Dois inabaláveis optimistas que partilham a convicção de que 2017 vai ser um grande ano
Francisco Jerónimo, presidente da Associação de Futebol de Santarém, e José Alho, vice-presidente do INATEL
O primeiro-ministro e o Presidente da República têm concorrência de peso a nível de optimismo, no distrito de Santarém. O vice-presidente do INATEL, José Alho, e o presidente da Associação de Futebol de Santarém não admitem qualquer possibilidade de o ano que agora começou correr mal. Pelo menos no nosso país. E mesmo a nível internacional consideram que há um alinhamento favorável. Durante uma hora os dois conversaram animadamente sobre muitos assuntos sobre os quais não é hábito falarem a nível profissional. A excepção foi um elogio comum ao associativismo.
Nem sempre as recordações dos natais de infância são as melhores. Com José Alho é assim. Pelo menos quando a conversa é sobre as prendas que nos marcaram enquanto crianças.
“Eu era o mais novo da família e convenceram-me que para ter uma prenda tinha que pôr um sapatinho na lareira. E eu acreditei e coloquei umas botas novas que me tinham comprado algum tempo antes. No dia de Natal, de madrugada, fui a correr ver qual tinha sido a minha prenda e foi terrível. Uma das botas tinha caído na lareira e tinha-se transformado num bocado disforme de borracha queimada. Foi extremamente traumático. As minhas crenças ficaram fortemente abaladas. Tudo o que tinha um pouco de espiritualidade e esoterismo ardeu com aquela bota”, conta o vice-presidente do INATEL num tom entre o sentido e o irónico. E é no mesmo tom que diz que podia ser pior. “Como nasci a 24 de Dezembro podiam ter-me chamado Natálio”.
O seu companheiro de conversa, Francisco Jerónimo, nunca passou por algo parecido. Lembra-se de num Natal ter recebido uma camioneta de brincar cuja carroçaria levantava para descarregar. “Foi uma prenda que me deixou fascinado”, revela, lamentando que se tenha passado do oito para o oitenta em matéria de presentes. “Antes era uma simples prendinha. Agora são horas a abrir prendas. É um ponto alto da sociedade de consumo a que as pessoas não conseguem escapar”.
Os dois são oriundos de aldeias. Francisco Jerónimo é de Pintainhos, no concelho de Torres Novas, e José Alho de Atouguia, no concelho de Ourém, onde ainda reside. A sua relação com os animais é marcada pelas suas vivências nesses ambientes rurais.
O presidente da Associação de Futebol de Santarém diz que em casa dos pais sempre houve animais e refere o cão, o gato, o burro que puxava à nora para tirar água do poço para regar a horta, por exemplo, para além dos coelhos, galinhas e outra criação. Mas agora que vive num apartamento não lhe passa pela cabeça ter um animal de companhia.
“Não me vejo a ter animais num apartamento. Não estou a criticar ninguém mas não me sentiria bem tendo um animal fechado num apartamento. Tenho duas filhas e houve alturas em que elas me pediram para ter animais mas eu fui fazendo de conta que não percebia”.
Por ainda viver na aldeia, José Alho tem uma cadela de raça pastor alemão, chamada Laica, mas cada um tem o seu território. “A partir da porta de casa para dentro é o meu espaço e da porta para fora domina ela, apesar de eu ter direito de passagem e de frequentar o quintal. Acho que é uma recompensa por eu a alimentar, passe a brincadeira. Mas se estivesse confinado a um apartamento, também não sujeitava um animal a esse tipo de stress, por uma questão de coerência”, explica.
Para além de presidente da Associação de Futebol de Santarém, Francisco Jerónimo é presidente da assembleia geral da Sociedade Recreativa Pintainhense onde começou a entrar ainda criança pela mão do seu pai.
“Muitas vezes passa despercebido o contributo do associativismo para a formação de milhares de jovens. É nos clubes e associações que eles aprendem a viver em equipa e a apostar na entreajuda para vencerem os desafios do dia a dia. É um privilégio pertencer a uma colectividade e quem apanha o vírus já não consegue curar-se. A sociedade dos Pintainhos ficava do outro lado da rua. O meu pai era director. Havia teatro, música, bailes”, refere Francisco Jerónimo.
