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Comunidades intermunicipais queriam que empresas  assumissem prejuízos dos transportes públicos
Orlando Ferreira, administrador da Rodoviária do Tejo, empresa de transportes na região que impugnou os concursos dos novos modelos de transportes públicos

Comunidades intermunicipais queriam que empresas  assumissem prejuízos dos transportes públicos

Orlando Ferreira, administrador da Rodoviária do Tejo, empresa de transportes na região que impugnou os concursos dos novos modelos de transportes públicos, cuja gestão passou para as comunidades intermunicipais, fala das razões que levaram à impugnação dos concursos em tribunal.

O processo está parado, mas o administrador diz que não está tudo perdido e que é possível ultrapassar as divergências de concursos desenhados para que fossem os operadores a assumirem os riscos dizendo que poderiam suprir as perdas financeiras com outras actividades como, por exemplo, o aluguer de autocarros para excursões. Para Orlando Ferreira, a pandemia veio alterar o panorama dos transportes e não se pode assumir um compromisso com base em cadernos de encargos delineados com cenários antes da Covid-19.

Estando as posições extremadas, o que vai fazer a Rodoviária do Tejo para voltar às boas relações com as comunidades intermunicipais?

Apesar de existirem tomadas de posição assumidas por cada uma das partes não as considero extremadas. Estamos perante uma situação desconfortável que ninguém desejava, no entanto, o nosso histórico de uma longa e sã relação de colaboração, de proximidade e permanente disponibilidade é um activo e um património que não queremos desperdiçar. O tempo vai certamente permitir encontrar as melhores soluções para os desafios que ambos estamos a enfrentar. Sem cooperação ninguém beneficia e as comunidades intermunicipais sabem bem que tudo temos feito em prol do transporte público na região.

Havendo prazos para que o novo regulamento de transportes entre em vigor o que poderá acontecer com o arrastar da situação?

Trata-se de uma situação que não se vai certamente arrastar. O novo regulamento de transportes reconhece a possibilidade de existência de cenários de risco na prestação dos serviços, admitindo a figura das soluções excepcionais. Há, porém, uma inevitabilidade: o bom senso e a vontade de cooperação de todos não vai permitir qualquer ruptura na prestação dos serviços. Estamos perante uma situação temporária bem salvaguardada pela vontade de ambas as partes e pela sensibilidade dos legisladores.

A gestão dos transportes devia continuar na esfera de uma entidade nacional?

Não. A área dos transportes é uma das que deve estar sob gestão de entidades de proximidade, permitindo também uma mais eficaz aplicação no terreno. Todos valorizamos (e desejamos) que as decisões tomadas no sector dependam, cada vez mais, de quem está no terreno e sente os problemas.

A Lezíria e o Médio Tejo são as únicas regiões onde foram impugnados os concursos, porquê?

A decisão de impugnar, solução muito ponderada e que não desejávamos, é um direito e uma figura jurídica plasmada na lei e no novo regulamento de transportes. Para além disso, a responsabilidade para com os seus trabalhadores e para com a sua estrutura acionista, não permitiria nunca colocar em causa o que a empresa entende ser a defesa dos seus legítimos interesses.

Como é que a Rodoviária do Tejo analisa estes dois concursos das Comunidades Interurbanas da Lezíria e Médio Tejo?

Ambos os cadernos de encargos foram elaborados com base em pressupostos que existiam antes do início da pandemia, numa realidade que se alterou substancialmente. Também, numa missão impossível, ambos os concursos admitiam que os operadores deveriam ser capazes de obter proveitos e garantir a sua sustentabilidade através de actividades acessórias ao objecto do contrato. Apesar de ambas as comunidades intermunicipais terem optado por um mesmo modelo de concurso de concessão de um serviço público, com o risco de produção e comercial integralmente transferidos para os futuros operadores, há um racional diferente em cada um deles.

E quais são essas diferenças?

Na Lezíria do Tejo, num concurso com um nível de investimentos significativo, foram construídos diferentes cenários para o lançamento deste concurso público, com um deles a assumir claramente que as receitas tarifárias geradas pelo serviço público de transporte não eram suficientes para cobrir os custos deste serviço e que, para viabilizar esta concessão, teria que ser formalizado o direito ao pagamento das devidas compensações pecuniárias. Aliás, um valor muito aproximado do défice de exploração global estimado pela empresa. Mas o cenário escolhido acabou por ser o de não admitir o direito a qualquer compensação pecuniária devida pelo cumprimento destas obrigações de serviço público,

E no Médio Tejo?

Nesta comunidade, o concurso apresentava uma menor exigência em termos de investimentos e já se admitia o direito a uma compensação pecuniária para cada ano de contrato. No entanto, o nível de proveitos possível nesta região tornaria sempre este concurso financeiramente insustentável. Numa situação bem conhecida de tão baixa procura, os pressupostos financeiros deste concurso deveriam ter sido reavaliados.

Afinal, o que está verdadeiramente mal no processo de descentralização da gestão dos transportes?

Num país a duas velocidades, uma para as grandes áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e outra para o “resto do país”, a mobilidade não pode continuar a ser uma prioridade apenas para alguns. O Estado tem de assumir, de uma forma clara, se quer ou não que os cidadãos destas regiões tenham o direito a uma mobilidade mínima. O presidente da Câmara do Sardoal, Miguel Borges, vai repetindo que “interioridade não é sinal de inferioridade”, mas a verdade é que nestas zonas do interior tem de haver, algum dia, um claro sinal do Estado que os transportes públicos são uma prioridade… sozinhos, os municípios e os orçamentos municipais nunca o conseguirão.

O que acha do pedido à Autoridade da Concorrência para analisar “eventuais factos indiciadores de conluio”?

Neste caso, se a concorrência não funcionou foi porque os operadores de transportes públicos, constataram a inviabilidade económica de ambos os concursos, que acabaram por ficar desertos. São concursos abertos a empresas nacionais e estrangeiras pelo que a hipótese de conluio não faz qualquer sentido face à quantidade de empresas que podiam e não o fizeram.

O que é que afastou os concorrentes?

Nestes dois concursos as autoridades de transportes optaram por um modelo onde se encontravam totalmente protegidas do risco comercial transferindo-o para os operadores. Este modelo de concurso, onde os proveitos dos operadores resultam apenas da receita tarifária, afasta sempre muitos concorrentes e, como agravante, existe hoje um profundo desconhecimento de qual vai ser o comportamento da procura ao longo de toda a vigência do contrato. Deveriam ter sido as autoridades (comunidades intermunicipais) a deter a maioria do risco da procura, com os operadores a serem remunerados pela produção do serviço por elas decidido. É por todos reconhecido ser este o modelo de concurso que tende sempre a atrair mais concorrentes, nacionais e estrangeiros.

Pretende a empresa continuar com a ação de impugnação ou admite desistir?

A Rodoviária do Tejo irá sempre até aos seus limites, até onde lhe for possível ir. Como sempre o tem feito, continuará a ajudar a garantir o princípio da continuidade dos serviços públicos evitando-se assim cenários com onerosos reflexos económicos e sociais. Face a eventuais cenários de ruptura, a empresa sempre admitiu a possibilidade de antecipação da cessação destas acções, no entanto, o facto de estarmos perante dois concursos sem concorrentes, tornou automática a extinção destas acções. Em ambos os concursos não existia a obrigatoriedade de transferência do pessoal, dos operadores incumbentes para o novo operador, opção que melhor acautelaria os postos de trabalho. Voltando a salientar que tudo faremos para garantir a manutenção de todos os actuais postos de trabalho.

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