“O associativismo tem de se reinventar e o papel do dirigente deve ser reconhecido”
Francisco Jerónimo, presidente da Associação de Futebol de Santarém, falou O MIRANTE para fazer um balanço dos seus oito anos como presidente da instituição.
Francisco Jerónimo é presidente da Associação de Futebol de Santarém (AFS) desde 2012. Casado e pai de duas filhas, afirma que a vida associativa lhe rouba o tempo dos afectos e que as mulheres “lá de casa” têm ciúmes da sua dedicação à causa futebolística. Natural de Torres Novas, mais propriamente da pequena aldeia de Pintainhos, onde nasceu há 66 anos, diz que ainda tem muito para dar ao futebol distrital e não pensa na saída. “Não faço fretes. Quando me sentir a mais saio por iniciativa própria”, afirma em entrevista a O MIRANTE realizada na sede da AFS, em Santarém.
É preciso recuar a 1981 para relembrar o seu primeiro cargo associativo na Sociedade Recreativa Pintainhense, onde foi presidente da assembleia geral. Sobre o associativismo, Francisco Jerónimo tem uma opinião muito clara: “É preciso renovar o sector e isso também passa por atribuir mais reconhecimento aos dirigentes associativos”.
Engenheiro civil de formação, já foi professor, mas foi na Câmara de Santarém, onde trabalhou cerca de 30 anos, que cresceu como profissional e homem. Actualmente tem uma empresa que se dedica a projectos de engenharia e consultoria. Sobre a cidade que o adoptou diz, sem hesitar, que “tem um défice grande de infraestruturas desportivas para o número de praticantes e para a qualidade das equipas que tem”.
Na entrevista a O MIRANTE abordou vários temas, nomeadamente os efeitos da pandemia nos clubes, o aparecimento das SAD (Sociedade Anónima Desportiva) na região, a falta de envolvimento do tecido empresarial e a perda de representatividade do futebol distrital a nível nacional.
Há 20 anos o distrito tinha uma dezena de equipas a disputar os nacionais de futebol. Actualmente tem duas. O que tem corrido mal?
A principal missão da Associação de Futebol de Santarém (AFS) é dedicar-se aos escalões de formação. É verdade que no futebol sénior masculino iniciámos a época com apenas três equipas nos nacionais, que passaram a duas devido ao CD Fátima SAD ter desistido do Campeonato de Portugal. Mas temos duas equipas femininas nos nacionais e mais duas no futsal. Na época passada tínhamos cerca de 20 equipas a disputar os nacionais, quase todas dos escalões de formação.
Insisto: a associação tem perdido representatividade a nível nacional?
O Fátima, Almeirim, Santarém, o União de Tomar e o Torres Novas são exemplos de que conseguimos ter equipas no topo do futebol. O facto de não estarmos a conseguir materializar esse potencial deve-se, principalmente, a não existir tecido empresarial com capacidade, ou vontade, de realizar investimentos que são imprescindíveis para ter uma equipa a esse nível. O país, a nível de futebol, acaba muito perto do mar.
Qual a solução para convencer as empresas a investir nos clubes?
Naturalmente que ninguém dá nada a ninguém. Na região há empresas de dimensão nacional e internacional que têm de ser convencidas a apostar em projectos desportivos. Mas para isso tem de existir capacidade de diálogo e, sobretudo, projectos bem idealizados, sustentados, e que transmitam segurança para os empresários investirem.
Quantos clubes estão inscritos na AFS?
Temos 75 clubes activos na associação. Desde que assumi a presidência, há cerca de oito anos, nunca saímos destes números. Por isso considero que o futebol distrital tem evoluído de forma sustentável; estabilizámos o 7º lugar no ranking nacional em número de atletas inscritos nas 22 associações distritais e regionais e tivemos um crescimento em cerca de 34% no número de atletas. Temos neste momento cerca de nove mil atletas inscritos.
A AFS é só futebol?
