Vítimas de legionella arrasam políticos e justiça e elogiam hospital
Revelado estudo desenvolvido por professor do Instituto de Ciências Sociais. Quatro dezenas de vítimas do surto de legionella que afectou o concelho de Vila Franca de Xira sentaram-se à mesa e avaliaram a forma como as diferentes entidades lidaram com o surto de Novembro de 2014. Nota negativa para os autarcas locais, governo e empresas.
Um estudo desenvolvido por um professor do Instituto de Ciências Sociais (ICS) envolvendo uma amostra de quatro dezenas de vítimas do surto de legionella registado no concelho de Vila Franca de Xira em Novembro de 2014 mostrou que a maioria gostou da forma como foi atendida pelos serviços de saúde mas considerou “muito negativa” a actuação dos autarcas locais e do governo.
Os dados foram revelados na noite de 12 de Janeiro em Vila Franca de Xira durante um encontro promovido pela Associação Promotora do Museu do Neo-Realismo e Associação Alves Redol sobre o tema das minas da urgeiriça e da legionella, surto que infectou 375 pessoas e ceifou a vida a outras 12.
Quando questionadas para avaliar na escala entre “muito negativa” ou “muito positiva”, as vítimas deram nota máxima de satisfação ao Hospital Vila Franca de Xira e à actuação do Serviço Nacional de Saúde. A delegação local da Ordem dos Advogados recebeu também uma opinião positiva e depois é sempre a descer. A fábrica suspeita de ser a responsável do surto, a ADP Fertilizantes do Forte da Casa, é avaliada de forma “muito negativa”, juntamente com a Agência Portuguesa do Ambiente, câmara municipal e juntas de freguesia.
“O sistema judicial e os tribunais foram também avaliados muito negativamente e citados muito frequentemente como um sistema que não funciona e cuja orgânica poucos compreendem”, explicou João Guerra, professor responsável do estudo.
Ainda no que diz respeito à ADP Fertilizantes, o professor refere que é “incontestável” a ideia de que os lesados devem ser indemnizados de acordo com o seu grau de afectação mas, curiosamente, quando questionados sobre se a empresa deveria fechar portas, a maioria defendeu que não. “Apesar de tudo ninguém advoga o encerramento da empresa. Em tempos de crise o fantasma do desemprego poderá jogar aqui um papel determinante”, explicou.
João Guerra concluiu que, no geral, as pessoas “sentem-se abandonadas” e que nada foi feito para “precaver e remediar” o que aconteceu. A prometida revisão da legislação também ainda não aconteceu.
Criação de associação é “fundamental”
A sessão contou com a presença de Eduardo Vicente, da Associação Cívica “Os Amigos do Forte”, de Joaquim Ramos, vítima da legionella que está a tentar criar uma associação de vítimas, e também do activista ambiental António Eloy. Este último defendeu a “extrema necessidade” de ser criada uma associação que agregue todas as vítimas. “Cada um por si, com o seu advogado, não vai dar em nada. Isso é precisamente o que os advogados querem. Houve uma negligência absoluta do Estado, que tem de assumir essa responsabilidade e indemnizar as vítimas”, criticou.
A sessão, realizada no auditório da junta de freguesia, foi bastante participada e contou com casa cheia, mas apenas uma vítima do surto estava na audiência, que criticou o facto do assunto andar esquecido da agenda mediática. Maria José, outra participante na sessão, lembrou que o surto de legionella ainda não acabou e que todos os dias há gente que luta com as sequelas do problema. “Não sabemos no futuro se este surto não deixará as vítimas com fragilidades. Devíamos estar a lutar para criar um fundo de apoio a estas pessoas porque mais do que problemas de saúde houve também problemas psicológicos e sociais, muita gente que passa por grandes dificuldades”, lamentou António Eloy.
Joaquim Ramos lamentou “alguma desunião” entre as vítimas que resulta nas dificuldades em criar uma associação. “Toda a gente fala mas na hora de se juntarem quase toda a gente recua”, lamentou. As associações presentes na sala disponibilizaram-se para ajudar.
Registo nacional permite atendimento específico
Actualmente existe um registo nacional das vítimas do surto de legionella em Vila Franca de Xira e o acompanhamento das vítimas, por parte do Serviço Nacional de Saúde, é regular. A garantia foi deixada por António Eloy. “As vítimas devem pedir ao seu médico de família para serem acompanhadas por estarem nesse registo. Do que sei, as vítimas têm tido todo o acompanhamento necessário por parte do SNS e quem não o tem deve exigi-lo”, frisou o ambientalista.
Câmara diz estar ao lado das vítimas
A sessão foi palco para várias críticas ao executivo da câmara municipal, que apesar de ter sido convidado para a sessão não se fez representar por ninguém. Foi lamentada a falta de um gabinete de apoio específico para as vítimas da legionella e a falta de interesse e proximidade em saber como estão a passar estas pessoas.
O MIRANTE confrontou Alberto Mesquita, presidente da câmara, com algumas das críticas dos moradores e este admitiu que os compromissos são bastantes e que não dá para ir “a todo o lado”. Mas garantiu que não foi por não ter estado presente no debate que a câmara não está solidária com as vítimas.
“As pessoas gostariam que a situação fosse resolvida mais rapidamente e compreendo. Mas digo que tudo aquilo que era necessário fazer para ajudar as pessoas foi feito”, garante o autarca. Alberto Mesquita diz que a câmara só pode actuar dentro das suas competências e que se pudesse concluir o processo “já o teria feito”.
O único autarca presente no debate, com excepção do anfitrião da Junta de Vila Franca, foi José António Gomes, presidente da Junta de Vialonga, que lamentou que as pessoas “tenham medo de ir para a justiça” porque sabem que é “cara e demorada” e porque a maioria vive “com ordenados baixos” e com tremendas dificuldades.