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O mundo da pequena Anabela que sonhava ter uma afiadeira
Elisabete Pires, mãe da pequena Anabela, diz que Susana Estriga (à direita) é o anjo da guarda da sua família

O mundo da pequena Anabela que sonhava ter uma afiadeira

Há na vida de Anabela e da sua família um antes e um depois de se terem cruzado com a atleta Susana Estriga. A história da menina do Tramagal que vivia numa casa sem condições dignas e sonhava ter uma afiadeira foi partilhada num apelo e desencadeou uma onda de solidariedade. O mundo de Anabela já começou a mudar.

Percorremos uma estrada em terra batida no Tramagal, concelho de Abrantes, até ao conjunto de barracas onde mora uma família de seis pessoas. São 11h00 de um sábado primaveril, com o sol tímido a teimar esconder-se atrás das nuvens. Entre dois barracões aparece Anabela, ainda de pijama vestido e com a despreocupação típica de uma criança de seis anos.


Logo atrás surge a mãe, Elisabete Pires, ainda incrédula com a onda de solidariedade que se gerou para dar à sua família e, em especial, à pequena Anabela uma casa com melhores condições. “Como nunca tive ajudas de ninguém ainda estou em choque. Nunca esperamos que tantas pessoas ajudassem a minha família”, diz a O MIRANTE.


A mulher, de 42 anos, pastora de profissão, nunca achou possível ter uma casa com mosaico no chão, um telhado, janelas que não deixassem passar o frio e uma casa-de-banho sem plásticos a servir de azulejos devido às dificuldades financeiras. “Eu sonhava. Queria arranjar a casa, mas nunca tive oportunidade. Até que surgiu esta amiga na minha vida, o anjo da guarda desta família”.


A luz de esperança a quem Elisabete se refere é Susana Estriga, professora, atleta veterana e treinadora do Sporting Clube de Abrantes que acaba de chegar para se juntar à conversa. Mas antes vai vestir Anabela e dar-lhe a novidade que está a chegar um carro carregado de roupas, livros e brinquedos doados. A menina explode de felicidade.

O acaso encarregou-se de juntar Susana Estriga e Anabela

Há quatro meses e meio Susana Estriga, na busca de um cão perdido, cruzou-se com Anabela. Dedicada aos animais, a professora começou por ajudar a construir abrigos para os cães da menina até perceber que a família precisava de outro tipo de ajuda. “Ainda não tinha entrado na casa, mas lembro-me que [ao ir embora] olhei para trás e pensei: o que vai ser desta menina? Ainda nem sabia o nome dela”.


A 22 de Janeiro deste ano a professora lançou o primeiro apelo nas redes sociais depois de mais uma visita para levar ração para os animais da “menina dos botins azuis”, como lhe chamava. “Quando perguntei à Anabela se precisava de alguma coisa respondeu-me que queria muito ter uma afiadeira. Perguntei-lhe se não precisava de roupas quentes e é quando me diz que o seu avô - com quem vive - tinha muito frio”.


Assim que entrou na casa percebeu que “as condições eram desumanas para uma criança” viver e meteu mãos à obra. Com a ajuda de centenas de pessoas, primeiro de amigos e empresários de Abrantes, depois de toda a região e do país, tem conseguido melhorar, aos poucos, a casa onde vivem Anabela, a mãe, o pai, a avó, o avô e um tio.


“A casa-de-banho já foi renovada, já têm janelas novas, um tecto falso e em breve esperamos conseguir mudar o telhado”, diz Susana. Lá fora, ao lado da cozinha, também já se erguem paredes para criar um espaço para os livros e brinquedos de Anabela que em Setembro próximo vai ingressar no primeiro ano.


“A Anabela está radiante”, diz a mãe, de sorriso no rosto e olhos verdes reluzentes. E explica o maior motivo para tamanha felicidade: “Dantes pedia-me para os amigos virem cá e eu dizia-lhe que não porque tinha vergonha da minha casa. Agora vão poder vir porque a minha filha vai ter uma casa como as outras crianças”.


Pandemia acentuou dificuldades

Além de ser a obreira da nova casa desta família, Susana Estriga nunca mais largou a mão da pequena Anabela que consigo partilha o gosto por animais. Durante o confinamento levou-a para sua casa, para que a menina pudesse ter um computador e acesso à Internet para assistir a sessões didácticas e não “ficar para trás”.


A ligação entre as duas comove Elisabete Pires, que espera que a professora nunca desapareça das suas vidas. “Tem apoiado a Anabela na escola, na educação e a mim tem-me ensinado a gerir o meu dinheiro e a lidar com a minha filha. Tem sido um pilar desta casa porque nós não sabíamos viver neste mundo”, diz, acrescentando que o seu maior sonho é que a sua filha tenha um futuro melhor que o seu. Quem sabe, “possa ser doutora” e “quando for para a escola me ensine a ler e a escrever”.

Como ajudar a família de Anabela

Se quiser ajudar a financiar as obras da casa de Anabela pode fazer uma transferência para a conta de Susana Estriga com o IBAN PT50 0035 00030 00174 26700 71.

À Margem

O sustento de família a quem a vida foi madrasta

Elisabete Pires é uma mulher trabalhadora e o sustento da família. Enquanto os restantes dormem às cinco da manhã a pastora já está de volta do gado que lhe está confiado, faça chuva ou faça sol. A vida foi-lhe madrasta, mas Beta, como todos lhe chamam, quer ter uma vida mãe. Teve três filhas, duas já deixaram o ninho. Só Anabela dorme na casa que conseguiu ter e onde já pode ter faltado de tudo mas nunca faltou amor. Enquanto conta a chorar que tinha vergonha de não poder receber os amigos de Anabela por vergonha, a menina chora com ela, com a cabeça afagada debaixo da sua mão.


A vida foi-lhe tão madrasta que entre três irmãos não teve a sorte de ser a escolhida para prosseguir os estudos. Sabe escrever o nome e “fazer contas”, as suficientes para conseguir contar o gado que aprendeu a guardar e cuidar com o seu pai, também ele pastor. Elisabete é a pequena Anabela em ponto grande. Quando lhe perguntamos o que mais quer na vida, diz : “Poder dar uma boa velhice aos meus pais, que as minhas filhas possam vir cá a casa sem vergonha e que a Anabela possa ter uma vida como as outras crianças”. Tão simples e humilde como ter respondido que queria uma afiadeira.

O mundo da pequena Anabela que sonhava ter uma afiadeira

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