Mercado Municipal de Azambuja envelheceu juntamente com os vendedores
A actividade do espaço resume-se actualmente à presença diária de duas vendedoras de frutas e legumes e a uma peixeira que ali monta banca três vezes por semana. O recinto está em decadência há anos, esmagado pela concorrência dos hipermercados.
É terça-feira e o Mercado Municipal de Azambuja está vazio. Lá dentro, as luzes estão desligadas e o frio faz-se sentir. Na banca próxima da porta de entrada, Maria Salomé Soares aguarda com expectativa o aparecimento de algum cliente. Tem 69 anos, é natural de Casais Lagartos, no concelho do Cartaxo, e vende frutas e hortaliças nesse espaço há 47 anos. Nem sempre viveu desta actividade. Quando começou a trabalhar por conta própria vendia criação amanhada, mais concretamente frangos e coelhos.
Desde muito cedo Maria Salomé percebeu que queria ser vendedora no mercado e com saudade recorda tempos já passados. “Antes não existiam hipermercados, então o mercado estava sempre cheio. Muitas das vezes até fazia fila e eu vendia sempre todos os meus produtos”, conta.
Um tempo próspero que já lá vai. Actualmente nem à própria filha, que pretendia seguir as pisadas da mãe, aconselha a profissão. “A minha filha queria ficar com isto mas eu disse-lhe para esquecer. Deus me livre se alguma vez na vida ia querer isto para ela. Todo o trabalho que esta profissão envolve no final acaba por não compensar”. No entanto, apesar de o negócio estar mau, Maria Salomé já não consegue viver sem o mercado. Uma paixão que a faz acordar todos os dias às seis da manhã.
Como não é do tipo de vendedora que comercializa o que cultiva, todas as quartas-feiras à tarde vai ao armazém abastecer-se. Casou-se com a rotina diária do mercado há muitos anos e o eventual divórcio com a mesma é algo que a deixa insegura. “Ando nesta rotina há muitos anos e se parar não sei o que será de mim. Gosto muito disto”, conta. Com um sorriso meio nostálgico, Maria Salomé relembra que hoje não há dias bons ao contrário do que aconteceu em tempos. “Às terças, quintas, sextas e sábados o lucro era garantido”. Enquanto a saúde a ajudar garante que vai continuar a vender no Mercado Municipal de Azambuja e apesar da quebra de vendas a paixão falará sempre mais alto.
“O negócio está miserável, não aparece ninguém”
Mesmo ao lado da banca da Maria Salomé fica a da vendedora mais antiga do mercado. Antónia Simões, 84 anos, é azambujense de gema e praticamente cresceu no Mercado Municipal. Aos oito anos já acompanhava a mãe, que com a ajuda de um burro transportava os produtos para o mercado. Hoje, em frente a um aquecedor eléctrico, combate o frio que se faz sentir. Só desta forma consegue aquecer-se fisicamente, já que a alma não consegue acalorar. “O negócio está miserável, não aparece ninguém. Também já não tenho família, só me resta a minha neta de 29 anos, que está doente e passa o dia deitada”, diz.
Com mais de oito décadas de histórias para contar, Antónia continua a cultivar os produtos que vende. “Ainda ando com a enxada na mão com as minhas poucas posses, tanto monetárias como físicas, mas sou eu que cultivo os legumes”. O negócio está fraco e para Antónia não há perspectivas de melhoria. A vendedora conta que existem várias caloteiras que lhe “devem dinheiro” e que só ajudam à decadência do seu estado de espírito.
Durante muitos anos, Antónia Simões assistiu à agitação diária do mercado e a realidade actual é algo que ainda não consegue aceitar da melhor maneira. Os hipermercados sufocaram o mercado tradicional e os jovens preferem os “frutos brilhantes que se vendem nas grandes superfícies comerciais”. Actualmente nem os mais velhos procuram os produtos frescos de Antónia. De lágrimas no rosto conta que momentos felizes já não os vive há muitos anos e diz que, apesar de ter pouco, faz questão de oferecer alguns dos seus produtos que já estão expostos há muito tempo a pessoas necessitadas. Como é o único sustento para a sua neta, Antónia não pode abandonar o mercado e “enquanto Deus lhe der saúde” é “no sítio do costume” que os azambujenses a vão encontrar.