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Às hortas
Carlos Matias

Às hortas

Impõe-se voltar às hortas de proximidade, para aí colhermos alimentos sazonais e mais frescos, mais saudáveis e com uma pegada ecológica infinitamente menor.

Houve tempos em que, na nossa região, ir à horta era o dia a dia de milhares de pessoas. A horta, cultivada a tempo inteiro ou como fonte de rendimento complementar situava-se no quintal ou nas imediações; por perto, enfim. Daí vinham os alimentos frescos que alimentavam a família, alguns produtos para troca local ou mesmo alguns excedentes, para venda no mercado. Em criança conheci bem e de perto essa realidade.
Com a urbanização crescente e a produção massificada, os campos foram abandonados e muitos deixaram de ser cultivados. A par da escassa rentabilidade do trabalho na horta e das exigências de quotidianos muito preenchidos, a própria ocupação foi sendo socialmente desqualificada.
Hoje, muito do que comemos é importado, frequentemente a partir de países longínquos. A pegada ecológica associada a esses alimentos é elevadíssima e nunca chegarão tão frescos à nossa mesa como os que são colhidos ali mesmo ao lado.
O grau de autossuficiência alimentar do nosso país tem vindo a crescer muito lentamente. Ronda atualmente os 85%. Ainda assim, segundo a Pordata, em 2020, importámos quase 11 mil milhões de euros, em alimentos.
Muito do que importamos tem consequências devastadoras noutras partes do mundo. Um relatório recente da Associação Natureza de Portugal|WWF, revela-nos que a União Europeia (UE) é um dos maiores responsáveis pela desflorestação tropical e emissões associadas. Portugal está em 6º lugar entre os Estados Membros com maior consumo per capita associado à desflorestação nos trópicos.
Por todas as razões, impõe-se voltar às hortas de proximidade, para aí colhermos alimentos sazonais e mais frescos, mais saudáveis e com uma pegada ecológica infinitamente menor.
A instalação de hortas urbanas (ou comunitárias ou municipais…) é um processo que está a avançar em todo o mundo e também em Portugal. Muitos municípios já o perceberam e estão a infraestruturar terrenos que depois atribuem a munícipes interessados. Chega a haver filas de espera para um talhão.
Alguns ainda olham de soslaio o que pensam ser uma moda passageira. Terão de reconsiderar. Não se trata de competir com a atividade produtiva altamente rentável de empresas agrícolas, também necessária. Trata-se de restabelecer uma relação próxima com a terra, de induzir uma nova compreensão dos processos produtivos, de fazer a pedagogia dos jovens e de estimular novas sociabilidades. Com ganhos adicionais para o ambiente, para a saúde e… para a carteira.
Na nossa região já há alguns exemplos, como em Almeirim e no Cartaxo. Mesmo no plano académico, o fenómeno começa a ser estudado em profundidade, caso dos trabalhos orientados pela Professora Isabel Rodrigo, do Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa.
É pena que a muito falada Estratégia Europeia do Prado ao Prato não atribua a esta agricultura a relevância que ela merece, ficando-se por linhas gerais para a chamada “grande agricultura” e umas referências à agricultura familiar.
Agora que os partidos se preparam para as eleições autárquicas, será o tempo de refletir e transpor para os programas locais esta ambição e esta necessidade de voltar às hortas. Sem complexos.

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