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“Santarém não pode ter medo do futuro”
Ricardo Gonçalves assumiu em 2012 a presidência da Câmara Municipal de Santarém, após a renúncia de Moita Flores, tendo sido eleito em 2013

“Santarém não pode ter medo do futuro”

Ricardo Gonçalves vai recandidatar-se a um último mandato como presidente da Câmara de Santarém e não coloca a hipótese de perder. Depois quer ir trabalhar para o sector privado. Nesta entrevista salienta o trabalho feito na recuperação das contas da autarquia que hoje paga a tempo e horas. Diz que a oposição tem travado o desenvolvimento de alguns projectos com fins eleitoralistas, acusa o Governo de esquecer a região e assume que o concelho só ficou a ganhar com a saída de Moita Flores. Uma entrevista em véspera de mais um feriado municipal.


Já pensou no que vai fazer quando deixar de ser presidente da Câmara de Santarém?

Vou para o meu último mandato. Já estou há muitos anos na política e quero regressar ao privado. Já houve convites num tempo recente…

Para que área?

Para a área da gestão, em empresas privadas. Temos de estar cientes que estamos de passagem por estes lugares. Tenho muito orgulho no trabalho que fizeram as equipas que liderei. Nestes 7 ou 8 anos conseguimos pagar 57 milhões de euros de dívida. O historial do município de Santarém era pagar sempre a mais de um ano e actualmente pagamos a uma semana.

Também pertenceu aos executivos que fizeram a dívida do município disparar até aos 100 milhões de euros…

Só que a dívida já vinha de trás, tal como o hábito de demorar muito tempo a pagar. Mas não renego esse passado, embora tenha sido contra esse excessivo endividamento e, como é sabido, tenho grandes desinteligências com a pessoa que então estava como presidente da câmara. O município de Santarém, com os executivos que liderei, estruturou-se, passou a pagar a tempo e horas, faz mais investimento e cobra menos impostos. Mas isso requer rigor e muita capacidade de gestão.

Esse saneamento financeiro verificado na última década foi transversal à maior parte dos municípios e foi imposto pelo Governo através do PAEL (Programa de Apoio à Economia Local).

Mas desafio que se veja os municípios que recorreram ao PAEL e que ainda aumentaram a sua dívida e continuam a não pagar a tempo e horas. Hoje estamos num novo tempo, apesar da pandemia. Um tempo que é de investir e de recuperar muito tempo perdido, nomeadamente com o aproveitamento de fundos comunitários. Estamos também a preparar um novo quadro comunitário e é fundamental que seja tão bem aproveitado como este.

A dívida da autarquia quase duplicou e atingiu os 100 milhões no tempo em que Moita Flores era presidente da câmara. Esse valor justifica-se pela obra feita ou houve muito dinheiro mal gasto?

Esses valores estão justificados por investimentos que foram feitos e para os quais não havia receita para os pagar. E há também aí a influência dos 16 milhões de euros da compra da Escola Prática de Cavaleira (EPC), que estão inscritos no total da dívida. Mas na dívida que o PS reflectiu para o Tribunal de Contas, em 2005, faltavam 13 milhões de euros. Eram 67 milhões de euros no total. Recordo-me que o PSD, pouco tempo depois de ganhar a câmara, teve de fazer empréstimos para pagar dívidas às freguesias, que estavam a sufocar já há vários anos. Hoje a dívida do município é de 43 milhões de euros, incluindo já os 16 milhões da compra da EPC.

Será por isso que alguma oposição diz que o Ricardo Gonçalves gere a câmara como um contabilista?

A oposição tem que perceber que as entidades devem ser honradas. Estamos agora na fase de investir e basta ver as deliberações de câmara para constatar o que estamos a fazer ao nível de obras, o que damos às associações e aos clubes. Colocamos hoje muito dinheiro na economia. A diferença é que hoje deliberamos e uma semana depois é pago. Antigamente, deliberava-se e pagava-se dois ou três anos depois. As pessoas que dizem isso não têm capacidade de gestão, nomeadamente o PS, que o provou várias vezes quando geriu a câmara.

Hoje já quase não se fala das contas da câmara.

Deixou de ser tema para a oposição. E há outra coisa: pela primeira vez temos algo programado, que é baixar os impostos municipais anualmente. Devagar, mas baixam. A Derrama nunca foi reduzida pelo PS. O IMI sempre foi dos mais caros do país.

