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António Oliveira: o vice que não tira o tapete ao presidente por uma amizade acima da política
António Oliveira está há 13 anos na Câmara de Vila Franca de Xira

António Oliveira: o vice que não tira o tapete ao presidente por uma amizade acima da política

José António Oliveira mantém uma amizade de 30 anos com o presidente da câmara de Vila Franca de Xira, de quem é vice-presidente. Assumiu o cargo a um mês das eleições quando o anterior número dois de Alberto Mesquita decidiu abandonar o barco, ainda hoje sem se saber porquê. Talvez por serem confidentes, por manterem uma lealdade pessoal, Mesquita apresentou-lhe a nomeação como facto consumado. Oliveira e Mesquita chegam, após toda a gente sair da câmara, a ficar a falar até horas tardias sem jantar. Quando se zangam o ambiente fica feio, mas a lealdade supera tudo. Oliveira, socialista filiado, conhecido pelo mau feitio quando o tentam enganar com mentiras, confessa que conta tudo ao presidente, mesmo quando ouve falar mal dele. Gere áreas sensíveis como as obras, infra-estruturas, urbanismo, ordenamento do território e é o presidente dos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento, uma empresa dentro da câmara que tem 173 funcionários, 73 mil clientes e dá muitas dores de cabeça. Tem quatro gabinetes. Recebe-nos no dos SMAS. Um espaço modesto onde se destacam seis plantas naturais, entre as quais um bonsai oferecido pelos funcionários.

Vinha do PCP, o que é que se passou para mudar para o PS?

Nos anos 90 concorri como independente à junta de freguesia, tendo feito dois mandatos na assembleia de freguesia. O percurso político começou no associativismo. Fui durante 18 anos presidente da assembleia-geral do Centro Popular de Cultura e Desporto. Nessa época os dirigentes associativos tinham uma interferência das forças políticas e posso dizer que nesse ano os três partidos concorrentes me convidaram para cabeça-de-lista. Mas como fui educado à antiga optei pelo primeiro com quem me comprometi.

É o maior aliado político do presidente da câmara?

A nossa amizade de mais de 30 anos nunca nos turvou a racionalidade de trabalharmos na câmara. Alberto Mesquita é um político da velha guarda com grandes visões de futuro. É um arquivo vivo da câmara, pelos 23 anos que tem de experiência. É uma pessoa muito humana, um grande gestor e aprendo com ele todos os dias.

Gosta mais de trabalhar com ele do que com a ex-presidente, Maria da Luz Rosinha?

São personalidades diferentes. Maneiras diferentes de gerir. As funções que tenho hoje não são as mesmas que tinha com Maria da Luz Rosinha e não posso comparar o que não é comparável.

Como é que nasceu a amizade com Alberto Mesquita?

Pela via do desporto. Ele enquanto vereador da área e eu enquanto dirigente associativo. Os caminhos cruzaram-se comigo a apresentar-lhe problemas da colectividade. Começámos a debater ideias e a ter confrontos no bom sentido, nunca pensando que chegássemos à amizade que temos hoje.

Dizem que lida mal com a crítica.

Lido mal é com a mentira. A crítica temos que a aceitar, sobretudo desempenhando um cargo público. Prefiro que venham ter comigo e me interroguem, me coloquem as questões. Não suporto a crítica anónima, falsa, barata, irresponsável… E desaforo para casa não levo. Trato logo da situação na hora. Reconheço que sou ríspido, mas faço-o na defesa dos interesses públicos.

Mas os políticos tentam sempre sair bem na fotografia.

Há a política e a política barata. E há quem faça uma engenharia dialéctica para que a mentira se torne uma tese de verdade. Temos de desmontar isso. Reconheço, no entanto, que às vezes as oposições têm posições válidas. Uma oposição forte faz-nos trabalhar mais.

Está a referir-se às estratégias do PCP para provocar mudanças de decisões?

