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Sem água no Tejo e com políticas de ciclos eleitorais a agricultura está comprometida
Luís Seabra diz que este é o ano derradeiro para mudar a face do rio Tejo ou as gerações futuras é que pagarão o preço

Sem água no Tejo e com políticas de ciclos eleitorais a agricultura está comprometida

A Associação de Agricultores do Ribatejo, em Santarém, tem 45 anos e representa 350 associados. Sedeada em Santarém, a organização tem passado despercebida, à sombra da Confederação dos Agricultores de Portugal, da qual faz parte, mas agora quer sair da linha e fazer um percurso próprio na intervenção política em prol da agricultura da região. Uma mudança de estratégia iniciada com a nova direcção, liderada por Luís Seabra, um homem durante antes ligado aos sistemas de rega e que ao longo da conversa vai sempre resvalando para o tema da água, onde se sente como um peixe. Nesta entrevista o presidente da associação elogia o projecto Tejo de regadio no distrito de Santarém, mas considera que não vale a pena estar a falar da construção de represas ou pequenas barragens para rega se não se resolver o problema da falta de água no rio. Defende a construção rápida de barragens no Tejo para se garantir o armazenamento de água, sob pena da agricultura na zona de solos mais ricos ficar comprometida e de Vila Franca de Xira perder 10 mil hectares de produções que dependem directamente da água do rio, onde já se registam problemas de salinidade.

A Associação de Agricultores tem 45 anos de existência mas até parece que nem existe. Não tem tido intervenção pública nem divulga as suas actividades.

Somos associados da CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal) e a associação tem-se conduzido através da representação da CAP, que concentrava toda a acção política. Toda a visibilidade era por via dela até 2019, quando entrou esta nova direcção da associação e começou a fazer trabalho individual.

Ou seja, andam há anos à sombra e a funcionarem como prestadores de serviços, como uma central de elaboração de projectos agrícolas…

Tentávamos chamar a atenção para as questões agrícolas do Ribatejo, mas essa situação para nós não estava a ser suficiente. Queremos um discurso mais directo, mais frontal. Na política agrícola, no que sai para a comunicação social, nas interpelações ao Governo, a CAP não estava a ser suficientemente clara. O poder político está a dizer muitas coisas mas a fazer muito pouco do que diz. A CAP vai confrontando as situações, mas não assume o confronto e a associação quer ter uma voz activa nas questões do Tejo, do ordenamento do território…

Então qual é o problema da CAP?

O problema da CAP é o problema do sector agrícola. Tem passado muita e boa mensagem, só que essa mensagem não tem sido consequente. Vamos às feiras, organizamos eventos, parece que está tudo unido e que está tudo bem, mas não é assim e temos de o dizer ao poder político. Há uma diferença entre o que se diz e o que se faz.

O Ministério da Agricultura já não tem o mesmo peso ou a agricultura deixou de ter importância na agenda política?

O problema não é o Governo e ultrapassa os ciclos eleitorais. As questões da agricultura não se resolvem em ciclos eleitorais de quatro anos. Temos problemas para resolver em décadas e devia envolver todo o espectro político. Há um sucesso agrícola, o sucesso do Alqueva, mas parece que o país não aprendeu e continua a haver muita indefinição e a resolver-se as coisas em Lisboa nos corredores de S. Bento.

A ministra da Agricultura vai potenciar a agricultura para o futuro?

Está a fazer aquilo que pode dentro de um Governo que faz o que pode. Quando não há verbas torna-se difícil. A ministra apresentou um plano muito simpático, centrado na inovação na agricultura, mas o grande motor do sector é o regadio. Sem água não há produção. Portugal tem 43 mil milhões de euros até 2030 e só 750 milhões são destinados ao regadio. O sector agro é tido como fundamental para o país, mas os números não estão de acordo com a importância do sector. Depois há um interior a ficar cada vez mais para trás.

Por este andar nem daqui por trinta anos temos o projecto Tejo a ser iniciado.

Há uma confusão comunicacional brutal. Fala-se muito no Tejo, um dos rios mais importantes da Europa, mas tem de se perceber que ele não é para o Ribatejo, é um recurso nacional, internacional, e que tem de ser gerido como tal. Andamos a promover reuniões com as comunidades intermunicipais por onde passa o Tejo, até à fronteira, no sentido de agregarmos esforços.

O que é que falta ao Tejo?

