O mesmo grito civilizacional, separado por décadas mas com igual legitimidade, ontem no blues de Aretha Franklin defendendo a igualdade de género, hoje no mundo do futebol exigindo a igualdade da raça humana. Cabe-nos, gentes d’Aire, fazer eco da voz de Aretha driblando as adversidades do respeito. Até que a voz nos doa, gentes de Boleiros, Maxieira, Casal Farto, Valinho de Fátima, sejamos o eco de uma razão com nome de mulher, de homem, de planta, de animal, de passado, de presente, de futuro.

Não calemos a voz de um legado. Não deixemos que o nosso silêncio seja a voz de outras gentes que d’Aire não são, mesmo que nascidas no felgar do nosso canto. Não deixemos que a falta de razão compre a nossa razão de ser. Cabe-nos, a nós, cantar o direito à nossa cidadania urbana sem os atropelos de outras vozes que, num silêncio de pedra, ferem a melodia das nossas vidas. Cabe-nos exigir respeito pela palavra que ouvimos do sr. presidente da Junta de Freguesia de Fátima, aos nove dias do mês de Fevereiro de dois mil e vinte, anunciando o fim da invasão dos camiões, na nossa urbe, para o mês de Maio daquele ano.

Cabe-nos, a nós naturais, impedir que abalroem, física e repetidamente, a nossa privacidade urbana. Cabe-nos convocar o respeito pela vida, pelo povo, pela serra, porque quando deixarmos que o pó petrifique a nossa identidade seremos o vazio de um ser material que prescinde da alma que sente. Cabe a outros o olhar de respeito pelas gentes desta terra despida do verde manto, trocado por pouco e por tanto. Caberá aqueloutros (que em outros não cabe) ouvir-nos a voz e mandar os seus ventos afastar a tormenta, do parque e da terra, trazendo a bonança do tempo de outrora. Se não formos ouvidos será porque o tempo não manda no vento, ficando à mercê de um eolo menor, distante do Deus que acolhe este vale ferido de crentes. E à surdez caberá a dívida de um respeitoso reparo.
Horácio Castanheira