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“A justiça é lenta e a feitura das leis é do pior que há”
Encontrar soluções para os problemas dos clientes é o prazer de viver de Manuel Caniço

“A justiça é lenta e a feitura das leis é do pior que há”

Manuel Caniço, 79 anos, advogado em Vila Franca de Xira

Filho de pais agricultores fez-se advogado há 41 anos. Exerce em Vila Franca de Xira, num escritório com vista privilegiada para o tribunal. Diz que nem o Direito é claro como a água, nem a justiça cumpre o seu papel quando é lenta. O sentido de humor é apurado e posto à prova em julgamentos. Há 52 anos viveu a experiência mais marcante da sua vida: comandar perto de 200 militares em Zala, Angola, durante a guerra colonial. Sentiu o cheiro do medo, mas recusou-se a pensar que morreria ali.

Ainda hoje não gosto de ouvir o barulho do helicóptero. Perturba-me, porque me traz à memória as evacuações de mortos e feridos em combate e as operações de bate e foge, violentíssimas, que fiz em Zala. Angola marcou-me muito. Ainda tenho reacções de capitão de cavalaria. Onde quer que vá, e seja com quem for, tenho de ser eu a tomar as decisões, inclusive escolher os lugares da mesa onde cada um se senta.
Quando se está na guerra não se pensa que se vai morrer ali. Não quando comandamos 187 homens e temos que planear todos os passos que vamos dar. Só se pensa nisso, em mais nada.
Sou metódico e organizado. Uma herança dos tempos de tropa. Tenho uma agenda na cabeça e outra no papel. Sou um homem de palavra. A desconfiança ofende-me e a confiança é para mim um valor absoluto.
A advocacia é um vício que se entranha e não se consegue largar. Tenho 79 anos e é o meu único. Não bebo, nem sei o que é fumar. Encontrar soluções para os problemas das pessoas é o meu prazer viciante e o motivo para a minha realização profissional. Mas há quem siga advocacia porque acha que esta profissão é de enriquecimento rápido.
É um orgulho ter a família a seguir-me as pisadas. Devo ser uma ave rara dentro da comarca. Não conheço outro colega que tenha a filha e neta no mesmo escritório. Sei que as inspirei a seguir esta profissão que exerço há 41 anos.
Nem o Direito é clarinho como a água, nem a justiça é justa quando permite que um processo ande enrolado durante anos à espera do desfecho. E se a justiça é lenta, a feitura das leis é do pior que há. Chegamos ao cúmulo de ter uma lei cujo artigos entram em contradição.
Gosto da calma do campo. Sou filho de pais agricultores, nascido e criado na Oliveirinha, uma pequena aldeia, no distrito de Aveiro. Tenho uma casa em Atouguia da Baleia, onde há quatro anos abri um escritório, juntamente com a minha filha. Há 49 anos escolhi Vila Franca de Xira para viver. Tinha serviços, transportes e bons acessos a Lisboa. Hoje mantém tudo isso, mas é uma cidade demasiado pacata e ferida pelas crises que o país atravessou, que acabaram com muitas empresas.
Assisti da janela do meu escritório ao nascimento e morte do Centro Comercial de Vila Franca de Xira. Primeiro veio a explosão de entusiasmo dos comerciantes de rua, que quiseram deixar as suas lojas para ir lá para dentro. Depois a desgraça, porque o condomínio que pagavam era insustentável. Agora é apenas um monstro que aqui está.
Durmo bem à noite. Às vezes até durmo no sofá antes de chegar à cama. Só os prazos apertados e casos complicados me tiram o sono. Esses levo-os comigo para a cama. Não tenho nenhum ritual matinal, mas geralmente não saio de casa sem tomar o pequeno-almoço.
Nunca adormeço sem ler. Levo um livro ou O MIRANTE para a mesa de cabeceira. Li seis vezes os Lusíadas e a obra de José Saramago. Dou preferência a escritores portugueses, no entanto Alves Redol e Soeiro Pereira Gomes não me seduzem.
Confesso que às vezes me dá vontade de ficar em casa a dormir a sesta depois do almoço. Mas depois penso na agenda que tenho para cumprir e marcho para o escritório. Vou pensando na reforma, não me assusta, mas para já não a quero.
Tenho sentido de humor apurado e conto anedotas no tribunal, sempre adequadas aos casos que estão a ser julgados. É uma forma de ser criativo enquanto trabalho. Sou um homem feliz em todos os níveis. Mas para manter essa felicidade tenho de ter o cuidado de eliminar algumas ervas daninhas, para colher o que de bom planto. Até tenho curso para aplicação de fitofarmacêuticos, mas esse uso-o para cuidar das árvores de fruto que tenho na casa de campo.
Não há melhor sensação do que estar a correr com a chuva a cair-nos pelo corpo. Fui maratonista e durante anos corri na lezíria vilafranquense. Corri as primeiras cinco meias maratonas de Lisboa e a primeira de Vila Franca de Xira, entre tantas outras.
Sou casado há 52 anos e é a minha mulher que me ajuda a escolher a roupa. Confio no gosto dela. Discutimos como qualquer casal, mas damos o braço a torcer. O nosso amor é maduro. Temos duas filhas e cinco netos.

“A justiça é lenta e a feitura das leis é do pior que há”

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