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Enfermagem é a arte de cuidar incondicionalmente
Joana Salvado, Ângela Guarda, Érica Augusto e Ana Gaspar

Enfermagem é a arte de cuidar incondicionalmente

A enfermagem é uma ciência, entenda-se arte, de cuidar e salvar vidas. A propósito do Dia Internacional do Enfermeiro, que se assinala a 12 de Maio, O MIRANTE conta-lhe a história de quatro profissionais que trabalham nas unidades de saúde da região e que vivem a profissão com o sentimento de quem se apaixona todos os dias pelo trabalho.

O bom enfermeiro não se queixa do trabalho que tem

Joana Salvado é enfermeira e trabalha nas Urgências do Hospital Distrital de Santarém há 12 anos. Desde 1 de Abril de 2020 que está no serviço de doentes com Covid-19. A O MIRANTE afirma que os primeiros meses de pandemia foram marcantes. O medo do desconhecido e o caos que via noutros países, sobretudo em Itália, assustavam-na, mas com o passar do tempo aprendeu a lidar com a situação.

Os primeiros três meses de 2021, diz, foram complicados de gerir devido ao número elevado de doentes em estado muito grave. “Os momentos mais difíceis eram quando tinha de colocar um ventilador nos utentes e lhes dizia que iam ficar a dormir. Perguntava se queriam falar com a família antes de os ventilar, mas isso podia dar a entender que seria uma despedida. Ser enfermeiro em situações limite implica um misto de emoções difíceis de gerir”, confessa.

A mãe de Joana Salvado também é enfermeira, mas não foi ela o principal motivo para seguir a profissão. Aos 36 anos, afirma que sempre ambicionou trabalhar para o bem comum e que, embora trabalhe por turnos, consegue conciliar a vida profissional com a pessoal. “O bom enfermeiro não se queixa do trabalho que tem. Nenhum dia é igual ao outro, mas estamos habituados a trabalhar sob pressão. A nossa missão é dar o nosso melhor independentemente das condições que temos”, salienta.

Ao fim de 12 anos de profissão são muitos os momentos marcantes. No entanto, recorda o dia em que entrou nas urgências um jovem baleado após uma rixa. “Estava consciente mas muito ferido. O problema foi que os familiares da vítima apareceram e, enquanto tratávamos do doente, também tivemos de acalmar os familiares”. Nos momentos a sós com os pacientes, Joana confessa que há períodos em que assume o papel de psicóloga. “Nas Urgências, a relação que se cria com o paciente é muito intensa. Não temos muito tempo com ele, mas temos de aprender a ouvir e saber dar conselhos quando nos pedem”, revela.

Uma das tarefas mais difíceis de realizar é quando tem de espetar uma agulha a um paciente. A enfermeira explica que nessas alturas é fundamental criar empatia. “Temos que ser sinceros, não podemos dizer que não dói, mas se estivermos calmos o doente também vai ficar mais tranquilo”, explica.

Joana Salvado defende que a sua profissão não é bem remunerada e sabe que no estrangeiro os enfermeiros são mais reconhecidos, ganham melhor e têm melhores condições de trabalho, mas nunca teve vontade de emigrar.

Gratidão é a melhor recompensa do enfermeiro

Ângela Guarda diz que sempre quis ser enfermeira. “Desde pequena que queria saber tudo o que um enfermeiro fazia e como fazia. A bata branca e a agulha nunca me incomodaram”, conta a O MIRANTE. Ângela é casada e foi mãe há uns meses, naquele que diz ter sido o momento mais abençoado da sua vida. O facto de se ter especializado em Saúde Materna e Obstetrícia tem ajudado a lidar com a novidade de ter um bebé a depender dos seus cuidados. Recentemente assumiu o papel de enfermeira no Centro de Saúde da Chamusca. “Não estou completamente fora da minha área porque continuo a dar as preparações para o parto e a seguir alguns utentes neste âmbito, mas confesso que sinto falta da sala de parto”, diz.

A enfermeira salienta que não tem saudades dos tempos em que trabalhava por turnos, muito menos agora que é mãe. “O trabalho por turnos pode tornar-se penoso e muito exigente a nível pessoal. Eram cerca de 10 noites por mês que passava fora de casa, falhava muitos jantares com a família e festas de aniversário. Não era nada fácil”, sublinha.