Não identifico só essa força política. Por vezes nos fóruns políticos as oposições têm de fundamentar as afirmações que fazem, não é dizer por dizer. Por vezes fazem-se manifestações de opinião de forma tão cândida, mas que no fundo não têm fundamento.

Como é que vê os recuos políticos dos últimos meses de Alberto Mesquita, como por exemplo a suspensão do encerramento da passagem de nível perigosa do cais de Vila Franca de Xira?

O que chega à opinião pública não é o que está nos documentos. A câmara fez o seu trabalho com a Infraestruturas de Portugal e foi muito difícil chegar-se ao entendimento de deslocalizar a passagem de nível. As pessoas, as oposições, têm de ser responsáveis. Não é dizerem uma coisa em reunião de câmara e depois dizerem outra publicamente.

Então porque é que não se faz o que se deve?

O processo não está encerrado. Suspendeu-se para pensar. Não é sob pressão que as coisas se resolvem. Agora as pessoas têm de ser responsabilizadas pelo que dizem, no momento certo.

A quem é mais leal? Ao PS ou ao presidente da câmara?

Eu vejo no presidente Alberto Mesquita um representante digno do Partido Socialista, mas nunca abdicando das suas ideias.

Vê-se como o sucessor de Alberto Mesquita?

Alberto Mesquita, para algumas pessoas que andam mais distraídas, tem todo o direito legal de fazer mais um mandato. A decisão é dele e o assunto deve ser debatido no sítio próprio, que é na comissão política do PS.

Está preparado para ser o candidato?

Entrei na câmara por um ano, vou com cerca de 13 anos. O que me preocupa hoje é trabalhar e não perturbar a mente das pessoas com algo que ainda não se coloca.

Vê-se presidente de câmara?

Não pensei nisso!

Quando ouve falar mal do presidente vai contar-lhe?

Uma verdadeira amizade é para os bons e maus momentos. Não pode ser falsa.

É um confidente?

Somos os dois.

Insistindo. Se o seu amigo presidente lhe pedir para ser candidato em vez dele, não vai recusar.

Pela amizade que temos, ele nunca me colocaria essa situação. Têm de ser os órgãos do partido a decidir. É uma questão pessoal. Para se ser presidente de uma câmara como a de Vila Franca não se pode ter vida própria. Isto é um sacerdócio.

Não acredito que não tenham já falado sobre o assunto.

Isto é como os namoros, mas há coisas que só se descobrem depois do casamento.

Já houve assédios para tornar SMAS num serviço comercial

Os SMAS são distinguidos há quatro anos pela entidade reguladora como tendo uma qualidade exemplar da água para consumo. O que foi preciso mudar para se obter este reconhecimento?

Há que reconhecer o trabalho feito anteriormente. Este prémio é fruto de uma equipa de 173 trabalhadores e do investimento feito pelas últimas administrações no controlo da água e na substituição das redes. Um dos últimos investimentos foi na nova sala de controlo da rede de abastecimento, mais de meio milhão de euros, que permite acompanhar online, 24 horas por dia, os 53 reservatórios do concelho.

As redes de abastecimento do concelho aguentam quanto tempo sem serem renovadas?

Quanto maior for o concelho maior é a dor de cabeça. As entidades gestoras das redes de abastecimento de águas e de saneamento têm de ter um programa permanente de substituição das redes. No nosso concelho investimos quatro a cinco milhões de euros de capitais próprios, sem recorrer à banca, na renovação dos sistemas.

O facto de não terem acesso a fundos comunitários para estes investimentos torna a situação mais difícil.

É uma terrível incongruência, que não se compreende. Já fiz sentir à tutela que nos concelhos predominantemente rurais se tenta levar água potável a localidades isoladas e não há ajuda para sistemas municipais. As entidades gestoras em baixa, como Vila Franca de Xira, não têm direito a candidatar-se a fundos, porque têm uma percentagem positiva de execução de reparação de redes que ultrapassa os 90%. Para ter direito tinha de estar abaixo dos 50%.

