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O alfaiate de Vila Franca de Xira que se prepara para viver só de recordações
Durante anos o esquadro, tesoura e o giz foram os melhores amigos de Francisco Palha

O alfaiate de Vila Franca de Xira que se prepara para viver só de recordações

Francisco Dias Palha era o alfaiate dos vilafranquenses. Deixou de trabalhar muito recentemente mas ainda se mantém ao balcão da loja até vender todo o recheio. Esta conversa com O MIRANTE é um pequeno retrato da vida do alfaiate que durante os últimos 64 anos vestiu alguns vilafranquenses.

Francisco Dias Palha é um dos últimos alfaiates de Vila Franca de Xira. A alfaiataria Palha, numa das esquinas da rua Dr. Jacinto Nunes, está em liquidação total. O negócio foi caindo nos últimos anos e chegou a hora de fechar portas. O MIRANTE
visitou a alfaiataria de Francisco Palha e falou ao balcão com o alfaiate dos vilafranquenses que se prepara para abandonar o negócio e o ofício.
“Só vou fechar quando vender isto tudo. Não me interessa se fecho daqui a um mês ou só no final do ano. A porta só fecha quando tiver a loja vazia”, afirmou, logo no início da conversa com o jornalista de O MIRANTE.
Francisco Palha prepara-se para viver os últimos anos da sua vida com as recordações de 64 anos de profissão. Foi com 14 anos que aceitou aprender o ofício do pai e dos tios. Foram eles que o entusiasmaram para aprender o ofício de alfaiate. “O meu pai morreu aos 44 anos e cedo percebi que tinha de me fazer à vida”, conta.
Foi aos 17 anos que iniciou realmente a sua maior aprendizagem quando foi trabalhar para Lisboa nas mais prestigiadas alfaiatarias da Baixa. Cinco anos depois uma proposta irrecusável fez com que se mudasse para Vila Franca de Xira. Na altura existiam cerca de oito alfaiates na cidade, mas ele foi o único que resistiu até aos dias de hoje. Em 1972 lançou-se por conta própria. Passados tantos anos reconhece que não correu riscos com o negócio: “toda a gente era cliente da minha alfaiataria e por esta casa passaram todas as classes sociais. Cheguei a ter seis costureiras a trabalharem comigo sendo que quatro delas dedicavam-se só à confecção de calças”, realçou, acrescentando que sempre teve também uma clientela bastante grande que lhe deu a ganhar muito dinheiro com a alfaiataria.
Com mais de meio século de carreira, o Palha, como é conhecido em Vila Franca de Xira, sabe da experiência da vida e do negócio que o ofício de alfaiate já não consegue rivalizar com as grandes casas comerciais e as marcas de roupa. “Vivemos há muito tempo uma época em que o consumo rápido asfixia o negócio das alfaiatarias e vai acabando com os alfaiates. Mas não é o fim do negócio”, confessa, para dizer logo a seguir que quase todas as semanas recebe encomendas. “Eu produzia uma segunda pele para o cliente. A roupa é muito importante na vida das pessoas, contribui muito para a sua auto-estima e para a sua realização pessoal e profissional. É verdade que ainda hoje me ligam a encomendar roupa mas eu já não faço nada há cerca de dois anos, confessa num tom de voz desiludido mas ao mesmo tempo com um sentimento de missão cumprida.
Quando lhe perguntamos se era um alfaiate muito caro a resposta foi peremptória: “nada disso, um fato com calças, casaco e colete custava cerca de 600 euros. Para muitos dos meus clientes o preço não era problema. Tenho uma história para contar de um casal que é bem o espelho da importância que os alfaiates tinham para certas pessoas: o homem costumava perguntar à mulher, à minha frente, se iam de férias ou se me encomendavam mais um fato”, contou, entre gargalhadas.

VESTIU DOUTORES E AGRICULTORES
Francisco Palha diz que se distinguiu de todos os outros alfaiates que conheceu pelo brio profissional. “Não conseguia dormir descansado quando uma prova não me corria bem e às vezes era entre dois sonos que resolvia muitos dos problemas do ofício”. De cigarrilha na boca e o rádio da loja a transmitir música que serviu de inspiração para o meu trabalho as soluções definitivas saíam sempre da ponta da fina agulha. “Durante anos o esquadro, o giz e a tesoura de alfaiate foram os meus melhores amigos. O processo era sempre o mesmo: tirava as medidas, o cliente escolhia a fazenda, fazia duas provas, no máximo, e depois ia buscar o produto”.
“Estou a tentar vender isto tudo, por isso as prateleiras estão meio vazias, mas noutros tempos chegaram a ter mais de 150 cortes de roupa para poder satisfazer a minha clientela, algumas peças compradas no mercado internacional; não havia ninguém com fazendas de tão boa qualidade como as minhas”, garantiu, admitindo também com orgulho que chegou a fornecer outras alfaiatarias que não tinham acesso a determinados fornecedores.
Apaixonado pela profissão que considera uma arte ao alcance de poucos, Francisco Palha admite que sempre trabalhou um pouco mais caro que a concorrência. Vestiu doutores, engenheiros, advogados e agricultores mas nunca tratou ninguém de forma diferente porque queria todos os clientes satisfeitos.
Apesar da idade avançada, e do negócio já não ser o que era, Francisco Palha diz que se vai reformar mas que ainda se sente capaz de fazer um fato, o que lhe falta é a paciência.

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