Dois alunos do Politécnico de Tomar que são exemplos inspiradores
João Godinho e Wasim Tana são alunos do Instituto Politécnico de Tomar, conhecidos pela sua dedicação e pelo seu percurso de vida dignos de registo. Ambos são carismáticos e partilham o mesmo objectivo: aprenderem para um dia poderem ensinar. Uma conversa com O MIRANTE que teve as emoções à flor da pele pela história de vida de Wasim Tana.
Há duas gerações a separar João Godinho, 59 anos, e Wasim Tana, 24, mas no Instituto Politécnico de Tomar (IPT) ambos são conhecidos por serem alunos acima da média e por terem um percurso de vida diferente do habitual. João dedicou parte da sua vida à Força Aérea Portuguesa; Wasim, natural da Líbia, foi obrigado a fugir à guerra para procurar um destino diferente do dos seus pais e irmãos.
A conversa com O MIRANTE decorre numa das salas do IPT, com a particularidade de ser a primeira vez que os dois se cruzam nos corredores do instituto. O cumprimento dá-se com a cotovelada da praxe e João Godinho, assumindo o estatuto de mais velho, começa a contar o percurso até se tornar um dos cerca de dois mil estudantes do Politécnico de Tomar.
Dedicou a vida à Força Aérea, onde desempenhou o cargo de técnico de manutenção de helicópteros, tendo passado por quase todas as bases militares do país. Estava na base de Tancos quando, há 30 anos, se matriculou pela primeira vez no curso de Engenharia Civil do IPT. Alguns meses depois, os “seus” helicópteros foram transportados para Beja, obrigando-o a deixar o curso para trás.
Nos últimos 12 anos, desde que se aposentou, João Godinho tem assegurado a manutenção dos helicópteros do INEM e é director de segurança do Aeródromo de Tomar. Recentemente comprou uma avioneta para realizar experiências de voo, mas a pandemia estragou-lhe os planos. “Como não sei estar parado, e gosto de aprender, decidi voltar a estudar. Estou a tirar o curso de segurança e protecção civil. Por causa da idade, provavelmente não vou fazer carreira na área, mas gostava de me voluntariar para ajudar algumas instituições em Tomar”, afirma.
No regresso ao IPT, confessa que a primeira aula foi estranha. Um homem de cabelos brancos no meio de dezenas de jovens não é muito comum, no entanto a experiência correu melhor do que esperava. “Tenho um espírito jovem e muita vontade de ensinar e aprender com os mais novos. Já fiz boas amizades e só não fiz mais porque a pandemia mandou-nos para casa”, lamenta.
Com os professores também mantém uma boa relação. O rigor que utilizou na vida profissional, também o aplica nos estudos: é o primeiro a apresentar trabalhos, não falta às aulas e chega sempre a horas. “Quero ser um exemplo para os meus colegas. Quando as coisas correm mal, não me escondo. Só não falo mais porque não quero ser considerado o velho chato do IPT”, confessa a O MIRANTE, com um sorriso no rosto. João Godinho terminou o primeiro semestre com média superior a 17 valores.
FUGIU DA GUERRA
A PENSAR NO FUTURO
Wasim Tana nasceu na Líbia, o seu pai é sírio, e há cerca de cinco anos rumou à Turquia para tentar mudar o seu destino. Vivia em ambiente de guerra, sem oportunidades para evoluir, tanto a nível pessoal como profissional. Para trás deixou os pais e os irmãos que continuam a viver na incerteza de uma guerra sem fim à vista. “Não vejo a minha família há cinco anos e tenho muitas saudades. É duro imaginar que lhes pode acontecer alguma coisa e não tenho forma de os ajudar. Mas tenho de seguir com a minha vida”, sublinha. João Godinho escuta com atenção o testemunho de Wasim e emociona-se.
No dia da conversa com O MIRANTE, faz três anos que Wasim chegou ao Politécnico de Tomar, através do programa Erasmus. Falta-lhe um ano para terminar o curso de Engenharia Electrónica e Computadores. Enquanto estuda também trabalha, porque os pais não têm posses para o ajudar. Já serviu em restaurantes de Tomar, ensinou em escolas de línguas e, actualmente, está na equipa de segurança do IPT em regime de part-time. “Foi a administração do politécnico que me convidou, por saber que estava com muitas dificuldades em pagar as propinas. Agora sinto que tenho mais responsabilidades”, afirma.
Ao mesmo tempo que estuda, é vice-presidente da ESN (Erasmus Student Network), a maior organização de estudantes internacionais da Europa. O seu trabalho é voluntário e implica integrar estudantes internacionais como outros o integraram a ele; fala um português quase perfeito e conhece Tomar tão bem como os verdadeiros nabantinos. “Tenho conhecido pessoas de várias culturas e adoro a forma como os tomarenses recebem quem escolhe a cidade para viver”, declara.
A delicadeza e honestidade na forma como interage com as pessoas permitiu-lhe uma rápida integração na comunidade. Uma das suas grandes paixões é a equipa de râguebi do IPT: “Ajudou-me muito a lidar com o sofrimento de estar longe da família. Deito fora as energias negativas e ganho espaço na mente para continuar a trabalhar para alcançar os meus objectivos”.
Questionado por O MIRANTE sobre como se imagina daqui por 10 anos, Wasim não hesita na resposta: “Não gosto de prever o futuro, uma vez que há 10 anos também não me imaginava em Portugal e a falar tão bem português. De uma coisa tenho a certeza, vou trabalhar muito para poder ajudar a minha família. Esse é o meu sonho”.