“O problema de muitos políticos é não conhecerem os terrenos que pisam”
António Ceia da Silva foi eleito há três meses presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo, entidade que gere os fundos comunitários para os municípios ribatejanos da Lezíria do Tejo. Afirma-se como homem de acção, anti-burocrata puro e avesso a gabinetes, que exorta os autarcas a serem firmes e unidos na reivindicação de projectos estruturantes. Regionalista convicto e alentejano de gema, foi deputado em 2005 mas não se deslumbrou com os bastidores do poder na capital e depressa deixou o Parlamento para trabalhar no seu território.
Foi o único presidente eleito das cinco Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do país a ter concorrência nas eleições. Sente a sua eleição valorizada por esse facto?
Sem dúvida. Qualquer acto eleitoral dá legitimidade a quem é eleito. Aliás, ao longo da minha vida nunca fui nomeado, fui sempre eleito. O acto electivo da equipa directiva foi a grande alteração desta nova democratização das CCDR. Isso dá-nos outra legitimidade. E disputar eleições ainda dá mais valor. Independentemente de ter boas relações com toda a gente e também com quem disputei as eleições, ter ganho constitui motivo de orgulho e de reforço daquilo que é hoje a minha intervenção no território.
A eleição dos presidentes das CCDR foi classificada como um passo no sentido da regionalização do país. É favorável à regionalização?
Sou um regionalista convicto. O meu entendimento é que as regiões administrativas - e penso que esse é hoje o pensamento de grande parte da sociedade portuguesa - será decisiva para as dinâmicas de coesão territorial e de crescimento das regiões mais desfavorecidas e de baixa densidade.
Não criaria outro patamar de poder, mais burocracia, mais lugares políticos…
Isso é uma ideia defendida por quem é anti-regionalização. A regionalização não vai criar mais lugares, não vai criar mais tachos, usando uma expressão popular…
Mas cria outro patamar de decisão, o que pode implicar mais carga burocrática…
Ou menos... As decisões passam a ser tomadas na região, muitas delas não serão tomadas em Lisboa. A regionalização não significa tirar poder às freguesias ou aos municípios. Significa que determinadas funções que até agora são desempenhadas pelo Estado central seriam assumidas pelas regiões administrativas, pelos seus órgãos legitimamente eleitos. A regionalização existe por toda a Europa.
Os políticos do interior, da província, ou como lhe queiram chamar, criticam essa dependência de Lisboa e dos decisores de Lisboa, mas muitos deles pelam-se por um lugar no círculo de poder da capital.
Compreendo a questão, mas se calhar sou um exemplo contrário. Sempre fiz questão de estar no meu território e não me sinto minimamente atraído por Lisboa. Só para visitar a minha filha que vive e trabalha lá.
O distrito de Santarém está retalhado administrativamente em diversas áreas, como a gestão dos fundos comunitários e o turismo. Isso não prejudica a coesão territorial e a identidade regional?
Sempre defendi isso, mesmo quando estava no turismo. Teria feito todo o sentido que se tivesse constituído uma NUT II (Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos) para esta região na altura em que a NUT II de Lisboa e Vale do Tejo teve que ser dividida em quatro NUTS III – Área Metropolitana de Lisboa, Oeste, Lezíria do Tejo e Médio Tejo. Perdeu-se essa oportunidade. Mas podem haver modelos de colaboração entre as várias comunidades intermunicipais e projectos comuns. Isso é desejável e depende dos que aqui estão.
A CCDR Alentejo gere fundos comunitários de municípios de outra região, no caso os municípios da Lezíria do Tejo, que se queixam de ser esquecidos pelo Governo no Plano Nacional de Investimentos 2030. O que pensa disso?
Isso é uma questão que deve ser colocada ao Governo.
Mas o senhor há-de ter uma opinião?
Não vou fazer comentários. Sobre aquilo que tenha a ver com o Programa Operacional Regional, com o futuro quadro comunitário e com a forma como tratamos a Lezíria, eu estarei sempre à vontade para me pronunciar.
Mas tem ideia de projectos estruturantes que são necessários para esta região…
Mas disso também o Alentejo se queixa. Vamos ter aí um Plano de Recuperação e Resiliência, com muitos milhões de euros, em que esta região deve manifestar-se e ter força para conseguir alguns desses projectos estruturantes.
Há quem diga que tem faltado peso político nesta região para influenciar decisões em Lisboa.