Penaliza-se quem gere bem.

Concordo.

Qual é a necessidade de substituição de redes?

O concelho está na zona verde de abastecimento, excepto na zona antiga de Alhandra, onde a rede tem de ser toda substituída, porque não corresponde aos nossos níveis de exigência. É um investimento superior a nove milhões de euros.

Recentemente inauguraram um laboratório de águas e efluentes. Qual vai ser a rentabilidade do investimento de um milhão de euros?

Estamos em fase final de certificação do laboratório ao nível de procedimentos técnicos e administrativos. A partir do próximo ano podemos estar abertos ao mercado nacional e fazer prestação de serviços.

Nos últimos anos algumas autarquias acabaram com os sistemas próprios e associaram-se a empresas ou juntaram-se em empresas intermunicipais. Qual é a vantagem de manter os SMAS?

Entendemos que a gestão dos SMAS de Vila Franca de Xira tem de estar na esfera pública. Apresentamos consecutivamente resultados positivos e investimos com capitais próprios. Já houve assédios de gestão comercial, porque o serviço é aliciante, e basta fazer um levantamento do que se passa à nossa volta. Essa é uma situação que não está nos nossos horizontes.

O senhor é de Torres Novas, onde vai regularmente. Este município faz parte da Águas do Ribatejo. Sente diferenças?

Que me perdoe o meu conterrâneo de Torres Novas, mas defendo a minha dama. Não são coisas comparáveis. O gestor da Águas do Ribatejo deve ter mais dores de cabeça do que eu, mas tenho 73 mil clientes e durante o confinamento por causa da pandemia chegámos a ter 200 mil pessoas em casa a consumir água e não tivemos problemas de abastecimento.

Pelo concelho de Vila Franca de Xira passam várias grandes condutas da EPAL. Qual é a vantagem para o município?

No concelho temos 23 servidões. Quando dizemos que somos donos do nosso território, isso não é verdade, atendendo a que há faixas de protecção em relação, por exemplo, às condutas. Quando vamos ao terreno fazer algo que é necessário por vezes temos de pedir autorização às entidades que têm infra-estruturas a passar no nosso território. Temos de viver com o que temos.

Costumam acontecer grandes rupturas de condutas da EPAL e recentemente uma provocou avultados estragos. Como é que viu esta situação?

Não devia de acontecer, mas são coisas que acontecem. Há que reconhecer que tivemos capacidade para actuar com os nossos funcionários, protecção civil e SMAS, em conjunto com a EPAL, e conseguimos resolver a situação em poucas horas.

Os SMAS são clientes da EPAL, sente-se satisfeito com o serviço desta empresa?

Não posso dizer o contrário.

O Tejo é uma “auto-estrada” por explorar

Tem havido um forte investimento na valorização das zonas ribeirinhas do concelho. Pode garantir que não há focos de poluição do rio pelos esgotos?

A melhor resposta é a subida de golfinhos no rio Tejo. São animais dos mais inteligentes do reino marinho e se a água estiver poluída eles não se aproximam da zona. O que quer dizer que nesta zona o Tejo está totalmente despoluído. Todas as redes de saneamento do concelho estão direccionadas para as estações de tratamento. Estamos bem, mas também estamos sempre atentos.

O Tejo é uma vantagem ou um problema para Vila Franca de Xira?

Costumamos dizer que temos 23 quilómetros de costa, que é a nossa área ribeirinha, e temos uma “auto-estrada” por explorar, que é o Tejo.

Como é que se pode aproveitar essa auto-estrada fluvial?

