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Luís Arrais é o novo homem forte da ginástica em Portugal
Luís Arrais foi eleito presidente da Federação Portuguesa de Ginástica em Dezembro de 2020

Luís Arrais é o novo homem forte da ginástica em Portugal

Luís Arrais é o novo homem forte da ginástica em Portugal

Luís Arrais chegou à sua cadeira de sonho ao ser eleito presidente da Federação Portuguesa de Ginástica. Foi o corolário de um percurso na modalidade em que foi atleta, treinador e dirigente associativo. O professor de Educação Física, residente em Santarém, diz que a pandemia está a ter impactos profundos na juventude, ao privá-la da actividade física enquadrada, e admite que os clubes vivem tempos de desespero.

Foi eleito recentemente presidente da Federação Portuguesa de Ginástica. Chegou à sua cadeira de sonho?

Era de facto um objectivo neste percurso que temos tido apesar de só ter surgido há sensivelmente dez anos quando nos candidatámos pela primeira vez. Porque do que eu gostava mesmo era de dar treinos, de trabalhar no terreno.

Como é que os clubes de ginástica da região viveram este contexto de pandemia em que toda a actividade foi suspensa?

Com muitas dificuldades. Infelizmente, é algo transversal a todo o país. Há clubes que estão desesperados, porque não têm qualquer actividade. As dificuldades são imensas: não há competições; não há atletas; há treinadores, alguns que já só viviam da ginástica, a viver com dificuldades; os clubes não têm receitas a entrar…

Têm recebido muitos pedidos de ajuda?

Sim, mas o que os clubes querem desesperadamente é uma aberta para poderem começar a trabalhar. Esta nova proposta de desconfinamento já veio dar uma luz ao fundo do túnel porque a partir de 5 de Abril a maioria das disciplinas da ginástica já pode começar a treinar.

Os clubes deviam ter mais ajudas do Estado, nem que fosse para a retoma da sua actividade pós-pandemia?

Nesta altura há promessa de isso vir a acontecer, depois de muito esforço. O presidente do Comité Olímpico de Portugal, dr. José Manuel Constantino, que por acaso também é aqui de Santarém, tem liderado uma grande campanha para que o Governo olhe para os clubes da forma que o desporto merece. O Governo apresentou um pacote de ajuda com um valor global de 65 milhões de euros que visa apoiar de forma directa ou indirecta os clubes e há também verbas para as federações, mas em forma de empréstimo. No entanto ainda não chegou nada aos clubes.

Há hipóteses de termos ginastas da região nos Jogos Olímpicos deste ano?

Sim, temos em concurso dois ginastas de trampolins que estão pertinho de serem apurados, sendo que um é o Diogo Ganchinho, de Santo Estêvão (Benavente).

Os trampolins têm grande peso nesta região que se traduziu também em presenças em Jogos Olímpicos anteriores, casos de Ana Rente, Nuno Merino e Diogo Ganchinho. Qual é o segredo para esse desempenho?

O segredo é trabalho e é a qualidade dos treinadores. Mas temos outras disciplinas com uma força muito grande, nomeadamente a ginástica artística na zona norte do distrito. Temos também a acrobática a surgir em diversos pólos do distrito com força e qualidade. Espero que sigam as pegadas que os trampolins trilharam nas últimas décadas, para darem muitas alegrias não só à região mas também ao país.

É fácil cativar os jovens, sobretudo os rapazes, para a ginástica tendo a concorrência de muitos desportos colectivos, como o futebol, por exemplo?

Curiosamente, a maioria das federações luta por um equilíbrio de géneros, já que o feminino está altamente descompensado em relação ao masculino. Na ginástica é completamente ao contrário: cerca de 80% dos atletas filiados são do género feminino e apenas 20% do género masculino. Temos grande concorrência das modalidades colectivas mas estamos a fazer um esforço muito grande para captar mais praticantes masculinos.

“Estamos a criar jovens com grandes dificuldades motoras”

Um ano sem desporto de formação que impacto tem na vida dos jovens praticantes?

Tem um impacto profundo. Há dois ou três anos, um estudo revelou que as crianças portuguesas entre os 7 e os 10 anos eram as terceiras mais obesas da União Europeia e que os nossos adolescentes eram os mais obesos. Obviamente, esta paragem veio agravar ainda mais esses números. Ou seja, estamos a criar jovens com grandes dificuldades motoras e este é o grande drama. Além disso, tem também um impacto negativo importante no crescimento desportivo nacional.