Essa é sempre a velha questão. Se fosse para Bragança ou para o Baixo Alentejo a pergunta seria igual. O que é o peso político?
Vozes que se façam ouvir, que possam influenciar tomadas de decisão.
Sim, mas se as pessoas trabalharem e forem reivindicativas no sentido construtivo acabam por conseguir algumas dessas obras e desses financiamentos.
Pouco depois de ter tomado posse como presidente da CCDR Alentejo, defendeu o aumento da taxa de execução de projectos financiados pela União Europeia, para o território ganhar poder reivindicativo na corrida aos novos fundos. As autarquias têm andado a marcar passo?
A taxa de execução estava em 34% e tinha que aumentar. Já vai nos 40%. Mas a taxa de execução não depende apenas das autarquias, há muitos sistemas de incentivos para privados. Posso dizer-lhe, inclusivamente, acerca da taxa de execução dos pactos estabelecidos com as comunidades intermunicipais, que a Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo (CIMLT) é a melhor do país, com 45%. São dados de finais de Novembro. O fundo contratualizado foi de 57 milhões de euros, há um investimento aprovado de 66 milhões e o fundo executado é de 26 milhões de euros, no caso da CIMLT.
Ou seja, até 2023 tem que se executar mais do que foi executado desde o início do Portugal 2020, em 2014.
O que penso que houve aqui foi a tendência de muitas obras serem programadas a longo prazo.
Ou para bater com ciclos eleitorais.
Não queria entrar nisso. Costumo dizer que o meu partido, agora, é o do desenvolvimento regional. Sou o mais apartidário possível no exercício das minhas funções. Lembro que as câmaras tiveram que fazer planos de reabilitação urbana e isso demora tempo. E depois veio a pandemia - que não justifica tudo, pois tem um ano e o quadro comunitário tem sete - mas acabou por levar a que muitos concursos ficassem desertos, que se tivesse que aumentar o valor base dos concursos devido ao aumento do custo das matérias-primas, dos transportes, da mão-de-obra especializada. Mas a verdade é que a taxa de execução no Programa Operacional Alentejo passou num mês e pouco de 34% para 40%.
E qual foi o seu contributo específico nessa matéria?
Fazer muitos quilómetros, falar com muita gente, como autarcas e empresários. Também conseguimos aumentar a taxa de comparticipação para 95% nas áreas de serviço empresarial, nas escolas e equipamentos sociais, para estimular a taxa de execução.
“Temos que deixar
de pensar pequeno”
Parecia estar na Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo (ERTAR) como peixe na água. Porque decidiu candidatar-se à CCDR Alentejo?
Estava há 35 anos no turismo e tudo na vida tem um prazo de validade, até as latas das sardinhas. Penso que fiz um trabalho interessante no turismo mas estava na altura de mudar de ciclo. Também tive responsabilidades partidárias durante 14 anos e houve uma altura em que decidi que chegava.
A decisão de ser candidato à CCDR Alentejo partiu de si ou foi convidado pelo seu partido, o PS?
Partiu de mim. Manifestei a minha vontade em candidatar-me.
E depois teve o apoio do seu partido e do PSD, já que houve um entendimento a nível nacional entre as direcções dos dois partidos para indicação dos candidatos às cinco CCDR.
Desculpe mas isso deve ser só no papel. Não tive conhecimento de nada disso. E posso dizer que a direcção nacional do PSD não transmitiu isso aos seus autarcas no terreno, porque se tive um ou dois votos de autarcas do PSD foi muito.
A experiência como presidente da região de turismo facilita-lhe a vida agora, na relação com os autarcas ribatejanos?
Imenso. Conheço o território muito bem, conheço os autarcas e não só, porque também contacto muito com instituições e agentes empresariais. Aliás, há uma componente essencial ainda neste quadro comunitário de apoio e no próximo que passa pelo apoio à produção nacional. Abrimos agora um aviso nessa área, são projectos de 250 mil euros virados para a parte industrial.
E quanto às autarquias?
Uma coisa é o investimento autárquico, outra é os projectos estruturantes para o território. E aí os autarcas têm que se entender. A barragem do Pisão está no PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) porque os autarcas do distrito de Portalegre uniram-se para que fosse construída. Se queremos a ligação ferroviária Sines-Caia, os autarcas têm que estar todos unidos. Se queremos ter aqui na Lezíria infraestruturas que possibilitem acessos muito mais eficientes entre concelhos os autarcas têm que estar todos unidos.
