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Golpe de misericórdia no Patronato de Santa Isabel em Abrantes
Provedor da Misericórdia de Abrantes, Alberto Margarido, diz que não havia outra solução devido ao mau comportamento das utentes

Golpe de misericórdia no Patronato de Santa Isabel em Abrantes

Santa Casa de Abrantes pune maus comportamentos com fecho de lar para raparigas que funcionava há mais de quatro décadas.

O MIRANTE foi saber qual o destino de algumas jovens que levaram parte da vida a pular entre instituições após terem sido retiradas às famílias.

Jasmim Agda foi institucionalizada aos 15 anos, por ordem do tribunal, pouco tempo depois do seu pai ter falecido. A mãe, com a qual deixou de ter contacto, sofria há vários anos de alcoolismo e depressão. Na memória tem gravado o dia em que a polícia lhe bateu à porta para a levar para o Lar de Infância e Juventude Dr. Armando Moura Neves, conhecido como Patronato Santa Isabel, em Abrantes. Os irmãos menores, dois rapazes, foram levados para outra instituição. A mudança, conta, “foi difícil e nunca se aceita completamente”, embora saiba que, de certa forma, foi melhor assim.

Abrantes, a cidade que passou a ser a sua porque a funcionalidade da sua família falhou, foi a mesma que escolheu para continuar a viver, depois do Patronato - que “era casa” - ter encerrado portas. Por ter já 18 anos feitos e continuar a estudar, Jasmim teve acesso ao apoio para autonomia de vida da Segurança Social; e embora não tenha tido a família a ensinar-lhe como se gere uma casa tem conseguido viver com os 450 euros que recebe.

O mais difícil de gerir para ela e as restantes jovens, explica, é a instabilidade e o sentimento de se terem perdido umas às outras. “Éramos uma família, elas - utentes e funcionárias - eram a minha nova família, que cuidava de mim”, afirma, revoltada por terem “ficado injustamente com as culpas” do encerramento da valência.

Jovens eram um rol de problemas para a Misericórdia, diz o provedor

O lar de infância e juventude fechou portas no ano passado por decisão da Santa Casa da Misericórdia de Abrantes. Como motivo para o desfecho, o provedor, Alberto Margarido, argumenta com a situação repetida de problemas comportamentais de algumas das oito jovens institucionalizadas, com idades entre os 14 e os 18 anos, agravados pelo contexto de pandemia por desrespeito ao confinamento.

O provedor diz a O MIRANTE que a Santa Casa fez “tudo o que era possível”, mas “estava a sofrer na pele” a má fama das atitudes das utentes desta valência e por isso teve que a encerrar. Alberto Margarido enumera brigas que envolveram utentes, funcionárias e polícia, queixas dos vizinhos, violações ao confinamento em tempo de pandemia e desrespeito a outras regras da instituição. “Estava difícil de controlar. Uma boa parte das jovens precisava de uma instituição mais especializada”, reforça, esclarecendo que o encerramento nada teve a ver com viabilidade financeira.

A maioria das jovens que, segundo o provedor, “já vinha de três e quatro instituições”, foi novamente institucionalizada pela Segurança Social, informação confirmada a O MIRANTE por fonte oficial desta entidade. Outra parte - todas maiores de idade - regressou às suas famílias disfuncionais, onde durante anos sofreram abusos, maus tratos e coleccionaram memórias traumáticas.

“Pelo comportamento de algumas pagámos todas”

A ex-directora técnica do Patronato, Vanda Pardal, diz não compreender a decisão que lhe deixa tristeza e alguma revolta. “Há crianças e jovens que são problemáticas ou vêm de famílias que o são, mas também é por isso que existem estas instituições”, diz, sublinhando que “nem todas tinham comportamentos complicados”.

O fecho do Patronato, que dirigiu durante 21 anos, “não foi fácil para algumas jovens” que se sentiram abandonadas, rejeitadas pelo sistema que as devia proteger, educar e fazer delas melhores cidadãs. Entre as nove funcionárias Vanda Pardal foi a única que não foi reintegrada noutras valências da instituição.

Ana Sofia, outra utente com quem a reportagem de O MIRANTE falou, viveu três anos no Patronato Santa Isabel e está agora de volta à casa da sua família. Lembra-se de algumas situações menos agradáveis por parte de algumas utentes, mas também não esquece as vivências passadas, duras, às vezes cruéis, que ouviu contar pela boca de algumas delas. Histórias que marcam e às vezes se reflectem em maus comportamentos e decisões. Esta é a conclusão a que chega: “Pelo comportamento de algumas pagámos todas e, mesmo assim, esse nunca deveria ser o motivo para se fechar uma instituição desta natureza”.

Poucas instituições interessadas nesse tipo de resposta

O Instituto da Segurança Social (ISS) tinha celebrado com a Misericórdia de Abrantes um acordo de cooperação para o funcionamento desta resposta social, com uma capacidade definida de 26 utentes, sem que houvesse um número mínimo de jovens para a resposta funcionar. Em 2020, de acordo com o ISS, o valor pago anualmente era de mais de 170 mil euros.

O director distrital da Segurança Social de Santarém, em declarações a O MIRANTE, refere que “há efectivamente instituições que não querem este tipo de encargo porque esta é uma resposta difícil”, tendo em conta o passado das jovens e a sua faixa etária. Renato Bento lamenta, contudo, que as instituições virem as costas a este tipo de intervenção limitando a sua capacidade de resposta.

De acordo com o ISS, o distrito de Santarém enfrenta neste momento um défice de vagas para resposta às situações de crianças e jovens do sexo masculino. Esta entidade chegou a solicitar essa valência à Misericórdia de Abrantes mas esta, por sua vez, recusou.

Uma história com cem anos

O Patronato Santa Isabel foi criado a 13 de Fevereiro de 1921 com o nome de Sopa dos Pobres por iniciativa da Santa Casa da Misericórdia de Abrantes, numa tentativa de combater a pobreza. Só em 1978 passou a funcionar como Lar de Infância e Juventude. Aquando do seu encerramento, em Julho de 2020, a concelhia do PSD de Abrantes manifestou-se contra a decisão lamentando que “os problemas se tenham sobreposto às soluções”.

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