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Militares da GNR são a companhia de idosos que vivem isolados
Militares da GNR são os únicos que batem à porta de João Jesus e Patrocínia Pinheiro

Militares da GNR são a companhia de idosos que vivem isolados

No distrito de Santarém há mais de dois mil idosos a viverem sozinhos ou isolados sinalizados pela GNR no âmbito da operação 65 Longe+Perto. O MIRANTE acompanhou uma das visitas dos militares que são como família para um casal de idosos de Foros de Almada, Benavente.

O portão da pequena vivenda junto à estrada, em Foros de Almada, abre-se assim que os militares da Guarda Nacional Republicana (GNR) chamam por João Jesus. Tem 72 anos e mora com a esposa, Patrocínia Pinheiro, de 75. A tuberculose ensinou-o há uns anos a viver só com um pulmão a funcionar e a idade trouxe-lhe as dores no corpo que aproveita para relatar no caminho até à porta de acesso à cozinha. “Mulher, anda cá fora. Estão aqui os senhores guardas”, grita anunciando a visita.
Estes idosos fazem parte dos 2.006 do distrito de Santarém que moram sozinhos ou isolados e são acompanhados pela GNR no âmbito do programa 65 Longe+Perto, que foi reforçado com a pandemia de Covid-19. Nestas visitas regulares, explica o tenente Raposo, tenta-se perceber se está tudo bem com eles. Havendo necessidade fazem-se os contactos necessários para resolver os problemas mais urgentes. Além disso, destaca o oficial, “estas pessoas precisam de companhia e a GNR é uma força humana próxima e de confiança”.
A proximidade que existe é tanta que Rui Sousa, comandante do posto da GNR de Benavente, já sabe dos problemas familiares e de saúde desse casal. “Vá lá buscar o saco dos medicamentos senhor João”, diz-lhe depois de ouvir queixas de uma dor de cabeça. “Isto baralha-me. É muita coisa para mim”, responde o idoso enquanto tira caixas de medicamentos do saco. Toma 14 comprimidos por dia. Notando a confusão, o militar compromete-se a contactar os serviços de enfermagem do Centro de Saúde de Benavente para que se desloquem a casa do idoso.
Patrocínia Pinheiro não dá importância às dúvidas do marido. Aproveita a rara companhia para conversar e contar a outros dois militares histórias antigas e reclamar da vizinhança. Entre os gestos que a ajudam a enfatizar o discurso dá conta que o casaco que tem vestido está velho e tem rasgões. Envergonhada, desculpa-se: “Não estávamos à espera de visitas”.

Morte do filho ditou-lhes a solidão
Faz agora 25 anos que ficaram sem o único filho. Leontino tinha 14 anos quando faleceu. A memória não lhes falha para falarem dele e tudo que lhe pertencia. Roupas, livros e o computador continuam guardados no quarto onde dormia. Os guardas são praticamente a única companhia que recebem em casa. Têm uma afilhada que liga de vez em quando.
Com o aproximar da hora de almoço, e já sem a presença dos militares, Patrocínia Pinheiro vai pôr carne ao lume a cozer. Mas apressa-se para voltar à conversa. Da cozinha traz uma cadeira onde se senta, antes de começar a dar corda ao passado. Largou a escola aos 12 anos e o resto da meninice passou-a a trabalhar na agricultura. Casou-se com João Jesus há 41 anos, em Santo Estêvão. “Disseram-me que era boa moça e comecei a deitar-lhe o olho”, interrompe o marido, esboçando o primeiro sorriso da conversa.
João Jesus nunca foi à escola. Para se declarar a Patrocínia Pinheiro pediu a outra pessoa que escrevesse uma carta em seu nome. “As dificuldades eram muitas na altura. Fazia frio, não havia sapatilhas e tinha de andar cinco quilómetros até à escola no Biscainho. A meio caminho voltava para trás”, conta baixando o tom alegre. Na velhice os pés estão calçados, mas as dificuldades mantêm-se. Recebem, cada um, uma reforma de 286 euros. Se não fosse a horta onde plantam batatas, favas, couves e feijão dizem que “o dinheiro não chegava” para comer.

“Gostava de ir morar
para a vila para não estar longe de tudo”
Desde que a pandemia de Covid-19 ditou o confinamento social que o casal sente ainda mais o isolamento. “Dantes íamos mais vezes à vila, almoçávamos lá e fazíamos compras. Agora não, temos de evitar”, conta João Jesus, lembrando os conselhos deixados pelos militares. Nestes tempos, o carro quase não sai da garagem e o idoso sabe que não sairá muitas mais vezes. “Já me custa conduzir. O que eu gostava era de vender esta casa e ir morar para a vila, para não estar longe de tudo”, confessa.
Além do que os guardas lhes dizem durante as visitas, ouvem na rádio quais os perigos e cuidados a ter com o novo coronavírus. É por isso que nas poucas saídas fazem uso das máscaras que compraram, seguindo as recomendações da Direcção-Geral de Saúde. “Sou muito respeitadora. Se tiver de morrer, morro, mas tenho o cuidado que mandam ter”, diz Patrocínia Pinheiro. O marido remata o tema: “Penso que não vai pegar. Estou aqui sozinho com a esposa, não me meto em conjuntos de pessoas e comprei logo as máscaras”. A GNR entregou-lhe mais algumas.

Uma lembrança no Dia da Mãe

No âmbito deste programa de abrangência nacional, além das visitas regulares, todos os dias cerca de 400 idosos que vivem sozinhos ou isolados são contactados por chamada telefónica por militares da GNR. Na lista telefónica deste casal também passou a estar gravado, antes do fim da visita, o contacto do posto da GNR. Sabem que não estão sozinhos. “Se precisarmos eles vêm cá”, afirma Patrocínia Pinheiro, numa despedida demorada antes de bater com o portão. E, sem saber, a próxima já estava agendada para a surpreender dali a dois dias, no primeiro domingo de Maio: “Vamos voltar e trazer-lhe uma flor porque é o Dia da Mãe”, segredou Rui Sousa antes de sair.

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