo a conviver com esse mundo: quando chumbou no 5.º ano do liceu, o pai, José Virgílio Eloy Godinho, retirou-o da escola e pô-lo a trabalhar na recém-criada Agro-Ribatejo. “E em boa hora o fez, pois não me dei mal”, diz.
O empresário é sócio-gerente de várias empresas, mas a sua base é na Agro-Ribatejo, criada pelo pai em 1954, que tem as instalações na zona industrial de Santarém. O objectivo principal era a comercialização de máquinas, peças e acessórios para a grande lavoura e também para algumas máquinas de terraplanagem que na altura constituíam uma inovação no mercado. Hoje, trabalham sobretudo na venda de componentes dos rastos (lagartas de ferro) para maquinaria de obras públicas e industriais. José Júlio Eloy continua a usar o papel e a caneta para trabalhar, porque o computador é ferramenta que não o atrai. “Tenho os outros que fazem por mim o trabalho de estar ao computador”, diz.
Foi na juventude que começou a participar no movimento associativo da cidade. Entre outros cargos, José Júlio Eloy foi presidente da Federação dos Grémios de Comércio do Distrito de Santarém, do Grémio do Comércio de Santarém, do Núcleo de Santarém da Cruz Vermelha, do Albergue Distrital de Santarém, da Sopa dos Pobres de Santarém, do conselho fiscal do CNEMA, da Conferência Académica São Vicente de Paulo, da Banda dos Bombeiros Voluntários de Santarém, dos Bombeiros Voluntários de Santarém.
Desempenhou ainda os cargos de vice-provedor da Misericórdia de Santarém (responsável pelas corridas de touros na Monumental Celestino Graça), vice-presidente do Grupo de Futebol “Os Leões de Santarém” e tesoureiro do Clube de Santarém. Pertenceu também durante muitos anos à organização da Feira do Ribatejo e ainda teve uma passagem breve pela política, quando foi vereador da Câmara Municipal de Santarém de 1972 a 1974. “Só estive na câmara dois anos, até pouco depois do 25 de Abril, mas ainda hoje sinto a câmara como se fosse a minha casa”, diz.
Actualmente, José Júlio Eloy pertence ao Conselho Geral da Nersant - Associação Empresarial da Região de Santarém, é vice-presidente da assembleia-geral do CNEMA e do Clube de Caçadores da Represa e secretário da assembleia geral da CNAPI - Confederação Nacional das Associações de Proprietários Imobiliários de Lisboa.
A sua actividade em prol da comunidade valeu-lhe o reconhecimento de diversas entidades. Em 1972 foi-lhe atribuída pelo Presidente da República Américo Thomaz a Comenda da Ordem do Mérito Agrícola e Industrial. Em 1997, foi distinguido pela Câmara de Santarém com o título de “Scalabitano Ilustre”. E em 2004 recebeu o Prémio Carreira Empresarial atribuído pela Nersant e por O MIRANTE.