Temos cerca de meio milhar de equipas inscritas nas modalidades de futebol e futsal. O futsal equivale a 14 % do número de atletas inscritos. A modalidade é nova e ainda não tem a força e o peso do futebol. Felizmente temos consolidado o projecto e vamos investir cada vez mais na sua promoção. Ferreira do Zêzere, por exemplo, tem uma aposta clara em levar a sua equipa à primeira divisão.
E o futebol feminino?
Fomos distinguidos recentemente pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF) pelo nosso trabalho ao nível do futebol feminino. O nosso grande “ponta-de-lança” é o Ouriense, que já foi bicampeão nacional e vencedor da Taça de Portugal. É outro projecto em crescimento uma vez que ainda só temos cerca de 270 atletas a praticar a modalidade.
Como é a relação da AFS com os clubes?
Construímos uma equipa de directores que respeitam uma linha de orientação assente em políticas de proximidade, com um diálogo aberto e com o objectivo de recolher aprendizagens junto dos dirigentes dos nossos clubes. Os directores vão aos jogos ao fim-de-semana porque sabemos que não se pode gerir à distância. Conhecendo os problemas ‘in loco’ estamos muito mais capazes de tomar decisões, que é a nossa principal função.
Os dirigentes associativos continuam a ter um papel fundamental nos clubes?
Desenvolvem um trabalho fantástico para que milhares de jovens atletas possam praticar exercício físico; é um trabalho realizado fora de horas e de verdadeiro serviço público. Nos últimos anos têm tido muita dificuldade em gerar receitas. Por isso todas as receitas extraordinárias que conseguimos arranjar são injectadas nos clubes. Há oito anos que não aumentamos uma taxa de jogo, o valor das inscrições mantém-se, as transferências dos mais jovens foram reduzidas para um terço, disponibilizamos material sem custos, entre outros exemplos que demonstram o nosso compromisso com os dirigentes e com os clubes.
Significa que a região não precisa de melhores dirigentes associativos?
Atrevo-me a dizer que o associativismo está muito prejudicado porque o estilo de vida das pessoas cada vez é mais absorvente. Há menos tempo disponível e há mais exigências por ser mais profissional.
Então a forma como se faz associativismo precisa de mudar?
Precisa claramente de ser reinventado! Não pode ter os mesmos métodos de há 30 anos. Outro factor pelo qual temos lutado, em conjunto com a FPF, é o reconhecimento do papel do dirigente desportivo. Estamos a falar de homens e mulheres que colocam o seu trabalho e família em segundo plano e não têm nenhum tipo de reconhecimento. Claro que o associativismo vive do amor à camisola, mas é importante que os dirigentes tenham retorno do trabalho que desenvolvem, por exemplo, ao nível de benefícios fiscais.
Como é a relação da AFS com os municípios?
Excelente! Dou-lhe um exemplo: acabámos de fechar um projecto com todas as autarquias que envolve a testagem gratuita dos jovens à Covid-19 uma vez que é obrigatório para retomarem actividade. Somos parceiros porque também é do seu interesse o trabalho que fazemos na divulgação da região. Conseguimos trazer as selecções ao nosso território, organizamos finais de competições e, nos últimos oito anos, organizamos mais de meia centena de eventos internacionais.
As autarquias têm apoiado os clubes?
Depende das autarquias. Há autarquias que têm um grande peso na manutenção dos clubes através do pagamento de inscrições ou da construção de infra-estruturas. Infelizmente, também há as que não têm proximidade com as associações da terra. Nesses casos, são os clubes que vão fazendo um esforço absolutamente incrível para se manterem vivos. É preciso lembrar que, em termos fiscais, os clubes hoje são muito mais escrutinados.
“Os clubes da região não precisam de uma SAD”
Como vê o aparecimento das SAD na região?
Como em tudo há SAD que dão bons e maus exemplos ao nível do seu trabalho. O estrondo que aconteceu em Fátima, por exemplo, era mais do que previsível. Nunca vi o rosto dos administradores e convidei-os dezenas de vezes para aparecerem nas nossas iniciativas. No caso do Cartaxo e Almeirim são SAD discretas com quem temos boas relações, embora não se perceba muito bem o seu projecto desportivo. Por último, antecipo um futuro risonho à SAD da União de Santarém uma vez que têm um projecto muito bem fundamentado.
