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O uso de máscara ajuda a mente mas o vírus não respeita psicologias
Para José Miguel Carvalho a Covid-19 está a ser estudada em tempo real e é muito cedo para tirar conclusões

O uso de máscara ajuda a mente mas o vírus não respeita psicologias

José Miguel Carvalho avisa que o medo é mau conselheiro e que vamos ter que regressar à actividade, mesmo sabendo que continua a haver casos de infecção. Pneumologista há mais de quarenta anos, aposentado desde final de 2017, trabalhou no Centro de Diagnóstico Pneumológico de Santarém e foi coordenador do programa de tuberculose do distrito. Lidou com pneumonias virais, algumas bastante contagiosas, mas apenas usou máscara em situações de realização de exames em que estivesse muito exposto à respiração do doente. As respostas às muitas questões levantadas pelo novo coronavírus, defende, só o tempo as dará.

Como se protegeu na vida activa de médico contra o contágio de outros vírus?

Ao longo da minha actividade passei por várias doenças deste tipo, como algumas pneumonias virais, parte delas bastante contagiosas, mas felizmente nunca tive problemas. Só usei máscara em situações de realização de exames em que estivesse muito exposto à respiração do doente. Trabalhei grande parte da minha vida ligado aos casos de tuberculose, mas embora tenha riscos de contágio pela via respiratória tem uma contagiosidade muitíssimo baixa. Estando-se num sítio arejado não havia riscos significativos. Agora estamos perante uma situação de contágio especialmente aguda.

Devíamos todos usar máscara?

O uso de máscara pode aliviar as pessoas psicologicamente, mas não é psicologicamente que o vírus ataca.

Os fumadores são mais vulneráveis à Covid-19?

O tabaco é um factor negativo para a saúde respiratória e cardiovascular. É um pouco redutor neste momento estar a falar nessa questão. Corremos o risco de nos descentrarmos da questão principal que é este quadro de uma doença aguda. Obviamente que será desejável que aqueles que fumem deixem de o fazer, mas falando francamente não é por deixarem de fumar hoje que vão deixar de ter o risco de contrair a doença.

Quem fuma haxixe ou canábis sofrerá os mesmos efeitos do tabaco?

Ouve-se falar muito acerca dos malefícios do tabaco e desvaloriza-se a gravidade da agressão que outras formas de fumo têm, nomeadamente as relacionadas com substâncias psicotrópicas. O dano respiratório e o psíquico, que ainda é mais grave, é muitíssimo mais elevado com o consumo deste tipo de substâncias.

A BCG faz realmente a diferença para termos números mais baixos de mortes em relação a outros países onde essa vacina não faz parte dos planos nacionais de vacinação?

Estamos perante uma doença nova e muita coisa terá ainda que ser estudada para se confirmar os contornos e as implicações que tem. Neste momento constata-se que num conjunto de países em que a BCG foi mantida de forma regular, e noutros que a abandonaram já há mais tempo, parece haver uma diferença. Mas pode haver outros factores que tenham conduzido a isso. Só depois de passar esta onda epidémica é que se poderá ter ideias claras sobre o assunto. Se a notícia fosse que a BCG faria mal estaríamos preocupados, como é uma notícia favorável dizemos ‘ainda bem que a tomámos’.

O que lhe diz a sua experiência em relação a outros coronavírus? Tendem a desaparecer com o aumento da temperatura atmosférica?

A maior parte das doenças virais tem incidências sazonais. Isto constata-se com vários vírus como o da gripe e os dos resfriados comuns que têm uma incidência diferente ao longo do ano. Se o novo coronavírus se vai comportar dessa forma só o tempo o dirá. Neste momento estamos no meio da pandemia, o resto são especulações. Estamos a estudar a doença em tempo real e esse tipo de conclusões só são conhecidas ao longo do tempo e das várias estações do ano.

Continua a seguir alguns pacientes? Já surgiu algum com suspeita de infecção por coronavírus?

Tenho pacientes em Santarém e na zona Oeste, regiões onde mantenho consultas um dia por semana. O que tenho tido é contacto de alguns doentes pedindo para renovar receituário ou para resolver um ou outro problema já diagnosticado. Não tenho nenhum caso confirmado de Covid.

As pessoas retraem-se de procurar ajuda para outras patologias?

Um dos factores preocupantes da situação actual é que para além da Covid continuam a existir outras doenças e as pessoas estão a retrair-se de recorrer aos serviços de saúde, o que abre caminho a poderem, por vezes, recorrer tardiamente. Alguém que apresente um quadro clínico novo de uma situação que a está a preocupar deve contactar o seu médico. Caso contrário corre-se o risco de coisas que eram simples de resolver se virem a complicar.

Quando poderemos voltar a juntar-nos sem restrições num jogo de futebol, por exemplo?

Há dias o virologista Pedro Simas, um dos convidados da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, numa comunicação online, dizia ‘a minha posição como cientista é fácil, estou aqui a dar opiniões, difícil é estar no lugar dos responsáveis políticos’. O confinamento é uma medida transitória para evitar uma progressão rápida do contágio, mas a vida é feita em sociedade. Devemos ter respeito pela doença, mas não temos que interiorizar o medo. O medo é mau conselheiro. A determinada altura temos que regressar à actividade, mesmo sabendo que continua a haver casos. Temos que ter a noção que, felizmente, a maior parte dos casos resolve-se sem grandes dificuldades.

Que sequelas trará o novo coronavírus para os doentes já recuperados?

A maior parte das pessoas recuperam totalmente, sem sequelas. Poderá haver graves lesões entre os que tiveram pneumonias, mas mais uma vez só o tempo o dirá. Ainda é tudo muito recente. Qualquer pneumonia dita ‘vulgar’ por vezes aos dois meses ainda não está curada completamente.

Como se explica que alguns pacientes recuperem rapidamente, como o primeiro-ministro inglês, Boris Johnson, e outros levem muito mais tempo? Serão os cuidados diferentes ou sistemas imunitários diferentes?

A reacção em cada caso é diferente. Sabe-se que se for uma pessoa com outras doenças associadas não controladas como a diabetes, a insuficiência cardíaca ou problemas respiratórios crónicos, a Covid pode ser a gota de água que desequilibra tudo. Por vezes as coisas também correm mal em pessoas que não têm qualquer risco associado. O quadro de evolução cataclísmico também acontece com alguns casos de gripe que estamos habituados a ver. A gripe também induz um aumento da mortalidade muito significativo. A grande diferença é que a contagiosidade da Covid-19 é muito maior e não há imunidade de grupo. Não conseguimos dominar todos os factores. Sabemos que se a pessoa estiver muito debilitada corre mais riscos, é o que tem acontecido com os idosos.

Haverá especulação em relação aos números divulgados na comunicação social?

Levantam-se algumas questões sobre se os números são fiáveis ou não, se a curva é errática ou não. A questão central é que a contagem dos casos está a ser feita muito regularmente e de uma forma honesta. Não estão a ‘pintar números’. Penso que são números fiáveis.

Atendeu à chamada do Governo para voltar ao activo nesta altura de pandemia?

Fiz uma pré-inscrição através da Ordem dos Médicos e também já fui contactado pelo hospital da zona Oeste, mas ainda não foi preciso. Felizmente estamos com uma situação longe de ser problemática em termos de resposta dos serviços. Se for preciso estou disponível e estou referenciado nessa condição.

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