Se hoje fosse obrigada a escolher novamente uma profissão não hesitava e escolhia enfermagem. Ainda assim, não esconde ficar incomodada por continuarem a ver o enfermeiro como o “parente pobre” da saúde. “Ainda há muita gente que nos vê como aquele que está ali só para dar a medicação, fazer um penso e pouco mais, mas somos muito mais do que isso. Nós acompanhamos e cuidamos do utente e, muitas vezes, da família do doente. Chegamos mesmo a ser seus confidentes”, vinca. Embora esta seja uma visão da sociedade, Ângela considera que a classe tem alguma culpa no cartório. “É preciso mudar a ideia de que quem vai para enfermagem vai porque não tem nota para medicina. A medicina não é feita só de médicos”, reforça.

A enfermeira acredita que a pandemia veio relembrar que todos os que trabalham numa unidade de saúde são importantes. “Infelizmente será algo que voltará rapidamente a ser esquecido quando a pandemia acalmar”, lamenta. Numa altura em que se fala das condições de trabalho dos profissionais de saúde, Ângela tem uma opinião muito clara: “As condições não são as melhores nem para nós nem para os utentes. Os ordenados dos enfermeiros mal dão para pagar as contas, mas a verdadeira recompensa é a gratidão que recebemos dos nossos pacientes”.

Ser enfermeira não é apenas dar injecções ou mudar fraldas

Érica Augusto é enfermeira há mais de cinco anos e afirma que a área que mais gosta na enfermagem é a da urgência, “porque todos os dias são desafiantes”. Natural de Aveiras de Cima, embora actualmente a residir no Cartaxo, trabalha nas urgências do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, onde se depara com todo o tipo de situações, que vão desde as muito graves às que basta apenas pôr um penso, por exemplo.

A enfermeira já viveu muitos episódios marcantes, mas não guarda nenhum em especial porque com o passar do tempo aprendeu a relativizar e a tratar os pacientes todos por igual. Érica Augusto acrescenta que tratar de doentes em estado critico é emocional e fisicamente desgastante, mas também é um desafio que a faz nunca baixar os braços. “Fico triste quando oiço pessoas a dizer que o trabalho de um enfermeiro é apenas dar injecções ou mudar fraldas”, lamenta.

Dos tempos de estagiária no Centro Hospital do Médio Tejo, na unidade de Torres Novas, recorda-se de um paciente pouco comunicativo a quem deu apoio psicológico. “Depois vim a saber que já não via o pai há muitos anos e que tinha muitas coisas recalcadas. Ser enfermeiro é estarmos presentes em todas as ocasiões”, sublinha a jovem de 28 anos.

Érica, que tinha o sonho de ser médica, apaixonou-se pela enfermagem assim que começou a contactar com os pacientes e actualmente não se imagina a fazer outra coisa. “Adoro o que faço e quero continuar a dedicar-me a 100%, para ser cada vez melhor enfermeira e ajudar os meus pacientes o melhor que conseguir”, salienta.

Em vez de nos chamarem heróis preferíamos ver a profissão valorizada

Ana Gaspar, natural de Vila Franca de Xira, é enfermeira há 22 anos e tem passado as últimas semanas no centro de vacinação contra a Covid-19 no Pavilhão do Cevadeiro. A O MIRANTE confessa que o medo das agulhas desapareceu para dar lugar ao medo das tromboses. “As informações sobre as vacinas assustam as pessoas. Já não querem saber das agulhas, perguntam-me logo se vamos dar a vacina boa ou a vacina má. É preciso desmistificar isso, não há vacinas más contra a Covid. Os benefícios são sempre muito superiores”, garante.

Ana Gaspar tem 42 anos e é a coordenadora da Unidade de Cuidados na Comunidade (UCC) de Vila Franca de Xira do Agrupamento de Centros de Saúde do Estuário do Tejo. Está no centro de saúde há uma década mas o seu percurso profissional começou muito antes, no serviço de cirurgia vascular do Hospital de Santa Marta, em Lisboa, por onde passou por blocos operatórios e hemodiálise. Afirma que é uma apaixonada pela profissão e não se vê a fazer outra coisa.

A vontade de ajudar o próximo foi o que a motivou a seguir enfermagem. “Em vez de nos chamarem heróis o que gostávamos era de ver acções mais concretas de valorização da profissão. A comunidade já reconhece a importância dos enfermeiros mas o Governo ainda não. É preciso vontade política para reconhecer e valorizar a nossa carreira”, defende.

Ana Gaspar diz que um enfermeiro “não é um robô” que se limita a executar tarefas, mas deve ser alguém com um conhecimento global da situação do utente. Afirma ainda que a profissão deixou há muito de ser encarada como o parente pobre da medicina. “Fazemos andar o barco todos os dias e damos uma resposta muito próxima ao utente. É uma profissão da qual se gosta ou não. Sou muito positiva e apaixonada pelo que faço”, sublinha.

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