Quando um clube se entrega a uma SAD não perde mística?
Sim! Uma SAD descaracteriza o que é o futebol na base da pirâmide. No meu ponto de vista os clubes da região não precisam de uma SAD. Veja-se o Fátima que, neste momento, está impedido de inscrever jogadores em todos os escalões. É uma realidade triste para um clube que tem nome e muito história no futebol.
A pandemia é um desastre e vão perder-se muitos talentos
A pandemia tem afundado a formação dos clubes. Como vê o futuro do futebol no distrito?
Se me permitir, gostava de dizer uma coisa antes de responder à sua pergunta. O futebol tem-se portado muito bem na gestão da pandemia, mas tem sido muito maltratado pelo Governo e autoridades de saúde. Esta paragem foi um desastre para uma geração que vai perder muitos talentos. O dia 10 de Março de 2020, quando a formação parou, vai ficar marcado para o resto da minha vida porque a modalidade vai sofrer e perder qualidade.
Concretamente o que é que a AFS está a fazer para evitar que as associações acabem?
Estamos a tentar minimizar os estragos e a única forma é arranjar apoios. Quando percebemos que a época passada não ia continuar elaborámos um plano de apoio directo aos clubes para esta época. Só na redução do valor das inscrições, nas taxas de jogo, e seguros desportivos, investimos cerca de 200 mil euros. Esta ginástica só é possível porque a FPF tem-nos apoiado financeiramente porque se os clubes estivessem à espera da ajuda do Estado estavam tramados.
Há um défice de infra-estruturas desportivas no distrito?
Ainda há, porque o número de atletas tem crescido. Mas as autarquias têm investido bastante na construção de infra-estruturas nomeadamente campos de futebol com relvados naturais ou sintéticos. Já quase não existem campos pelados no distrito. Santarém, por exemplo, está longe de ser um exemplo ao nível das infra-estruturas. Existem mais de mil atletas de futebol no concelho e não há condições suficientes para a prática desportiva.
Falemos de árbitros. Como é que se consegue cativar jovens para arbitrar jogos da distrital?
Tem sido realizado um trabalho muito sério, e paciente, na formação de jovens árbitros no distrito. Actualmente, quem for ver um jogo de futebol vê o árbitro com outra postura. Construímos dois centros de treino, em Almeirim e no Entroncamento, para os 150 árbitros que estão na AFS, o que tem permitido conseguir bons resultados; temos dois árbitros principais e um auxiliar na primeira liga de futebol e um árbitro na primeira liga de futsal. Há quatro anos tínhamos zero.
Oito anos depois está satisfeito com o seu desempenho como presidente da AFS?
Penso que sim. Tenho uma meta muito clara que é chegar aos 10 mil inscritos até ao nosso centenário, em 2024. A crise que estamos a viver com a pandemia vai demorar dois ou três anos a recuperar, mas não desistimos. Tenho uma equipa de dirigentes fantástica e gosto do que faço. Quando não tiver prazer em estar ligado ao associativismo vou-me embora porque não faço fretes.
É difícil conciliar vida pessoal, profissional e associativa?
Nunca ninguém me vai ouvir queixar do tempo que gasto com esta associação. Mas claro que há duas partes na minha vida que são sacrificadas: a família, que me tem apoiado muito, e a minha empresa de engenharia e consultoria.
Como gostaria de ser lembrado na AFS?
Se lhe respondesse a essa questão estava a antecipar a minha saída e acho que ainda tenho muito para dar. Tudo tem um limite, porque é importante delegar os cargos de poder, mas considero que continuo a ser útil no desenvolvimento do futebol da região.
Quem são os seus braços direitos na AFS?
Começando pelo secretário-geral, o Filipe Baptista, passando pelos vice-presidentes, Daniel Santos, Filipe Martinho e Jorge Heleno e o resto da equipa. Todos sabemos o que cada um tem de fazer e como deve fazer. É um privilégio trabalhar com eles e mal posso esperar pela exigência dos próximos anos.