Espantástico Manuel Serra d’Aire
Há algumas décadas, o mítico artista pop Andy Warhol profetizou que, um dia, todos teriam direito aos seus 15 minutos de fama. É verdade que a sentença ainda não se transformou numa verdade global e insofismável mas que há resmas de gente que, voluntária ou involuntariamente, continua a fazer por isso e a dar consistência ao vaticínio do homem que ficou famoso, entre outras coisas, pela série de latas de sopa que produziu e pelos artistas que promoveu. O conceito da celebridade instantânea levantou voo há muito e as asas não param de crescer. O sonho de meio mundo é ser conhecido ou reconhecido, emitindo constantes sinais de existência, certificados de presença neste mundo. Um bocado como aquelas provas de vida que se passam nas juntas de freguesia para diversas finalidades.
Para uma pessoa reservada como eu, que gosta de viver sem alardes nem alaridos, tudo isto faz confusão. Ainda não percebi, por exemplo, qual é o benefício que um restaurante tem em participar num concurso televisivo em que são revelados os supostos podres do estabelecimento e em que serviço, pratos, empregados e donos são humilhados por um chef famoso (Portugal tem hoje quase tantos chefs famosos como funcionários públicos). A não ser que se trate de um exercício de auto-flagelação recheado de masoquismo, parece-me que aquilo se trata de uma aberração. Mas a verdade é que muita gente tem tido os seus 15 minutos de (má) fama à conta desse famigerado concurso televisivo. Que lhes faça bom proveito!
Somos um povo impregnado de saudosismo, de nostalgia, de melancolia. Um povo eufórico com alguns sucessos recentes mas que continua mergulhado num passado que, dizem os historiadores, terá sido glorioso. É por isso que não há beco nem travessa que actualmente não tenha a sua feira medieval ou recriações históricas com as mais diversas fontes de inspiração. Sinceramente, esta fixação por esse passado distante parece-me mórbida.
Invocar festivamente épocas em que se fazia churrasco de hereges, em que a peste dizimava multidões ou em que a escravatura era tão natural como a sua sede parece-me coisa mórbida. Eram épocas tristonhas em que as mulheres não iam ao cabeleireiro, não se depilavam nem se perfumavam, em que não havia futebol nem Internet, em que o autoclismo ainda não tinha sido inventado, em que tomar banho era coisa rara e em que não havia comentadores políticos nem chefs famosos. Enfim, uma lástima de vida que felizmente não nos calhou em sorte, pois provavelmente teríamos acabado assados numa fogueira.
Assada nas redes sociais foi a equipa que andou a rodar um filme no Convento de Cristo, em Tomar. Ao que parece atearam uma fogueira, cortaram umas árvores e partiram meia dúzia de telhas, o que só por si pôs a cidade em alvoroço porque, aqui d’el rei, estavam a destruir o monumento. O fogo foi enquadrado pela protecção civil local e os danos vão ser reparados, garantiu a produtora. Mas como certos pormenores não devem estragar uma boa história, o melhor mesmo é ignorar e siga a rusga, porque a vida de hoje, sem indignações nas redes sociais, não é vida nem é nada.
Calorosos cumprimentos do
Serafim das Neves