Isso vai reflectir-se no futuro próximo?

Obviamente. Vamos perder, eventualmente, uma geração no que diz respeito aos adolescentes, pois muitos estão quase há dois anos parados e alguns nunca mais voltarão ao desporto. Isso preocupa-nos. Teremos que recuperar o máximo possível desses jovens, mas acho que ninguém sabe quando alcançaremos os números de antes da pandemia.

Há dois anos o treinador Sérgio Santos, que orientou grandes figuras do triatlo nacional, dizia-nos que hoje muitos jovens quase não sabem correr. Era a isso que se referia quando falava das dificuldades motoras dos jovens?

Exacto. Depois também temos um problema estrutural: a actividade física devia ser dada nas idades mais baixas, na primeira infância, porque é aí que se aprende o vocabulário motor que vai servir para tudo na vida. Isso está a acontecer muito pouco e, ainda por cima, estes dois anos vêm agravar a situação, porque os miúdos tiveram que ficar em casa.

Esse trabalho é responsabilidade da escola?

A escola tenta de alguma maneira dar resposta a isso mas, por vezes, o sistema a estrutura das escolas, o tempo que os professores podem ter para a actividade física também são limitados. É um problema que tem de ser resolvido no seu todo, é necessário mudar muitas coisas. Quando falamos em escolas que ainda não têm um terreno onde os miúdos possam brincar estamos logo limitados à partida…

Foi professor até há pouco tempo. Como foi a experiência de dar aulas de Educação Física online?

Foi má para toda a gente, mas para a Educação Física ainda é mais difícil, pois temos que ter os alunos em actividade e não é fácil estarmos, de um lado, a pedir que eles façam actividades do outro. Muitos miúdos cumpriram. No primeiro confinamento era novidade e as coisas até correram bem. Neste segundo confinamento penso que se tornou mais difícil porque os alunos estão cansados de estar em casa.

Paradoxalmente, nunca se viu tanta gente a praticar actividade física na rua, seja a caminhar seja a correr ou a andar de bicicleta. Bendita pandemia?

Não chegaria a tanto (risos). Alguém disse que em tempos de crise uns choram e outros vendem lenços. Espero que esta pandemia pelo menos sirva para isso, para que as pessoas sintam e vejam o que perdem quando não fazem actividade física.

Muito se tem falado da necessidade de novos espaços para a prática desportiva em Santarém, nomeadamente um novo complexo desportivo. A cidade necessita de mais infra-estruturas nesse campo?

No último levantamento que fizemos, já há alguns anos. O concelho não estava muito mal nesse capítulo, dentro do que era a média do distrito. De qualquer forma, também acho que é sempre possível fazer melhor, até porque temos algumas modalidades com grande força, mesmo em termos nacionais, e que poderiam ter espaços melhorados e que proporcionassem mais qualidade aos seus atletas.

“Nunca me passou pela cabeça ser presidente da câmara ou vereador”

A par das suas responsabilidades como dirigente associativo é também autarca na Assembleia Municipal de Santarém, eleito pelo PSD. Gostaria de continuar no próximo mandato?

Sim, adoro política. Acho que nada na vida se faz sem decisões políticas. Gosto do que faço e, principalmente, gosto muito de Santarém. Portanto, se puder vou continuar. Gosto de participar e de fazer parte das soluções.

Curiosamente, chegou à actividade política já em idade madura. Não foi freguês das juventudes partidárias?

Exactamente. Sempre tive uma participação política activa mas não com responsabilidades em relação a partidos. Fui desafiado por um amigo que me acompanha há décadas, o Vítor Varejão, e tantas vezes me desafiou que acabei por me filiar no PSD e concorrer nas suas listas em eleições autárquicas.

Foi presidente da Junta de Freguesia de São Nicolau antes da fusão das freguesias da cidade. Gostou de ser presidente de junta?

Gostei imenso. Enquanto treinadores estamos sempre muito perto da acção e com um presidente de junta acontece o mesmo: estamos muito perto das pessoas, conseguimos verificar, analisar e muitas vezes resolver problemas. É uma actividade que a maioria devia experimentar.