É preciso criar condições para que apareçam cais de acostagem. Está nos horizontes criar um cais na plataforma da Castanheira, mas isso vai colidir com questões que saem fora da competência da câmara. É o caso do desassoreamento das zonas ribeirinhas, das dragagens. Fizemos dragagens nas zonas de Vila Franca de Xira e Alhandra, para que os veleiros subam o Tejo, pagas na totalidade pela câmara, mas tivemos de esperar dois anos pela autorização da Agência Portuguesa do Ambiente. Isto quando o Estado não gastou nada e era da sua competência fazer esta intervenção.

Como encara a nova urbanização Vila Rio que vai tapar a vista para o rio?

Temos de recuar aos anos 90, quando se começou a autorizar as urbanizações da Quinta da Piedade, onde não devia ter sido permitido tamanha volumetria. No Vila Rio são 600 fogos, não dois mil como se perspectivava. Tivemos a preocupação de baixar a densidade populacional. Estamos a ter muitos cuidados com a urbanização para ter o menor impacto possível, as coisas foram pensadas, como escoamento do tráfego.

O gestor que vai ao terreno ver para poder falar

Já foi visto a acompanhar piquetes ou no terreno a acompanhar obras ou reparações de rupturas. É um gestor que gosta de dominar tudo, que quer ver para crer?

É importante ir ao terreno e não atrapalhar, ver para poder falar. Quando é necessário, quando há coisas mais complicadas, estou no terreno para resolver na hora o que for preciso. Às vezes vou ao sábado e domingo ver como estão a ser feitas determinadas obras, sozinho ou com o presidente da câmara.

Dizem que é uma pessoa obsessiva com o rigor, isso vai até que ponto?

Rigor é segurança. É preciso prever algo que pode não correr bem. Sou conhecido por gerir ao cêntimo. É uma coisa que me preocupa todos os dias, porque estou a gerir dinheiro público e o dinheiro custa dinheiro.

Isso faz com que o vejam como uma pessoa austera e difícil.

Quem trabalha de perto comigo altera essa ideia. O que me tem preocupado nestes 13 anos em que estou na câmara, quando vinha por um período de um ano, é apresentar trabalho na defesa do serviço público.

De operário a gestor com futebol pelo meio

José António da Silva de Oliveira nasceu há 64 anos em Vila do Paço, concelho de Torres Novas, onde tem a família que visita regularmente. Fez parte do ensino primário na escola que é hoje a junta de freguesia. Depois foi para Lisboa com os pais. Cresceu em Moscavide onde começou no desporto como guarda-redes de futebol no Clube Desportivo dos Olivais e Moscavide. Depois foi treinador e passou pelo Belenenses e pelas camadas jovens do Benfica.

A primeira experiência de trabalho foi aos 17 anos e não se pode dizer que tenha sido leve. Começou na metalomecânica como operário na Fábrica Militar de Braço de Prata. Foi torneiro mecânico e fazia peças que eram usadas nos equipamentos de guerra nas ex-colónias portuguesas. Diz que ainda consegue fazer peças no torno. Às vezes vai às oficinas da câmara, em Povos, arregaça as mangas e aposta com o pessoal que sabe fazer uma rosca, por exemplo. A fábrica passou, em 1980, para a então recém-criada Indep - Indústrias Nacionais de Defesa, onde chegou a gestor de recursos humanos, área em que entretanto se tinha licenciado. Nestas funções recebeu ordens para reduzir o número de trabalhadores de seis mil para mil e duzentos.

Oliveira confessa que a sua personalidade também se foi moldando com o rigor do trabalho militar. Costuma pensar muito bem no que faz e quando tem dúvidas pede conselhos, porque entende que só não tem dúvidas quem nada faz e tomar decisões com dúvidas leva a cometer erros. Quando foi convidado para ir para a câmara na gestão de Maria da Luz Rosinha, demorou 18 meses até dizer sim. Antes de entrar em funções autárquicas tinha uma empresa de gestão desportiva e era presidente adjunto do F C Alverca.

António Oliveira: o vice que não tira o tapete ao presidente por uma amizade acima da política

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