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“Os trabalhadores rurais continuam a ser os meus ídolos”
Manuel Oliveira cresceu na aldeia da Parreira e ainda hoje é um apaixonado pelo mundo rural

“Os trabalhadores rurais continuam a ser os meus ídolos”

Manuel Oliveira, 68 anos, administrador da Sociedade Agrícola da Quinta da Lagoalva de Cima.

Ter nascido na Parreira, concelho da Chamusca, no seio de uma família pobre, não limitou a sua vontade de querer ir mais longe e lutar para o conseguir. Diz que para o turismo funcionar no interior precisávamos de um país mais largo e lamenta que os autarcas não puxem pelos seus territórios. É apaixonado por livros e tem uma biblioteca com 20 mil exemplares. Perder uma filha nos braços foi o acontecimento mais marcante da sua vida.


O futuro dos jovens das aldeias deste país não está condenado só porque não são filhos de pais licenciados. As nossas raízes e o nosso passado não definem para onde vamos e, por isso, não podemos fazer disso um fatalismo quando o que importa é o nosso querer.

Nasci em casa, na aldeia da Parreira, concelho da Chamusca, com a ajuda de uma parteira. Considero que tive uma infância feliz. O mundo rural onde cresci marcou-me de tal forma que os trabalhadores rurais continuam a ser os meus ídolos.

Há quem se lamente por ter nascido pobre, eu encaro-o com naturalidade. Só estudei porque o engenheiro Campilho disse ao meu pai, que era feitor à altura na Sociedade Agrícola da Perna Molhada, que me pagava os estudos. Ia da Parreira para Santarém na camioneta 41 com a comida preparada de casa para não gastar dinheiro na escola.

Fui o melhor aluno da Escola Industrial e Comercial de Santarém. Recebi os prémios da Sociedade Central de Cervejas e do Governador Civil de Santarém, na década de 70. Quis retribuir o que fizeram pela minha educação e como gesto de agradecimento financiar os estudos a três jovens no ensino superior. Fui estudar para a Faculdade de Economia da Universidade do Porto sem saber o que era um economista. Só quando comprei um jornal no comboio li pela primeira vez o que era e fazia um economista.

A minha primeira filha morreu nos meus braços com 13 dias de vida. Foi o maior desgosto da minha vida e ainda não o superei, porque situações destas não se superam. Sou casado há 31 anos e felizmente tivemos a coragem de voltar a tentar e tivemos um filho.
Sou honesto, curioso e um apaixonado pelas coisas simples da vida. Levanto-me todos os dias às seis da manhã, leio os jornais e começo a fazer telefonemas de trabalho. Ao sábado de manhã nada me sabe melhor do que trincar o pão estaladiço feito pelo padeiro da Parreira.

Tenho medo que a sociedade se esqueça de como vivemos e o que custou chegar aqui. Quando estou a tomar banho não me esqueço que em miúdo tomava ou banho de água fria ou numa bacia com água aquecida num caldeirão.

Temos bons vinhos na região e sou um grande apreciador. Na Lagoalva passou-se muito bem do vinho a granel para o vinho engarrafado com castas mais especializadas. Depois de termos conquistado a qualidade, agora vamos trabalhar para aumentar a quantidade.

O turismo pelo vinho está a aumentar e na Lagoalva já estamos a praticá-lo. Convertemos uma sala para enoturismo e estamos a trabalhar na possibilidade de avançar com a reconversão do nosso palácio do século XVII para um hotel cinco estrelas.

Sem o rio Tejo o crescimento do turismo na região fica condicionado. É urgente cuidá-lo e valorizá-lo, mas isso não basta. O turismo no interior, para ser mais eficaz, precisava de um país mais largo para que os turistas não fujam para o litoral; e os autarcas locais precisam de ter uma postura mais activa para puxar pelo seu território.

Gosto da terra e tenho pavor do mar; admiro-o mas não me metam lá dentro. O meu sonho é terminar os meus dias como os comecei: a acordar sem saber o que vou fazer nesse dia.

A minha família está ligada à Lagoalva há quatro gerações. Trabalho na empresa há 24 anos. Comecei como consultor económico e sou administrador há cerca de duas décadas. Dificilmente poderia trabalhar num sítio onde fosse tão estimado e tivesse uma delegação de competências tão grande.

A ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, tem demonstrado uma enorme vontade, mas penso que tem algumas dificuldades de movimentação política. É urgente dar ao interior vias de comunicação iguais às do litoral e criar centrais de biomassa como incentivo à limpeza das florestas, ao invés de ameaçar com multas.

A ruralidade e o bairrismo estão a perder-se para a crescente uniformização da sociedade. Se perguntar a um jovem na minha aldeia o que é o jogo do pisca o olho ele não sabe. Tenho uma paixão muito grande pela escrita e por livros. Arrisco-me a dizer que tenho uma das melhores bibliotecas do Ribatejo, com cerca de 20 mil volumes e não parei ainda. Só me falta tempo para os ler.

“Os trabalhadores rurais continuam a ser os meus ídolos”

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