Em Espanha, o Tejo tem 12.250 hectómetros cúbicos de caudal durante o ano. Os espanhóis armazenam em barragens 11.000 hectómetros cúbicos, ou seja, cerca 90 por cento. O rio está completamente artificializado. Em Portugal há 6.200 hectómetros cúbicos de caudal circulante. Armazenamos 1.900 hectómetros cúbicos num afluente, o Zêzere, e não há uma barragem no Tejo. Não fazemos o nosso trabalho e empurramos as culpas para Espanha.

Fala-se sempre muito no Tejo, sobretudo em campanhas eleitorais, porque é que não se faz nada?

Uma coisa é projectar um país para décadas. Outra é projectar para anos eleitorais, que é o que tem sido feito. Isto não se resolve em quatro anos. É preciso credibilidade política, transparência e verdade nos projectos e que exista envolvimento nacional, de todos os partidos. Não se faz porque não se quer. Por exemplo, a barragem do Alvito, que se fala para o Tejo, está projectada desde 1957. Portugal sabe tudo sobre água desde a década de 50.

A associação tinha uma secretária-geral que foi para deputada. Não beneficiaram com isso?

Não sei se na assembleia da República as pessoas se ouvem umas às outras. Se calhar é apresentado muito trabalho, mas há pouco foco.

Voltando ao projecto Tejo, qual é a sua perspetiva para a sua concretização?

É um projecto, uma ambição, de melhoria de uma região. Tem o mérito de projectar o país para a frente. Mas um investimento de quatro mil milhões não é coisa que apareça hoje e não há água no Tejo. Não se fale em projectos enquanto não houver água. Não faz sentido falar-se no projecto enquanto não se constituir uma reserva nacional de água.

O que é que é preciso fazer?

Se em 2021 não tomarmos medidas para resolver o problema da água no país, sobretudo no Tejo, estamos a condenar as próximas gerações. Quando ouço ambientalistas a dizer que os rios têm de correr livres para o mar, pergunto se continuaremos a ter agricultura em Portugal. Não temos autonomia, não temos gestão, não temos reservatório, temos nada até Constância com a barragem do Castelo de Bode. Temos um problema em Vila Franca de Xira, com a salinidade, que só se resolve com pelo menos o dobro dos caudais actuais no Tejo. Se não há uma aposta no regadio vamos ter problemas.

Como é que vê o papel das autoridades na defesa do Tejo?

Temos de saber que caudal passa no Tejo, de uma forma transparente. Não existe monitorização. Os agricultores não têm direito a saberem os caudais para poderem programar as suas produções. Isto acontece porque não há qualquer regulação. O país não tem poder e deixa a informação na mão dos concessionários das barragens. A Agência Portuguesa do Ambiente já só tem uma sonda no Tejo, na zona de Almourol, todas as outras estão desactivadas. Há incapacidade e incompetência.

Qual é o papel que as energias renováveis podem ter na gestão dos recursos hídricos?

As energias renováveis vieram agravar a situação da falta de água no Tejo, quer em Portugal, quer a partir de Espanha. Em dias de vento metem a produção de energia centrada nas eólicas e há turbinagens zero ou perto de zero nas barragens. Neste momento faz-se o que se quer e não temos nem controlo nem autoridade. E neste momento temos 10 mil hectares de agricultura em Vila Franca de Xira dependentes da água do Tejo, condicionados pela subida da salinidade devido à diminuição dos caudais.

Os problemas do regadio resumem-se ao Tejo?

Na zona da Lezíria do Tejo também há problemas com os furos artesianos. Em Almeirim há uns anos as captações estavam a 20 ou 30 metros e actualmente estão a 100 metros de profundidade. E somos dos mais eficientes em termos de utilização da água na agricultura. É uma situação preocupante, até porque não há controlo no licenciamento de furos.

Acredita que se vai conseguir fazer alguma coisa pela agricultura do Ribatejo?

Temos de acreditar e estar inconformados. Senão daqui por uma década chegamos a uma fase em que dizemos: Então e agora? Isso é que me preocupa. Temos que começar a fazer alguma coisa já, com estratégia. Sem estruturação já dos recursos hídricos para os próximos dez anos, Portugal vai ter um problema grave. E é preciso também um ordenamento florestal.

O presidente

Luís Seabra, presidente da Associação de Agricultores do Ribatejo, esteve anos ligado activamente à rega na agricultura através da empresa Irricampo, na qual está agora apenas como sócio. Esteve num projecto agrícola com o filho na produção de cereais em Vale de Figueira. Em 2007 abriu uma empresa, também com o filho, de consultoria agrícola, sobretudo na área da água e irrigação. Tornou-se sócio da associação em 2012, tendo integrado a direcção anterior. Actualmente passa metade do seu tempo na associação, a caminho das Portas do Sol e com vista para o Tejo.

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