Mas os autarcas têm estado unidos em reivindicações como a conclusão do IC3 ou da modernização da Linha do Norte.
Não é só estarem unidos, é dizer: nós queremos este projecto e não queremos aqueles.
Os sucessivos governos estão fartos de saber que projectos são há muito reclamados e necessários.
Mas tem que haver uma vontade inequívoca e forte de todos, para que essas coisas possam ser construídas. E contem comigo para que isso seja obtido.
Os autarcas da Lezíria do Tejo tomaram posição sobre isso há relativamente pouco tempo. O que podem eles fazer mais?
Depois da entrevista falamos.
Os autarcas alentejanos têm aceitado bem os vizinhos ribatejanos que lhes entraram pela casa dentro?
Sim, isto é como tudo na vida. Provavelmente, no anterior quadro comunitário, a Lezíria, pelos indicadores que tinha, necessitava imenso que o Alentejo fizesse parte desta NUT por causa do acesso a determinados fundos estruturais. Agora é ao contrário.
Isso significa que a Lezíria estagnou em termos de desenvolvimento ou foi o Alentejo que deu o salto?
Foi o Alentejo que cresceu exponencialmente devido a factores endógenos mas que são grandes projectos nacionais. É o caso do porto internacional de Sines, que faz aumentar brutalmente o rendimento per capita do Alentejo; é o caso da Embraer; e também o turismo, que deu indicadores económicos muito fortes. São três factores essenciais para que o Alentejo tenha subido o seu rendimento per capita.
Há pouco, quando disse que falávamos no fim da entrevista, foi por não querer apontar o dedo a alguns autarcas mais fraquinhos?
Não era bem isso. Tem é que, de facto, haver da parte das forças vivas de uma região o entendimento de que há projectos estruturantes e decisivos para o território. Só assim será possível depois convencer o Governo e a União Europeia. Temos que deixar de pensar pequeno.
Não chega emitir um comunicado?
Não, isso é pouco.
Assembleia da República nunca mais!
António Ceia da Silva nasceu a 11 de Abril de 1963 em Portalegre, onde viveu até ir estudar para Coimbra com a intenção de se licenciar em Direito. Uma oportunidade que teve de trabalhar como técnico de turismo, na Região de Turismo de São Mamede (Portalegre), mudou-lhe o rumo da vida. Descobriu a grande paixão da sua vida.
Foi presidente da Região de Turismo de São Mamede e já depois dos 40 anos decidiu que devia aliar a experiência de vários anos no sector do Turismo ao conhecimento académico e licenciou-se em Turismo. Seguiu-se o mestrado em Gestão Estratégica de Destinos Turísticos e prossegue o doutoramento no Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, em Lisboa. Foi presidente da Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo entre 2013 e 2020.
Ceia da Silva foi deputado na Assembleia da República eleito pelo Partido Socialista em 2005 mas não levou o mandato até ao fim. Em entrevista a O MIRANTE, em 2015, dizia ter sido a pior experiência da sua vida, que nunca mais queria repetir. Actualmente mantém essa opinião: “Sou um executivo, que gosta de fazer coisas. Nunca me adaptei. Como em tudo na vida é preciso nascer para aquilo”.
“Tem que haver um projecto estruturante para o Tejo”
O Tejo é um património comum ao Ribatejo e ao Alentejo. Como é que um homem do turismo vê o aproveitamento que tem sido feito do potencial do rio?
Essa é uma questão que tem que ser devidamente trabalhada e enquadrada por toda a gente, do Governo até aos autarcas de freguesia. Da parte do presidente da CCDR Alentejo há toda a vontade para que isso possa ser colocado como um projecto estruturante no próximo quadro comunitário de apoio. Tem que haver um projecto estruturante para o Tejo e depois implementá-lo ao longo dos anos. Um projecto que seja encarado como vital para o território.
Fala-se numa candidatura do Tejo a património da humanidade. Pode ser o clique para projectar e aproveitar tudo aquilo que o rio pode oferecer?
Falando como homem do turismo, o primeiro factor de procura nos motores de busca das redes digitais é o que é património mundial. Vivemos um período de pandemia mas vamos ter o pós-pandemia e considero que estas zonas vão ser beneficiadas. Vão subsistir muitas dúvidas. O estigma vai levar a que o turista opte por visitar zonas de baixa densidade. A tendência não será para ir para os grandes centros. Esta região pode aproveitar muito com isso e tudo o que for património mundial ajuda.
