Tomar tem um gabinete de apoio às vítimas de violência doméstica
Sandra Santos e Tânia Franco são os rostos do Espaço M, um local de atendimento em Tomar para vítimas de violência doméstica e de género. A funcionar há cerca de um ano, o espaço já apoiou cerca de duas dezenas de vítimas, todas elas mulheres. O MIRANTE conversou com as técnicas que perspectivam um ano de muito trabalho no combate a uma realidade que, apesar de encoberta, está enraizada na sociedade.
A abertura formal, a 26 de Novembro de 2020, do Espaço M, em Tomar, veio colmatar uma lacuna que existia no concelho no que diz respeito ao atendimento a vítimas de violência doméstica e de género. A falta de um espaço físico condicionava a decisão das vítimas em denunciarem os maus tratos, continuando assim à mercê dos agressores. O novo espaço surge no seguimento do “Projecto Maria”, uma iniciativa da Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo (CIMT), financiada por fundos europeus, desenvolvida a pensar na criação de uma estratégia de trabalho no terreno que envolva a sensibilização, sinalização e intervenção na área da violência doméstica e de género. Uma acção que abrange os 13 municípios que integram a comunidade intermunicipal.
Sandra Santos, educadora social, e Tânia Franco, psicóloga, são os rostos do projecto coordenado por Sónia Bastos que, desde Março de 2020, já recebeu cerca de duas dezenas de vítimas, todas elas mulheres. A noção de que existem muitas mais é uma realidade, dizem, inegável e difícil de combater, e que é explicada pelo facto da violência doméstica ser um fenómeno encoberto e bastante estigmatizado. A razão para a percentagem de vítimas femininas ser muito superior à masculina deve-se à falta de igualdade de género que ainda está patente na sociedade, explicam.
No entanto, salientam, há cada vez mais homens a “perderem a vergonha” na hora de denunciar os maus tratos que sofrem. As técnicas sublinham ainda que todas as vítimas que retiraram de casa voltaram ao contexto de agressão. “Nessas situações não desligamos da pessoa; tentamos confortá-la e fazê-la acreditar que somos de confiança e que a podemos continuar a ajudar. Respeitamos a sua vontade, mas nunca desistimos”, afirmam.
O MIRANTE foi ao gabinete do Espaço M, situado junto à Praça da República, em Tomar, conversar com as duas técnicas que trabalham há vários anos na área com o objectivo de ajudar e colocar ao dispor das vítimas os meios necessários para a mudança dos padrões das suas vidas. “Trabalhar com vítimas exige uma gestão emocional enorme. São as vítimas que têm de querer mudar de vida, não podemos ser nós a obrigá-las. As que não querem, não nos resta outra solução senão aceitar aquilo que não podemos mudar”, desabafam.
A angústia de quem sabe
que pode morrer
a qualquer momento
No Espaço M existem várias formas de trabalhar com as vítimas, embora prevaleça sempre o contacto presencial. A primeira vez que Sandra e Tânia são contactadas fazem uma avaliação de risco para perceber a gravidade da situação em que a vítima vive e que tipo de agressor existe. Depois de perceberem em que nível está, as técnicas trabalham com o objectivo de devolver à vítima o controlo da sua vida. “Queremos dar às vítimas a autonomia de decisão que perderam; tentamos que recuperem a confiança para saírem da teia onde estão enroladas”, explicam.
No seu rol de casos, existem dois que as marcam especialmente pelo facto de estar associado perigo de morte. Num deles a vítima assume mesmo que sabe que vai morrer às mãos do agressor, mas a dependência emocional é tão grande que coloca a relação à frente de tudo, até dos próprios filhos. “São situações que nos chocam, porque também somos mães, em que vemos ali uma relação tão doentia que a pessoa é incapaz de zelar pela segurança dos seus filhos”, revelam.
Nestes ambientes familiares, as crianças também são vítimas; sofrem uma pressão psicológica enorme por saberem que em casa, depois da escola, vão assistir a episódios de violência que vão definir e marcar o seu crescimento e formação. “A violência nas pessoas existe pelo ambiente familiar tóxico em que vivem ou viveram. Pessoas que sofreram de violência, directa ou indirecta, na juventude, acabam por desenvolver comportamentos agressivos nas suas relações íntimas. Somos o espelho do que assistimos em casa”, concluem, em uníssono.