Apontou a manutenção da maioria absoluta na câmara como objectivo nas próximas autárquicas. O surgimento do Chega não pode vir a baralhar as contas?

Trabalhamos para ter a maior votação possível. Ainda esta semana tivemos o chumbo na assembleia municipal de uma proposta que achamos importante para o concelho. O aparecimento de mais partidos é um sinal da democracia a funcionar. O PSD está é preocupado com o trabalho que tem que fazer e achamos que o que temos vindo a desenvolver permitirá que os escalabitanos nos dêem mais uma oportunidade de governar os destinos do concelho.

Imagine que não ganha a câmara. Vai ficar como vereador da oposição?

Não ponho essa hipótese. Quando entramos é para ganhar e é para isso que trabalhamos.

Ainda só é conhecido um adversário na corrida autárquica, o cabeça-de-lista do PS Manuel Afonso. Ficou surpreendido com essa escolha, tendo em conta que Afonso é deputado?

Não vou comentar as candidaturas dos outros partidos, que escolhem as pessoas que julgam mais preparadas para o lugar. Temos é que falar do trabalho que temos feito e aquilo que temos para propor.

A sua lista vai ser de continuidade ou vai haver mudanças?

Não vou falar de questões autárquicas nos próximos meses, até termos cumprido uma grande parte do nosso compromisso com os escalabitanos. Ainda não é o tempo de falar, temos que nos focar no trabalho e naquilo que é a pandemia.

Esperava uma oposição tão dócil na câmara neste mandato?

Não costumo comentar a oposição, que faz o trabalho que pode. Há uma coisa que o PSD sempre fez e continuará a fazer, caso ganhe as próximas eleições, que é convidar sempre vereadores de outros partidos para terem pelouros.

E eles geralmente nunca aceitam.

Sim. Vemos a democracia desta maneira. Claro que quem ganha define as regras e nós fizemo-lo. Refira-se ainda que o município de Santarém cumpre o estatuto da oposição e quando apresenta os seus orçamentos pede propostas aos outros partidos. Já fizemos muitos orçamentos e nunca recebemos propostas concretas, com excepção do Bloco de Esquerda.

“A oposição, quando tem oportunidade, faz com que as coisas não se realizem”

Na assembleia municipal o PSD não tem maioria absoluta e já sofreu alguns amargos de boca, como o recente chumbo do concurso para concessão da gestão do mercado municipal a privados. Se for reeleito vai insistir nessa proposta?

Vou. Acho que é a melhor proposta para Santarém. Os mercados municipais que se têm desenvolvido mais têm gestão privada. Santarém não pode ter medo do futuro. Somos uma das cidades médias que mais vai crescer no país, tem potencialidades excepcionais, mas de cada vez que há oportunidades de futuro Santarém não as aproveita. Ouvi pessoas a dizer que seria mau para o centro histórico ter um mercado forte a funcionar. Tenho uma visão completamente contrária. E atenção que os comerciantes que lá estavam ficavam acautelados. Queremos um mercado com programação cultural, que esteja aberto das 07h30 à meia-noite e não só até às três da tarde.

Falou nessa assembleia que Santarém sofre do complexo de Garrett. O que queria dizer com isso?

Há muita gente em Santarém com outro pensar, que olha para a cidade como Garrett a viu: um livro de história de pedras rasgadas, completamente sem iniciativa, amorfo e sem potencialidades para crescer. Nós temos uma visão completamente oposta. Veja-se as apostas feitas por gente nova na restauração, o turismo tem subido muito em termos de visitação… Se tivermos a visão que Santarém nada é nem nada pode ser, então é muito complicado.

Santarém é uma cidade com muitos velhos do Restelo?

Não digo que sejam velhos do Restelo. Aceito que haja pessoas com visões diferentes, a democracia é mesmo isso.

Mas recentemente acusou a oposição de querer impedir o desenvolvimento do concelho com fins eleitoralistas. É uma acusação forte.