Como vê essa possível candidatura?
Da parte da CCDR Alentejo há sempre disponibilidade para estar ao lado dos autarcas, dos agentes empresariais, das IPSS, porque há que mudar indicadores. Estamos bem servidos de equipamentos, mas em termos económicos e de pessoas, que são a nossa principal riqueza, perdemos jovens quadros, não surgiram novas empresas…
Esse é o drama do chamado interior, que se arrasta há décadas.
Mas esse é o grande desafio que temos que enfrentar.
A pandemia pode ajudar a repovoar as regiões mais desertificadas?
Sim. Nomeadamente porque o estigma fica e as pessoas vão procurar essas regiões não só para turismo mas também para residir. Se algo de bom trouxe a pandemia foi a consolidação do teletrabalho, que pode trazer jovens quadros superiores para estes territórios. Mas para que se fixem é necessário haver bons equipamentos culturais e desportivos, boas escolas e, claro, boas acessibilidades. Os tais projectos estruturantes.
As novas funções obrigam-nos a mais trabalho de gabinete ou o carro continua a ser o seu escritório?
Diria que agora tenho dois escritórios, que são o carro e o gabinete, porque temos que assinar muitos papéis.
“Sou um anti-burocrata puro”
Pelo que sabemos, não se dá muito bem com a burocracia.
Sou um anti-burocrata puro. Custa-me muito ficar fechado num gabinete. Gosto de andar no terreno, pois fica-se com uma percepção diferente. Há dias visitei o Cartaxo e conheci um projecto de ponta na área do mobiliário de luxo, com um grau de exportação de 90% e que é altamente inovador. Fiquei satisfeitíssimo por conhecer aquele projecto.
O problema de muitos políticos é não conhecerem os terrenos que pisam?
Sem dúvida. Ir ao terreno é fundamental.
Mais conhecimento, mais informação, melhor decisão.
Se me falarem agora do que está a ser feito no mercado municipal de Santarém, eu sei responder. Se estivesse no gabinete fechado tinha que ir ver ao papel o que era o projecto de reabilitação. Temos que ir ao terreno, temos que conhecer as coisas. É diferente o contacto pessoal.
Um homem do terreno poderia dar um bom autarca. Nunca se viu nessa pele?
Não. Costumo dizer que temos que estar na paragem do autocarro no momento certo. Porque aquele autocarro só passa naquele momento. E esse autocarro já passou.
Foi deputado, eleito em 2005, aquando da maioria absoluta do PS. Como foi trabalhar com o primeiro-ministro e secretário-geral José Sócrates?
Conheci e trabalhei com muitos secretários-gerais do PS, pois tive funções a nível partidário. Trabalho bem com toda a gente. A conciliação é boa para todos. A bem consegue-se tudo.
O Alentejo nos últimos 30 anos deu um grande salto e o senhor está no meio desse crescimento. Tendo em conta que o território desertificou-se e tem sido alvo de alguma pirataria em termos de investimento, porque está a ser plantado muito olival e muito amendoal, não há aqui uma contradição entre o que é desenvolvimento e o interesse das populações?
Penso que não. O grande esforço que tem que ser feito é ficar com o valor de transformação do produto. Por exemplo, em relação ao olival, a azeitona acaba por ser comprada pelos espanhóis e eles é que a transformam em azeite. E a mais-valia não fica cá.
Sendo um político do terreno, de acção, como é que consegue relacionar-se com os seus colegas que, na maioria, são homens de gabinete? Como é que se sente ao olhar à sua volta e ver que o seu exemplo tem poucos seguidores?
É um esforço de todos os dias. Compreendo a questão mas não seria tão fundamentalista. Tenho encontrado gente muito interessante nesta experiência pública. As pessoas é que fazem as instituições e diria que há de tudo.
Politicamente identifica-se com alguns políticos das novas gerações?
Se não acreditamos nas novas gerações em quem é que vamos acreditar? Tenho esperança que venha aí uma nova geração forte.
O seu PS é um partido que tem capacidade de renovação?
Fui presidente da federação distrital de Portalegre do PS durante 14 anos e quando deixei essas funções passei para a última fila da sala de reuniões. Temos que ter essa capacidade. Estou muito afastado das questões partidárias.