José Alho é da mesma opinião. “O trabalho que se faz ao nível do associativismo é uma extensão da educação proporcionada pelo sistema de ensino e pela família. É fundamental para consolidar determinados valores. Os jovens que frequentam as escolas de desporto das associações não aprendem só as modalidades. Aprendem também um conjunto de regras éticas. Uma cartilha de valores. Embora alguns possam resvalar para essas áreas marginais a grande maioria é conquistada para uma cidadania mais positiva”, declara.
Francisco Jerónimo e José Alho sonham melhor acordados do que a dormir. O presidente da Associação de Futebol de Santarém não se lembra da maior parte do que sonha e quando se lembra não dá muita importância. José Alho preferia mesmo não sonhar durante o sono. “Tenho sonhos mas não são propriamente uma coisa muito boa. São o continuar da grande tensão a que sou sujeito no meu dia a dia. Esse tipo de sonhos não me dá grande felicidade. Gosto mais do sonhar acordado”, confessa.
Todos os natais à volta da fogueira da praça na aldeia dos Pintainhos
O presidente da Associação de Futebol de Santarém, Francisco Jerónimo, passou todos os natais da sua vida na aldeia de Pintainhos, concelho de Torres Novas, de onde é natural. E este ano não foi excepção, embora actualmente resida em Santarém.
“Nunca passei o Natal noutro sítio. Há o Natal familiar e há o Natal da própria comunidade que tem como atracção principal a fogueira que se faz no largo da aldeia. Hoje em dia as pessoas já não passam a noite à volta da fogueira como quando eu era criança e jovem e as casas não tinham as condições de habitabilidade que têm hoje em dia, mas toda a gente vai ver a fogueira. É um momento de grande intensidade. Até há três ou quatro anos atrás era sempre o senhor António Vicente que acendia a fogueira. Mesmo quando já estava com bastante idade iam buscá-lo a casa para a acender”.
A passagem pelo largo para ver a fogueira ajuda na passagem da tradição para os mais novos e é também um momento de reencontros. “Quando era mais novo passava lá a noite de Natal inteira com amigos. Conversávamos, comíamos, bebíamos uns copos, ouvíamos histórias contadas pelos mais velhos e aparecia sempre alguém com uma cafeteira de café. Agora não passo lá a noite mas é lá que reencontro pessoas que só vejo uma vez por ano, por esta altura, por estarem a viver longe. É um local de reencontros”.
Francisco Jerónimo conta que há alguns anos foi colocada no largo uma escultura em ferro, de homenagem ao povo de Pintainhos, que o escultor José Coelho, um filho da terra, fez.
O roubo cultural sem cultura e a violência de uma violação de privacidade
José Alho já foi assaltado duas vezes. Os dois assaltos aconteceram há muitos anos e não houve qualquer contacto com os assaltantes mas apesar disso o vice-presidente do INATEL ainda sente uma sensação de desconforto quando fala do que lhe sucedeu.
“Eu gosto muito de fotografia. Costumo dizer que se pudesse mudar de vida escolhia ser fotógrafo da natureza a tempo inteiro. Por causa dessa paixão tinha o hábito de andar sempre com um estojo com máquina fotográfica e objectivas no carro. Um dia fui a Conímbriga fazer uma reunião de trabalho com uns colegas e quando a reunião acabou verifiquei que tinha a fechadura do carro estragada.
Naquela altura estava na moda o roubo de auto-rádios e por isso a minha reacção imediata foi olhar para o lugar do auto-rádio. Como ele estava lá, meti-me no carro e arranquei. Mas uns metros mais à frente lembrei-me da máquina e parei. Quando abri a bagageira vi que tinham limpado tudo. O estojo com a máquina e objectivas e uma pasta com documentos. Fui à polícia e o que achei mais curioso foi eles terem identificado aquilo como um roubo cultural”.
A classificação policial fazia algum sentido como José Alho constatou anos depois quando já era vereador na Câmara de Ourém. “Tínhamos ido fazer a inauguração de umas calçadas medievais à volta do castelo e os convidados deixaram os carros estacionados num parque. Quando voltámos todos os carros tinham sido assaltados”.
O outro assalto de que José Alho foi vítima ocorreu num apartamento em Lisboa onde residiu. “Fiquei a saber que fui assaltado por um indivíduo que estava referenciado pela polícia. Entrava nas casas e levava objectos para vender. O pior de tudo é a sensação de termos a nossa privacidade violada. Durante semanas eu vivi com esse terrível desconforto”.