Não foi só agora. Antes chumbaram o crematório, o Hospital da Luz, com a Casa do Benfica criaram dificuldades... A oposição, quando tem oportunidade, faz com que as coisas não se realizem. E, muitas vezes, quando diz que quer ser informada pretende é que a discussão se eternize, para que as coisas não se façam. Temos de ser audazes. Há muitos projectos em carteira, como o museu municipal, a requalificação do Campo Infante da Câmara…

Acredita que vai ser o presidente da câmara que vai finalmente inaugurar obras no Campo Infante da Câmara?

Acredito que no próximo mandato vamos lançar algumas obras nesse espaço. Já temos a Faculdade de Arquitectura de Lisboa a trabalhar nos projectos, em resultado daquilo que foi a deliberação da assembleia municipal. Será uma obra faseada.

A Câmara de Santarém tem praticamente selado o acordo com a Lactogal para recuperar cerca de 9 hectares de terrenos junto à Quinta da Mafarra. É um passo importante para tentar captar novas empresas?

Sim. Há quem queira passar a ideia que não há investimento empresarial em Santarém. Fiz um apanhado deste mandato e já levámos a reunião de câmara, através dos programas Via Expresso Jovem e Via Expresso Investidor, cerca de 24 milhões de euros de investimento de pequenas e médias empresas, que nós isentamos de impostos municipais. Temos também alguns grandes investimentos no concelho que são de relevar: a Font Salem duplicou as suas instalações, num investimento de 40 milhões de euros; a Valsabor, em Alcanede, fez um investimento de 15 milhões de euros e anunciou recentemente que vai fazer o maior matadouro da Península Ibérica; a Leroy Merlin fez um investimento de 6 milhões de euros; a Olitrem duplicou a sua fábrica; a Bonduelle investiu mais de 2,5 milhões de euros; a Unicer fez uma plataforma logística, num investimento de 3 milhões de euros; a Santacarnes fez agora um investimento de 2 milhões de euros no matadouro; entre outros projectos empresariais que têm investido no nosso concelho.

Qual é a quota-parte de mérito do município nessa realidade?

Temos hoje regulamentos muito atractivos, com incentivos, e algumas destas empresas poupam dezenas de milhares de euros instalando-se em Santarém. Isto tem retorno, cria postos de trabalho. Também demos condições à Nersant para instalar diversas empresas na antiga EPC. E há também o Centro de Excelência para a Agricultura, na Fonte Boa, que representa um investimento de 6 a 7 milhões de euros nesta primeira fase.

“Sinto muito a falta do convívio, de estar com as pessoas”

Estamos há mais de um ano em pandemia, sujeitos a inúmeras restrições no convívio social. Tem sido muito difícil para si, que estava habituado a marcar presença em tudo o que era eventos no concelho?

Sinto muito a falta do convívio, de estar com as pessoas. Somos feitos de afectos e é uma coisa que custa a todos. Foi difícil e tivemos de nos adaptar. O município já gastou alguns milhões de euros com a pandemia, tivemos de comprar máscaras, gel, ajudámos a comprar ventiladores para o hospital, computadores para as crianças… Tivemos que nos substituir ao Estado em diversas áreas e o que interessa agora é passar uma mensagem de esperança: que passe rapidamente esta pandemia, que a economia possa arrancar e a normalidade volte à vida das pessoas.

Que prenda gostava de dar à cidade neste feriado municipal?

Era que todos já estivéssemos vacinados e que tivesse sido alcançada a imunidade de grupo em Santarém, para podermos regressar à nossa vida.

E que mensagem quer deixar aos munícipes?

Dizer-lhes que o município está a trabalhar num conjunto importante de obras: temos em construção o pavilhão de Alcanede e vamos lançar o pavilhão de Pernes. Há várias intervenções de requalificação na cidade, como a Avenida António dos Santos, Largo da Alcáçova e Avenida 5 de Outubro, Igreja do Alporão e Igreja de Santa Iria da Ribeira. Na habitação social estamos a recuperar o bairro de Alfange. Estamos a trabalhar também num plano local de habitação para proporcionar condições condignas de habitação a todos.

Há também investimentos fortes no desporto?

Sim. Além dos pavilhões de Alcanede e de Pernes, vamos recuperar o campo da Ribeira, o da Agrária e temos um projecto muito ambicioso para recuperar o campo de râguebi na EPC. Queremos também, mais tarde, construir num novo complexo desportivo.

