Vila Franca de Xira não pode ser só uma terra de toiros e toureiros
Vítor Bico “Litri”, 67 anos, nasceu em Vila Franca de Xira e é uma das pessoas mais bem documentadas no que respeita à festa do Colete Encarnado e das tradições locais. Guarda um acervo de milhares de peças como poucos têm na cidade, incluindo a bandeira original da festa. Criador de cavalos lusitanos, diz que as mulheres são o sal e a pimenta da festa e confessa-se triste por ver Vila Franca de Xira perder as feiras e eventos de outros tempos, como as feiras do campo e do melão.
Vila Franca de Xira tem tantas potencialidades por explorar e dinamizar que não se deve limitar apenas a falar dos toiros e toureiros, considera Vítor Bico, vilafranquense de gema e um dos mais conhecidos aficionados da cidade. Diz que há outras vivências que devem ser evocadas e lembradas e que nem sempre aparecem, como os varinos, o campo e até os antigos cafés e símbolos da cultura da cidade.
É um apaixonado pela festa do Colete Encarnado e há mais de quatro décadas colecciona milhares de peças alusivas à tauromaquia e às tradições vilafranquenses, na sua tertúlia a que chamou, precisamente, Museu do Colete Encarnado. Num espaço de 80 metros quadrados guarda peças carregadas de simbolismo, como a primeira bandeira de seda oficial da festa, cartazes, esculturas, pinturas, livros, manequins trajados a rigor, varas e objectos taurinos e mais de 200 álbuns de fotografias. A peça mais antiga é uma cabeçada em cabedal polido que era posse do rei D. Carlos. Actualmente o espaço onde está a colecção está fechado para remodelações.
Em Vila Franca de Xira, onde O MIRANTE o entrevistou, Vítor não se cruzou com uma pessoa a quem não falasse. É um rosto conhecido apesar de raramente aparecer nos grandes palcos mediáticos. É criador de cavalos lusitanos e tem 12 éguas no campo. “Uma tertúlia não é só ter uns quadros nas paredes e beber uns copos durante o Colete. É preciso estar sempre a coleccionar novos objectos. O maior prazer que tenho na vida é quando compro mais alguma coisa. As tertúlias devem estar preparadas para ensinar e mostrar aos visitantes a história da festa”, defende.
Vítor vive sozinho e não tem filhos mas confessa que as mulheres são o sal e a pimenta da festa de toiros, dando o colorido e o salero que torna tudo mais sedutor. Mas não esconde a tristeza de se ver ignorado por quem ao longo de anos foi organizando o Colete Encarnado. “Vila Franca de Xira está com uma pedalada enorme e merecia ter um museu taurino e das tradições da terra, porque Vila Franca não é só toiros e toureiros. A Maria da Luz Rosinha e o Alberto Mesquita conhecem o acervo que tenho e a sua importância, mas fico algo triste por ninguém lhe passar cartão. Há tertúlias com algumas peças interessantes mas ninguém tem um acervo tão grande como eu”, lamenta.
Campino é fundamental
Para Vítor Bico criar um museu taurino sem a presença dos campinos é um erro. Lamenta que os aficionados não se entendam sobre o assunto e continua a defender que era um espaço que fazia falta na cidade. “A Maria da Luz Rosinha teve a ideia bestial de pegar no Colete e desenvolvê-lo promovendo o turismo. Vila Franca de Xira está muito bem situada e com potencial para acolher outros eventos”, considera.
O fim da feira da agricultura, feira do campo e do cavalo e da feira do melão são perdas que entristecem Vítor Bico. “São tudo feiras que nasceram aqui e que não soubemos aproveitar, agora andam outras cidades a fazer o que nós começámos, como Santarém. É uma tristeza. Deviam criar-se mais iniciativas para ajudar o comércio e dinamizar Vila Franca. Temos gente na terra que são verdadeiras enciclopédias de conhecimento mas a cidade não as tem aproveitado. E uma enciclopédia não se abandona, tem de se agarrar no colo”, lamenta.
Quando ouve falar a comunidade anti-taurina fica revoltado por considerar que fala sem conhecer a realidade de quanto custa criar um toiro. “Para criar um toiro quatro anos um ganadero tem de ser rico. E agora anda a ver esse animal morrer no talho”, lamenta.
“Ensinaram-me a ter cuidado com a batota e a política”
Vítor Bico elogia O MIRANTE e o seu papel enquanto maior jornal regional do país. “É muito importante porque comunica com as pessoas o que se passa na região. Costumo comprar”, confessa. Vítor nasceu a 15 de Novembro de 1952. Deram-lhe a alcunha de Litri quando era pequeno.
O pai era escultor, pintor e trabalhava na construção civil. Foi ele quem lhe transmitiu a afición pelos toiros. Vítor chegou a ser forcado no grupo da cidade no tempo de Miguel Palha. Trabalhou na OGMA, em Alverca, e com o que ganhava continuou a coleccionar. “Ensinaram-me a ter cuidado com a batota e a política. Nunca desrespeitei as ideias de ninguém e isso é importante na vida”, conta. Não liga a futebol e tira-o do sério quando as pessoas são más de carácter e o enervam. “Uma pessoa pode ser pobre mas ter boa personalidade e educação. Sempre aprendi mais com as pessoas velhas do que com as novas. As velhas passaram pela vida, sofreram, podem contar-nos o que são as dificuldades e lutas na vida”, confessa.
A vida, diz, é uma passagem curta, por isso lembra a necessidade de ser aproveitada. “O dia de hoje não se repete. Por vezes as pessoas são tão más e invejosas que nem aproveitam a vida. Não vale a pena ser assim. O consenso é bonito. O ser humano quanto mais dinheiro tem mais quer juntar. Mas não vale a pena. Há gente com muito dinheiro que depois quando chega a velho não liga a nada e o dinheiro acaba por ficar cá todo, não o levamos connosco”, conclui.