E gostava de um dia ser presidente da Câmara de Santarém?

Nunca fez parte dos meus objectivos. Muito sinceramente, nunca me passou pela cabeça ser presidente da câmara ou vereador.

Nunca pensou que poderia dar um bom vereador do desporto, por exemplo?

Não sei, só passando por lá é que poderia saber. Inclusivamente, o presidente Moita Flores, para o segundo mandato, convidou-me para ser vereador e não aceitei. Preferi continuar ligado ao desporto. E, como pude dar uma opinião e escolher, aceitei ser presidente da empresa municipal Scalabisport.

Por vezes não pensa “bendita a hora em que não aceitei ser vereador de Moita Flores”, dado o que aconteceu depois?

Não. Nunca podemos voltar atrás. Há muitas coisas de que nos arrependemos de não ter feito, mas neste caso não. Fiz sempre o melhor que pude e soube. Tinha sido presidente de junta e não estava muito virado para ser vereador de 28 freguesias.

Manteve o contacto com Moita Flores depois de ele ter deixado Santarém?

Raramente, mas sim, quando posso falo com ele. Inclusivamente, quando ele faz anos almoçamos nesse dia ou numa data próxima.

Como é que viu a polémica resultante da entrevista televisiva dada por Moita Flores, onde fez algumas acusações ao actual presidente da Câmara de Santarém Ricardo Gonçalves?

Sinceramente, não vi a entrevista mas acho que tudo isso é mau para ambas as partes e também para Santarém. O que espero é que aquilo que tiver que ser julgado pelo tribunal seja julgado.

O senhor deixou trabalho feito também como dirigente dos Serviços de Higiene e Limpeza do município. Gostou de trabalhar nessa área?

Adorei. Na altura, o presidente Moita desafiou-me e à terceira tentativa já não consegui dizer que não. Era uma área que desconhecia completamente, mas achei que podia dar uma ajuda. Foi das áreas políticas que me deu mais gozo, embora as dificuldades de início tenham sido terríveis. Ainda hoje passo pelos funcionários e cumprimentamo-nos sempre.

A experiência como treinador foi útil para a acção política?

Sem dúvida. Conseguimos ter uma componente muito forte de disciplina, de objectivos definidos, também um trabalho muito forte de solidariedade com toda a gente. Esses ensinamentos que aprendi no desporto serviram seguramente na política.

Não deve ser fácil motivar pessoas que ganham pouco mais que o salário mínimo em funções como a da recolha de lixo ou limpeza urbana.

Não foi fácil mas dizia-lhes muita vez que esses trabalhos são dos mais importantes numa cidade. Se eu no meu escritório não fizer uma tarefa hoje posso fazê-la amanhã; e se calhar ninguém dá por isso. Eles, se não fizerem hoje, amanhã toda a gente repara que eles não fizeram.

Professor, treinador, autarca e benfiquista ferrenho

Luís Arrais nasceu em Torres Novas no dia 12 de Março de 1959 mas foi residir com a família para Santarém quando tinha seis anos. Desde aí tem feito a sua vida na capital de distrito e diz que Santarém é efectivamente a sua terra, embora goste da cidade natal.
É pai de uma rapariga e de dois rapazes, a quem transmitiu a paixão pelo SL Benfica.
Licenciado em Educação Física, Luís Arrais é professor dessa disciplina e treinador encartado de ginástica e trampolins, cargos que suspendeu entretanto. Desde Setembro que trabalha no grupo de missão da Capital Europeia do Desporto, Lisboa 2021.
Homem sempre muito ligado ao desporto, praticou ginástica (começou na Casa do Benfica de Santarém) e outras modalidades. Foi treinador da selecção nacional de trampolins e fundador do Gimno Clube de Santarém. Ocupou durante vários anos a vice-presidência da Federação Portuguesa de Ginástica até ser eleito presidente, em Dezembro de 2020.
Luís Arrais é militante do PSD e foi presidente da Junta de Freguesia de São Nicolau, em Santarém, entre 2002 e 2010, e também administrador das empresas municipais Scalabisport e Viver Santarém. Actualmente é eleito da Assembleia Municipal de Santarém.

Luís Arrais é o novo homem forte da ginástica em Portugal

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