“Santarém ficou a ganhar muito com a saída de Moita Flores”

O seu antecessor na presidência da Câmara de Santarém, Moita Flores, deu uma entrevista há cerca de dois meses, a um programa televisivo de grande audiência, em que o denegriu e lhe fez fortes acusações, chamando-lhe mesmo canalha. Porque não reagiu publicamente?

Nós detectámos algumas ilegalidades no município de Santarém e fizemos o que acho que toda a gente deve fazer, que é denunciá-las. O processo está a decorrer em tribunal e há declarações públicas do Ministério Público sobre estas questões. Percebo que quem está numa posição frágil, como se encontra neste momento o anterior presidente da Câmara de Santarém, queira desviar as atenções. Eu não vou desviar as atenções daquilo que a justiça está a fazer. Espero que a justiça cumpra o seu papel e gostava que mais dirigentes políticos fizessem aquilo que nós fizemos, que é denunciar à justiça aquilo que está mal.

Não se sente conivente, já que pertenceu aos executivos de Moita Flores e até foi seu substituto legal?

Foram coisas que não passaram pela esfera daquilo que eram os meus pelouros e que só detectámos posteriormente. Felizmente que há justiça e está a funcionar. Iremos até às últimas consequências para que Santarém seja ressarcida.

Moita Flores foi um erro de casting? Se soubesse o que sabe hoje não teria alinhado com ele?

O dr. Moita Flores foi claramente uma pessoa que passou por Santarém para se promover e não olhou para Santarém. Temos que lamentar ter estado cá. Fez coisas boas, fez coisas más mas, efectivamente, Santarém ficou muito a ganhar com a sua saída.

Nunca mais teve contacto com ele desde que saiu da câmara?

Não. Só nos cruzámos em tribunal e espero que nos voltemos a cruzar. É sinal que os processos estão a decorrer e que a esperada condenação está para acontecer.

“Há um desrespeito do Governo para com esta região”

A muito falada e ambicionada variante ferroviária a Santarém parece que foi metida na gaveta de vez pelo Governo. Quem é que andou a vender gato por lebre durante estes anos todos?

Neste salão nobre, onde nos encontramos, ouvi o então ministro Mário Lino, de um Governo de José Sócrates, dizer que estaria iniciado o desvio da Linha do Norte em 2012. Houve projectos, expropriações, depois vieram tempos conturbados com a intervenção da troika e não avançou. Surgiu depois o Plano Nacional de Investimentos 2030 e o projecto apareceu na primeira versão, ainda no tempo do ministro Pedro Marques, que entretanto foi para eurodeputado. Sucedeu-lhe o actual ministro Pedro Nuno Santos, que mandou estudar o dossiê e decidiu que afinal já não é assim e opta por uma nova linha de alta velocidade Lisboa-Porto.

O que fez quando soube dessa mudança de planos?

Reunimos imediatamente com o senhor ministro, falei com os deputados da nação. O ministro já reconheceu que esta região tem sido prejudicada, porque como se esteve à espera da variante e as diversas passagens desniveladas não foram feitas. Tenho informação de que a obra da variante à passagem de nível das Assacaias ainda vai ser lançada este ano...

Mas isso são paliativos…

Claro! Há uma coisa que tenho que lamentar: reunimos com todos os deputados eleitos pelo distrito e dissemos que seria importante haver um projecto de resolução comum, para ter mais força quando fosse apresentado na Assembleia da República, mas não se chegou a consenso. Era importante ter todos os deputados do distrito a dizerem ao Governo, a uma só voz, que este projecto era fundamental para a região. Com as obras das barreiras houve essa estratégia e resultou. Acho um ultraje que a nossa Comunidade Intermunicipal não tenha qualquer investimento directo no Plano Nacional de Investimentos 2030. Só há duas no país nessa situação. Há um desrespeito do Governo para com esta região e daí ter apelado aos deputados para uma posição conjunta.

Parece que a voz do Ribatejo não chega a Lisboa.

Durante muitos anos, a única entidade que colocou este assunto na ordem do dia foi o município de Santarém. E agora que há dinheiro é inaceitável que não seja feita.

Esta era a última oportunidade?

Se o processo da linha de comboio de alta velocidade Lisboa-Porto for como o do novo aeroporto, é possível que daqui a 20 anos estejam a retomar o projecto da variante ferroviária a Santarém.

“Santarém não pode ter medo do futuro”

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