Alverca evoca memória de um dos maiores acidentes ferroviários do país
As feridas da aparatosa colisão de comboios de 1986 na estação da Póvoa de Santa Iria continuam abertas e ainda hoje há quem viva com as sequelas deixadas pelo desastre.
Dezoito pessoas morreram, sete delas jovens de Alverca que iam estudar para Lisboa. Mais de 80 passageiros ficaram feridos.
A cidade de Alverca fez as pazes com a história e numa cerimónia carregada de emoção inaugurou, na noite de 5 de Maio, uma placa evocativa do acidente ferroviário ocorrido na estação da Póvoa de Santa Iria em 1986, que matou 18 pessoas e causou ferimentos graves a outros 80 passageiros.
O memorial, inaugurado precisamente 35 anos depois da tragédia, evoca também a memória dos sete jovens de Alverca que morreram na composição quando iam a caminho da escola onde estudavam, em Lisboa. A seguir a Alcafache, o acidente ferroviário da Póvoa de Santa Iria foi o segundo mais grave ocorrido em solo nacional e mostrou quão frágil eram os serviços médicos e de socorro da altura.
Era uma segunda-feira e passavam poucos minutos do meio-dia. Um erro humano aliado a um inexplicável atraso de um comboio regional que vinha da Covilhã, acabou em desastre quando este embateu a alta velocidade e praticamente sem travar contra um sub-urbano da linha de Azambuja que recuava para mudar de linha. A maior parte das vítimas estava nas carruagens dos dois comboios mais afectadas pelo impacto.
“Ia na hora errada no sítio certo”, recorda a O MIRANTE António Carlos Dias, que nunca entrava na última carruagem dos comboios mas que, naquele dia, por ter adormecido, não teve escolha. A viagem custou-lhe três meses em coma e sobreviveu por milagre depois de ter sido trespassado por uma barra de ferro da carruagem. “A carruagem ia cheia de jovens. Quando olhei para o vidro traseiro só vi o impacto e ouvi um estrondo. Acordei já no hospital”, recorda António, hoje com 62 anos.
Ainda hoje se lembra dos rostos dos amigos que perdeu naquela viagem. “De vez em quando parece que ainda me saem pequenos vidrinhos da cabeça. Foi horrível”, conta emocionado. Sofreu múltiplas operações e teve de receber acompanhamento psicológico.
Quem também sofreu com o impacto foi Luís Lamancha, tradutor e funcionário da OGMA. Ia para Lisboa estudar como os outros jovens. Não se lembra de nada devido ao choque mas quem estava com ele garante que foi dos primeiros a perceber que o comboio da Covilhã vinha depressa demais. O sonho de ser bailarino acabou quando acordou no Hospital de Santa Maria. “Fiquei muito mal tratado e sofri uma amputação da perna esquerda. Foi uma recuperação lenta e tive de fazer muita fisioterapia em Alcoitão”, lamenta.
Luís recebeu uma indemnização e os custos das próteses ainda hoje são pagas pela CP. “Há uma parte do nosso cérebro que esquece todo o mal. Foi quando acordei que soube que muitos amigos tinham morrido, foi um choque”, lamenta.
Que sirva de lição
A inauguração da placa evocativa do acidente foi uma iniciativa da União de Freguesias de Alverca do Ribatejo e Sobralinho, que vai também lançar um prémio literário evocativo da memória das vítimas do acidente. “Sentimos que faltava fazer algo para nos reconciliar com o passado. Foi um acidente que marcou muito a nossa geração e a cidade. Perdemos muitos filhos da terra e a freguesia e o concelho tinham esta dívida para com estas pessoas”, afirma Carlos Gonçalves, presidente da junta a O MIRANTE.
Opinião semelhante tem Alberto Mesquita, presidente do município, que se associou à iniciativa para dizer que o concelho jamais se esquecerá da tragédia. “Além das mortes assistimos a um drama enorme que foi a impotência e a falta de meios dos bombeiros para socorrer as pessoas. Ainda bem que as coisas mudaram. Mas temos de nos lembrar das coisas más para que não voltem a acontecer”, evocou.